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Presidente sudanês usa máquina para se perpetuar no poder
Na primeira eleição multipardidária em 24 anos, governo transporta eleitores e manda que votem em Omar al Bashir
Eleição é item de acordo de paz de 2005 que pôs fim a guerra civil; como maioria da oposição boicota o pleito, mandatário é favorecido
FÁBIO ZANINI
ENVIADO ESPECIAL A CARTUM (SUDÃO)
O eleitor chega num carro
pago pelo partido do governo. É
encaminhado a uma tenda, para se proteger do sol escaldante.
Como é quase sempre analfabeto e sem documento, recebe
na hora um título de eleitor improvisado, emitido por uma comissão eleitoral supostamente
independente, mas aparelhada
politicamente.
De brinde, leva um modelo
de cédula com a instrução de
votar na "arvorezinha", símbolo do partido do governo. Enquanto espera sentado na sombra, come pão com ful (feijão
árabe) e tem água à vontade.
O uso da máquina para reeleger o presidente sudanês, Omar
al Bashir, foi ontem uma marca
da primeira eleição multipartidária em 24 anos.
O ritual acima descrito foi
testemunhado pela Folha a
cem metros de uma seção eleitoral montada numa escola no
campo de refugiados de Soba al
Radi, periferia de Cartum.
O campo abriga 200 mil pessoas que há duas décadas chegam buscando refúgio da pobreza e das guerras no sul do
país e em Darfur (oeste).
"Eu não sei nada sobre o presidente, mas vou votar no Congresso Nacional [seu partido]",
disse a dona de casa Fatima Ali,
enquanto esperava um funcionário do partido trazer um pedaço de papel que lhe daria o
direito de votar. "Vou votar no
presidente porque disseram
que era para votar. Eles dizem
isso para todo mundo."
Nassreddin Idriss, motorista
de um micro-ônibus, fazia a
quarta viagem entre a seção
eleitoral e uma localidade chamada "Bloco 4", a meia hora de
distância. "Fui contratado pelo
partido do presidente", disse.
Uma picape com a bandeira do
partido do governo ia e vinha a
todo o momento trazendo
sempre uma dezena de eleitores de al Bashir na caçamba.
Ali Ismail, ao mesmo tempo
membro da comissão eleitoral
e do partido governista, disse
que a orientação aos eleitores
era apenas sobre como votar
certo. "Estamos ensinando a
todos que precisam marcar sua
opção dentro do círculo. Se
não, o voto será invalidado."
O presidente sudanês, no poder há 21 anos, busca uma vitória esmagadora para legitimar-se internacionalmente. Para isso, conta com inesperada ajuda
da maioria da oposição, que
boicota o pleito justamente pelo uso da máquina.
Há um ano, al Bashir foi o
primeiro chefe de Estado no
cargo a ser indiciado pelo Tribunal Penal Internacional, por
crimes contra as populações de
Darfur. Em tese, será preso se
pisar em 111 países (incluindo o
Brasil), embora conte com o
apoio de vários Estados africanos e árabes.
A eleição, que começou ontem e segue até amanhã, é um
dos itens de um acordo de paz
assinado em 2005 que pôs fim
a uma guerra civil entre o norte
árabe e o sul negro do país. Outro ponto prevê um plebiscito
sobre a independência do sul
para janeiro.
Ontem, a eleição correu sob
forte vigilância de 100 mil policiais. Nas ruas de Cartum, o clima era tranquilo, com apenas
algumas bandeiras tremulando
das janelas de carros.
No campo de Soba al Radi,
bancos de metal sob o sol foram colocados na entrada de
dez salas da escola Center Sophia. Apesar do sacrifício, as filas eram longas. Quase todos
votavam pela primeira vez.
"Estou aqui há três horas,
mas vale a pena. É meu direito", afirmou Abdullah Tia, empregado do governo. E mais um
voto para al Bashir.
Ouça podcast de Fábio
Zanini sobre o Sudão
www.folha.com.br/101011
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