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SOCIEDADE
Assexuados usam internet para defender que sua opção não é anormal, mas especialistas se dividem sobre o tema
Desinteressados por sexo buscam afirmação
MARY DUENWALD
DO "NEW YORK TIMES"
Os pássaros fazem, as abelhas
fazem. Mas não necessariamente
todos eles. Entre as abelhas, as irmãs da rainha não se envolvem
em sexo. E, em certas espécies de
pássaros -os gaios silvestres da
Flórida, por exemplo-, alguns
indivíduos, conhecidos como
"auxiliares", não procriam e sua
tarefa é ajudar os pássaros que
procriam a criar os filhotes.
Mas será que a indiferença ao
sexo pode se estender também
aos seres humanos?
Um número cada vez maior de
pessoas diz sim e diz que a prova
está em suas vidas. Descrevem-se
como assexuados e classificam
sua condição como normal, e não
como um resultado de orientação
sexual confusa ou de perda temporária de desejo. Eles queriam
muito que o mundo compreendesse que podem viver vidas felizes sem jamais fazer sexo.
"As pessoas acreditam que precisam nos converter", disse Cijay
Morgan, 42, vendedora de telefones em Edmonton, Canadá, declaradamente assexuada. "Elas
conseguem entender que você
não gosta de música country, ou
de cebola frita, ou que não esteja
interessado em aprender a assobiar, mas não aceitam que alguém
não queira sexo. Não compreendem que muitos assexuados não
desejam ser "consertados"."
Considerando a onipresença da
publicidade de medicamentos
que melhoram o desempenho sexual, os esforços de vender um
adesivo de testosterona que aumente o desejo sexual nas mulheres e a presença ubíqua do sexo na
cultura pop, não surpreende que
as pessoas que alegam não ter impulsos sexuais tenham sido mal
compreendidas ou ignoradas.
Apenas uma pesquisa científica
parece ter sido conduzida a respeito delas. E muitos especialistas
em sexualidade humana, quando
informados de que existe uma comunidade crescente, na internet,
de pessoas que se definem como
assexuadas, dizem não ter ouvido
falar a respeito. Mas a maioria não
se surpreende com o conceito.
Três quartos dos pacientes que
vão ao Centro de Medicina Sexual
da Universidade de Boston não
têm qualquer impulso sexual, disse Irwin Goldstein, o diretor da
instituição e também editor do
"Journal of Sexual Medicine".
"Nós classificamos a situação como distúrbio de desejo sexual, ou
DDSH", disse.
A falta de interesse sexual não é
necessariamente um distúrbio,
nem mesmo um problema, acrescentou Goldstein, a menos que
cause incômodo, levando, por
exemplo, a conflitos no casamento ou em uma relação romântica.
John Bancroft, que se aposentou como diretor do Instituto
Kinsey de Pesquisa do Sexo e Reprodução Humana, na Universidade de Indiana, disse acreditar
que "seria surpreendente se não
existissem pessoas assexuadas
pois existe uma imensa variação
na sexualidade humana".
Doença
Nem todos os clínicos concordam em que a falta de interesse
em sexo possa ser considerada
normal. "É mais ou menos como
uma pessoa dizer que nunca sente
apetite por comida", disse Leonard Derogatis, psicólogo e diretor do Centro de Saúde Sexual e
Medicina na Universidade Johns
Hopkins, em Baltimore. "O sexo é
um instinto natural, tão natural
quanto o de buscar nutrição e
água para sobreviver."
As pessoas assexuadas muitas
vezes dizem que tinham consciência de sua falta de interesse
em sexo desde a adolescência e
que, embora isso as possa ter perturbado, jamais viveram situação
diferente. "Compreendi que era
assexuada mais ou menos na
mesma época em que compreendi que era baixinha, com cerca de
15 anos", disse Morgan, de Edmonton, que tem 1,55 metro.
"Compreendi que era baixinha
quando todo mundo cresceu
mais do que eu e compreendi que
não tinha sentimentos sexuais
quando todo mundo começou a
experimentar os seus."
A internet oferece uma plataforma para que as pessoas que se definem como assexuadas anunciem sua existência coletiva. O
anonimato da rede facilita conversar sobre o tópico, disse Todd
Niquette, 36, analista de sistemas
em St. Paul e membro da Rede de
Educação e Visibilidade Assexuada, um grupo que funciona na internet. Com mais de 4.000 participantes registrados, trata-se da
maior comunidade de assexuados desse tipo. "O que tentamos
descobrir é como é que posso me
sentir menos solitário em minha
situação", disse Niquette.
A rede de que ele participa define um assexuado como alguém
que "não sente atração sexual". A
definição, evidentemente, se distingue bastante do conceito muito
mais antigo de reprodução assexuada praticado pelas amebas e
por certos tipos de peixes e lagartos, por exemplo, bem como por
muitas espécies de plantas.
Os assexuados podem ter necessidades sexuais e até mesmo se
masturbar, mas não querem fazer
sexo com outras pessoas, disse
David Jay, 23, que fundou, há
quatro anos, a Rede de Educação
e Visibilidade Assexuada (conhecida como Aven por seus integrantes), quando estava na faculdade. "Os assexuados muitas vezes sentem atração romântica por
outras pessoas", disse Jay. "Mas
ela não envolve sexo", completou.
Jay, que trabalha para uma organização educacional sem fins
lucrativos em San Francisco, é um
sujeito falante, com um sorriso
aberto e muitos amigos. Diz que
se sente muito interessado em
"profundo envolvimento emocional" e em criar filhos, ainda
que "não necessariamente meus".
Mas jamais fez sexo, diz, acrescentando que a chance de que venha a fazê-lo é quase inexistente.
Se as pessoas assexuadas são tão
comuns, por que não foram mencionadas nos livros de história ou
em qualquer outro documento,
antes do advento da internet? Elizabeth Abbott, pesquisadora associada do Trinity College, na
Universidade de Toronto, escreveu o livro "A History of Celibacy" [a história do celibato].
Ela especula que isso possa se
dever ao fato de que esse tipo de
pessoa tenha mantido a discrição.
Talvez jamais se tenham casado,
ou se tenham envolvido em casamentos sem sexo, ou fizeram sexo
sem realmente desejar. Ao contrário do homossexualismo, o assexualismo nunca foi ilegal.
A sociedade nem sempre aceitou a idéia, porém. Ainda na Idade Média, disse Abbott, "a não-consumação do matrimônio" era
considerada "insulto ao sacramento" e causa para divórcio.
O assexualismo, aponta ela, se
distingue do celibato, que implica
em decisão consciente de sufocar
os desejos sexuais.
No que parece ser o único estudo já publicado sobre assexualismo -definido como falta duradoura de atração sexual por homens ou mulheres-, os pesquisadores constaram que 1,1% dos
adultos podem ser assexuados.
O número foi extraído de uma
pesquisa com 18 mil britânicos
entrevistados em 1994 sobre
doenças sexualmente transmissíveis. Os dados foram analisados
posteriormente por Anthony Bogaert, psicólogo da Universidade
Brock, em St. Catharines, Canadá,
que publicou suas conclusões em
agosto de 2004 em "The Journal of
Sex Research". Bogaert concluiu
ainda que 44% das pessoas que
não expressavam interesse em sexo estavam casadas ou viviam
com parceiros, ou já haviam passado por esse tipo de relacionamento no passado.
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