São Paulo, domingo, 12 de junho de 2005

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SOCIEDADE

Assexuados usam internet para defender que sua opção não é anormal, mas especialistas se dividem sobre o tema

Desinteressados por sexo buscam afirmação

MARY DUENWALD
DO "NEW YORK TIMES"

Os pássaros fazem, as abelhas fazem. Mas não necessariamente todos eles. Entre as abelhas, as irmãs da rainha não se envolvem em sexo. E, em certas espécies de pássaros -os gaios silvestres da Flórida, por exemplo-, alguns indivíduos, conhecidos como "auxiliares", não procriam e sua tarefa é ajudar os pássaros que procriam a criar os filhotes.
Mas será que a indiferença ao sexo pode se estender também aos seres humanos?
Um número cada vez maior de pessoas diz sim e diz que a prova está em suas vidas. Descrevem-se como assexuados e classificam sua condição como normal, e não como um resultado de orientação sexual confusa ou de perda temporária de desejo. Eles queriam muito que o mundo compreendesse que podem viver vidas felizes sem jamais fazer sexo.
"As pessoas acreditam que precisam nos converter", disse Cijay Morgan, 42, vendedora de telefones em Edmonton, Canadá, declaradamente assexuada. "Elas conseguem entender que você não gosta de música country, ou de cebola frita, ou que não esteja interessado em aprender a assobiar, mas não aceitam que alguém não queira sexo. Não compreendem que muitos assexuados não desejam ser "consertados"."
Considerando a onipresença da publicidade de medicamentos que melhoram o desempenho sexual, os esforços de vender um adesivo de testosterona que aumente o desejo sexual nas mulheres e a presença ubíqua do sexo na cultura pop, não surpreende que as pessoas que alegam não ter impulsos sexuais tenham sido mal compreendidas ou ignoradas.
Apenas uma pesquisa científica parece ter sido conduzida a respeito delas. E muitos especialistas em sexualidade humana, quando informados de que existe uma comunidade crescente, na internet, de pessoas que se definem como assexuadas, dizem não ter ouvido falar a respeito. Mas a maioria não se surpreende com o conceito.
Três quartos dos pacientes que vão ao Centro de Medicina Sexual da Universidade de Boston não têm qualquer impulso sexual, disse Irwin Goldstein, o diretor da instituição e também editor do "Journal of Sexual Medicine". "Nós classificamos a situação como distúrbio de desejo sexual, ou DDSH", disse.
A falta de interesse sexual não é necessariamente um distúrbio, nem mesmo um problema, acrescentou Goldstein, a menos que cause incômodo, levando, por exemplo, a conflitos no casamento ou em uma relação romântica.
John Bancroft, que se aposentou como diretor do Instituto Kinsey de Pesquisa do Sexo e Reprodução Humana, na Universidade de Indiana, disse acreditar que "seria surpreendente se não existissem pessoas assexuadas pois existe uma imensa variação na sexualidade humana".

Doença
Nem todos os clínicos concordam em que a falta de interesse em sexo possa ser considerada normal. "É mais ou menos como uma pessoa dizer que nunca sente apetite por comida", disse Leonard Derogatis, psicólogo e diretor do Centro de Saúde Sexual e Medicina na Universidade Johns Hopkins, em Baltimore. "O sexo é um instinto natural, tão natural quanto o de buscar nutrição e água para sobreviver."
As pessoas assexuadas muitas vezes dizem que tinham consciência de sua falta de interesse em sexo desde a adolescência e que, embora isso as possa ter perturbado, jamais viveram situação diferente. "Compreendi que era assexuada mais ou menos na mesma época em que compreendi que era baixinha, com cerca de 15 anos", disse Morgan, de Edmonton, que tem 1,55 metro. "Compreendi que era baixinha quando todo mundo cresceu mais do que eu e compreendi que não tinha sentimentos sexuais quando todo mundo começou a experimentar os seus."
A internet oferece uma plataforma para que as pessoas que se definem como assexuadas anunciem sua existência coletiva. O anonimato da rede facilita conversar sobre o tópico, disse Todd Niquette, 36, analista de sistemas em St. Paul e membro da Rede de Educação e Visibilidade Assexuada, um grupo que funciona na internet. Com mais de 4.000 participantes registrados, trata-se da maior comunidade de assexuados desse tipo. "O que tentamos descobrir é como é que posso me sentir menos solitário em minha situação", disse Niquette.
A rede de que ele participa define um assexuado como alguém que "não sente atração sexual". A definição, evidentemente, se distingue bastante do conceito muito mais antigo de reprodução assexuada praticado pelas amebas e por certos tipos de peixes e lagartos, por exemplo, bem como por muitas espécies de plantas.
Os assexuados podem ter necessidades sexuais e até mesmo se masturbar, mas não querem fazer sexo com outras pessoas, disse David Jay, 23, que fundou, há quatro anos, a Rede de Educação e Visibilidade Assexuada (conhecida como Aven por seus integrantes), quando estava na faculdade. "Os assexuados muitas vezes sentem atração romântica por outras pessoas", disse Jay. "Mas ela não envolve sexo", completou.
Jay, que trabalha para uma organização educacional sem fins lucrativos em San Francisco, é um sujeito falante, com um sorriso aberto e muitos amigos. Diz que se sente muito interessado em "profundo envolvimento emocional" e em criar filhos, ainda que "não necessariamente meus". Mas jamais fez sexo, diz, acrescentando que a chance de que venha a fazê-lo é quase inexistente.
Se as pessoas assexuadas são tão comuns, por que não foram mencionadas nos livros de história ou em qualquer outro documento, antes do advento da internet? Elizabeth Abbott, pesquisadora associada do Trinity College, na Universidade de Toronto, escreveu o livro "A History of Celibacy" [a história do celibato].
Ela especula que isso possa se dever ao fato de que esse tipo de pessoa tenha mantido a discrição. Talvez jamais se tenham casado, ou se tenham envolvido em casamentos sem sexo, ou fizeram sexo sem realmente desejar. Ao contrário do homossexualismo, o assexualismo nunca foi ilegal.
A sociedade nem sempre aceitou a idéia, porém. Ainda na Idade Média, disse Abbott, "a não-consumação do matrimônio" era considerada "insulto ao sacramento" e causa para divórcio.
O assexualismo, aponta ela, se distingue do celibato, que implica em decisão consciente de sufocar os desejos sexuais.
No que parece ser o único estudo já publicado sobre assexualismo -definido como falta duradoura de atração sexual por homens ou mulheres-, os pesquisadores constaram que 1,1% dos adultos podem ser assexuados.
O número foi extraído de uma pesquisa com 18 mil britânicos entrevistados em 1994 sobre doenças sexualmente transmissíveis. Os dados foram analisados posteriormente por Anthony Bogaert, psicólogo da Universidade Brock, em St. Catharines, Canadá, que publicou suas conclusões em agosto de 2004 em "The Journal of Sex Research". Bogaert concluiu ainda que 44% das pessoas que não expressavam interesse em sexo estavam casadas ou viviam com parceiros, ou já haviam passado por esse tipo de relacionamento no passado.

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