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ENTREVISTA DA 2ª -
ZBIGNIEW BRZEZINSKI
"Não tenho ilusão sobre fim rápido da bomba atômica"
Estrategista veterano da política externa dos EUA diz que negociação com Irã deve ser mais ampla
GRANDE estrategista da política externa
americana no século 20, Zbigniew Brzezinski defende negociações amplas sobre
o programa nuclear do Irã, em que o país
receba garantias de que não será atacado ao abrir mão
da bomba. Ele afirma que os EUA devem tomar a frente de um plano para a criação do Estado palestino,
porque o conflito ameaça a segurança americana, e
demonstra ceticismo sobre a meta, expressa pelo presidente Barack Obama, de pôr fim aos arsenais atômicos. Brzezinski diz que os EUA não pretendem abdicar de sua hegemonia: "Se a atual proeminência da
América entrasse em declínio rápido, todo o mundo
seria lançado no caos político e econômico".
CLAUDIA ANTUNES
DA SUCURSAL DO RIO
Como assessor de Segurança
Nacional do presidente democrata Jimmy Carter (1977-1981), Zbigniew Brzezinski
contabilizou uma vitória importante e um grande revés no
Oriente Médio: o acordo de paz
Israel-Egito, o primeiro entre o
Estado judeu e um vizinho árabe, em 1978; e a Revolução Islâmica de 1979 no Irã, com a tomada de reféns na Embaixada
dos EUA, que teve peso decisivo para a vitória do republicano
Ronald Reagan na eleição presidencial de 1980.
A região e os dois países, Israel e Irã, continuam nos cálculos de Brzezinski, que em março esteve na Casa Branca, com
outros antigos assessores presidenciais, para tratar do assunto com o atual conselheiro
de Segurança Nacional, general
James Jones, e Barack Obama.
A urgência de um acordo de paz
na Palestina e o programa nuclear iraniano foram os principais temas desta entrevista à
Folha de um Brzezinski de voz
firme, aos 82 anos.
FOLHA - O sr. é um dos veteranos
da política externa americana que
propuseram que Obama apresente
um plano pronto para a solução de
dois Estados do conflito israelense-palestino. Acredita que ele fará isso?
ZBIGNIEW BRZEZINSKI - Eu não sei.
FOLHA - Por que defende essa
abordagem?
BRZEZINSKI - Porque acho que
um arranjo de paz no Oriente
Médio é de interesse de todas
as partes envolvidas. Os EUA
estão cada vez mais ameaçados
pelo radicalismo e o extremismo na região, e parte disso é
provocada pelo conflito contínuo entre Israel e os palestinos.
Israel precisa de paz para se
tornar uma parte aceita do
Oriente Médio, no qual viva em
segurança e prospere e possa
até mesmo se tornar a Cingapura da região. E os palestinos
têm direito à dignidade política, à independência política e a
um território nacional.
FOLHA - E os dois lados, sozinhos,
não poderiam alcançar um acordo?
BRZEZINSKI - Isso é absolutamente certo. A questão é que
esse conflito agora se prolonga
por várias décadas, e todo esforço de paz baseado apenas na
negociação entre os dois lados
fracassou.
FOLHA - Faz sentido negociar sem
incluir o Hamas?
BRZEZINSKI - De uma forma ou
de outra, os elementos extremistas dos dois lados terão de
ser envolvidos, e, se a acomodação proposta responder aos
interesses básicos tanto de Israel quanto do público árabe,
os extremistas acabarão isolados politicamente.
FOLHA - Acredita na chance de o
Hamas aderir a um acordo?
BRZEZINSKI - Se o acordo parecer justo e atraente para uma
porção significativa dos palestinos, e se ele trouxer benefícios
tangíveis, acredito que o Hamas pode muito bem evoluir.
Mas é algo que nunca saberemos se acontecerá se não tentarmos fazer acontecer.
FOLHA - Houve esse choque recente entre Obama e o premiê Netanyahu após o anúncio de construções
em Jerusalém Oriental. Não está claro, no entanto, se Israel vai suspender as construções. Qual deve ser o
próximo passo dos EUA?
BRZEZINSKI - Em geral, eu apoio
a posição que Obama adotou
até agora, e veremos como Israel responde às propostas
americanas mais recentes.
FOLHA - O balanço de forças dentro
dos EUA favorece que haja mais
pressão sobre Israel?
BRZEZINSKI - Eu acho que o povo
americano em geral é a favor de
uma solução pacífica, mas
apoiar uma solução pacífica
não é a mesma coisa que pressionar Israel. Uma solução requer compromissos tanto de
Israel quanto dos palestinos. O
problema é que nenhum dos
dois lados parece disposto a dar
o primeiro passo. A equipe de
Obama está penosamente
consciente desse fato.
FOLHA - As últimas iniciativas de
Obama na questão nuclear contêm
uma mensagem para o Irã suspender seu programa atômico. Ele será
bem-sucedido?
BRZEZINSKI - Não tenho certeza
de que estamos pedindo ao Irã
que suspenda seu programa
nuclear [o país tem o direito a
tê-lo, como signatário do Tratado de Não Proliferação]. Acho
que pedimos ao Irã provas convincentes e que concorde com
acordos com credibilidade para
dar à comunidade internacional a confiança de que seu programa não está destinado à
produção de armas atômicas.
FOLHA - O sr. já disse que o programa nuclear do Irã deveria ser negociado num quadro em que os iranianos receberiam garantias de segurança. Obama não encampou essa
iniciativa. Sustenta essa proposta?
BRZEZINSKI - Eu apoio a inclinação de Obama de negociar com
o Irã, mas eu era a favor no passado e sou ainda hoje de negociações de maior amplitude,
nas quais várias grandes questões, incluindo a segurança regional e as relações econômicas, sejam tratadas simultaneamente às discussões específicas sobre a questão nuclear.
FOLHA - O que está impedindo o
governo Obama de fazer isso?
BRZEZINSKI - Em parte, a falta de
uma resposta palpável do Irã.
FOLHA - Existem outros fatores?
BRZEZINSKI - Pode haver alguma
hesitação em ampliar de modo
prematuro a pauta de negociações, mas minha opinião sobre
isso é diferente da do governo.
FOLHA - O Itamaraty tem insistido
em que há espaço para um pacto no
qual o Irã entregaria parte de seu estoque de urânio pouco enriquecido
em troca de combustível para seu
reator de uso médico. A Turquia seria intermediária dessa troca. A posição brasileira é ingênua?
BRZEZINSKI - Eu não conheço a
posição brasileira precisamente. Mas do que eu já ouvi sobre
ela, e, pela sua descrição, me
parece que representa um ponto de vista que deveria ser levado em consideração.
FOLHA - Brasil e Turquia, com cadeiras não permanentes no Conselho de Segurança, dizem que gostariam de ver mais negociações antes
de novas sanções ao Irã. Se aprovadas, as sanções darão resultado?
BRZEZINSKI - Não tenho como
saber que tipo de sanções será
aprovado. Haverá negociações,
e certamente haverá diferentes
posições sobre a questão. Também sabemos que sanções demoram bastante tempo para
ter efeito, e que é melhor que
sejam acompanhadas por negociações sérias.
FOLHA - Alguns analistas nos EUA
dizem que é inevitável que o Irã obtenha arma atômica e que será preciso conviver com isso. Concorda?
BRZEZINSKI - Eu espero que isso
não aconteça, porque acho que
seria desafortunado, e poderia
criar tensões muito sérias nas
relações internacionais.
Ao mesmo tempo, tenho
confiança em que poderemos
conter qualquer nova potência
nuclear, assim como contivemos por muitos anos potências
perigosas e poderosas como a
União Soviética stalinista e a
China de Mao Tsé-tung. [ele se
refere ao conceito de contenção, da Guerra Fria, em que o
poderio bélico é usado não em
conflitos, mas para dissuadir o
oponente de atacar].
FOLHA- Como o senhor avalia a nova estratégia nuclear de Obama? É
otimista em relação ao objetivo de
pôr fim aos arsenais atômicos?
BRZEZINSKI - Eu acredito que as
iniciativas adotadas recentemente são uma contribuição
positiva para um mundo que se
torne cada vez menos dependente, por um período prolongado, de armas nucleares.
Mas não tenho nenhuma ilusão de que o movimento nessa
direção será rápido e não tenho
meios de prever quando as armas atômicas desaparecerão de
todo, se é que isso acontecerá, e
de qualquer forma com certeza
não será em pouco tempo.
FOLHA - China e EUA são interdependentes na economia. Mas setores nos EUA demonstram preocupação de que a China ameace o domínio militar americano no Pacífico. O
sr. teme o desafio militar chinês?
BRZEZINSKI - Não há dúvida de
que a relação entre os EUA e a
China tem importância enorme, talvez central, para os dois
países. E eu sei que a China, em
longo prazo, está destinada a
ter uma corporação militar cada vez mais poderosa. No entanto, acho que, neste estágio,
análises alarmistas não são
acuradas nem propiciam a manutenção de uma relação bilateral estável e responsavelmente cooperativa.
FOLHA- O século 20 foi o século
americano. O sr. acredita que os EUA
terão a capacidade de manter seu
papel proeminente nas questões internacionais no futuro próximo?
BRZEZINSKI - No futuro próximo, com certeza. Os EUA não
estão se preparando para abdicar. Mas o futuro próximo são
no máximo 20 anos. O que virá
depois é impossível prever com
confiança. Mas uma coisa é clara para mim: se a atual proeminência da América entrasse em
declínio rápido, todo o mundo
seria lançado no caos político e
econômico.
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