São Paulo, segunda-feira, 12 de abril de 2010

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Presidente sudanês usa máquina para se perpetuar no poder

Na primeira eleição multipardidária em 24 anos, governo transporta eleitores e manda que votem em Omar al Bashir

Eleição é item de acordo de paz de 2005 que pôs fim a guerra civil; como maioria da oposição boicota o pleito, mandatário é favorecido

FÁBIO ZANINI
ENVIADO ESPECIAL A CARTUM (SUDÃO)

O eleitor chega num carro pago pelo partido do governo. É encaminhado a uma tenda, para se proteger do sol escaldante. Como é quase sempre analfabeto e sem documento, recebe na hora um título de eleitor improvisado, emitido por uma comissão eleitoral supostamente independente, mas aparelhada politicamente.
De brinde, leva um modelo de cédula com a instrução de votar na "arvorezinha", símbolo do partido do governo. Enquanto espera sentado na sombra, come pão com ful (feijão árabe) e tem água à vontade.
O uso da máquina para reeleger o presidente sudanês, Omar al Bashir, foi ontem uma marca da primeira eleição multipartidária em 24 anos.
O ritual acima descrito foi testemunhado pela Folha a cem metros de uma seção eleitoral montada numa escola no campo de refugiados de Soba al Radi, periferia de Cartum. O campo abriga 200 mil pessoas que há duas décadas chegam buscando refúgio da pobreza e das guerras no sul do país e em Darfur (oeste).
"Eu não sei nada sobre o presidente, mas vou votar no Congresso Nacional [seu partido]", disse a dona de casa Fatima Ali, enquanto esperava um funcionário do partido trazer um pedaço de papel que lhe daria o direito de votar. "Vou votar no presidente porque disseram que era para votar. Eles dizem isso para todo mundo."
Nassreddin Idriss, motorista de um micro-ônibus, fazia a quarta viagem entre a seção eleitoral e uma localidade chamada "Bloco 4", a meia hora de distância. "Fui contratado pelo partido do presidente", disse.
Uma picape com a bandeira do partido do governo ia e vinha a todo o momento trazendo sempre uma dezena de eleitores de al Bashir na caçamba.
Ali Ismail, ao mesmo tempo membro da comissão eleitoral e do partido governista, disse que a orientação aos eleitores era apenas sobre como votar certo. "Estamos ensinando a todos que precisam marcar sua opção dentro do círculo. Se não, o voto será invalidado."
O presidente sudanês, no poder há 21 anos, busca uma vitória esmagadora para legitimar-se internacionalmente. Para isso, conta com inesperada ajuda da maioria da oposição, que boicota o pleito justamente pelo uso da máquina.
Há um ano, al Bashir foi o primeiro chefe de Estado no cargo a ser indiciado pelo Tribunal Penal Internacional, por crimes contra as populações de Darfur. Em tese, será preso se pisar em 111 países (incluindo o Brasil), embora conte com o apoio de vários Estados africanos e árabes.
A eleição, que começou ontem e segue até amanhã, é um dos itens de um acordo de paz assinado em 2005 que pôs fim a uma guerra civil entre o norte árabe e o sul negro do país. Outro ponto prevê um plebiscito sobre a independência do sul para janeiro.
Ontem, a eleição correu sob forte vigilância de 100 mil policiais. Nas ruas de Cartum, o clima era tranquilo, com apenas algumas bandeiras tremulando das janelas de carros.
No campo de Soba al Radi, bancos de metal sob o sol foram colocados na entrada de dez salas da escola Center Sophia. Apesar do sacrifício, as filas eram longas. Quase todos votavam pela primeira vez.
"Estou aqui há três horas, mas vale a pena. É meu direito", afirmou Abdullah Tia, empregado do governo. E mais um voto para al Bashir.


Ouça podcast de Fábio Zanini sobre o Sudão
www.folha.com.br/101011



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