São Paulo, domingo, 12 de junho de 2005

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CIÊNCIA ESTRANHA

Em "Freakonomics", Steven Levitt relaciona o modo de operação de traficantes ao de uma rede de fast-food

Professor de Chicago faz conexões bizarras

SÉRGIO DÁVILA
DA CALIFÓRNIA

Economista maldito. Esse é o epíteto de Steven J. Levitt, 38. Como na frase "Steven J. Levitt, economista maldito". Ele é autor de teses polêmicas, como a que conecta a legalização do aborto nos EUA nos anos 70 à queda na criminalidade duas décadas depois. Ou a comparação da estrutura empresarial de uma gangue de vendedores de crack de Chicago à rede de fast-food McDonald's. Ou a afirmação de que ter piscina em uma casa com crianças pequenas é mais perigoso do que ter uma arma de fogo na mesma casa.
Mas Levitt, professor da Universidade de Chicago, formado em Harvard e no MIT, tem outros epítetos mais agradáveis. O "Indiana Jones da economia", dado pelo "Wall Street Journal", por sua capacidade de mergulhar numa pilha de estudos, textos e números e de lá sair com uma tese surpreendente como as acima. Pela primeira vez, ele resolveu reunir tudo num livro, "Freakonomics", que está há sete semanas entre os três primeiros da lista do "New York Times" e chega nesta semana ao Brasil.
Escrito em parceria com o jornalista Stephen J. Dubner, 41, do mesmo "Times", brinca com a expressão "Reaganomics", dada à política econômica do governo Reagan nos anos 80. A contração é das palavras "freak" (esquisito, em inglês) e "economics". Ganhador da prestigiosa medalha John Bates Clark, da Associação dos Economistas dos EUA, para o melhor entre seus pares com menos de 40 anos, Steven D. Levitt falou com exclusividade à Folha.

Folha - Por que juntar casos tão diferentes como a semelhança entre uma gangue de drogas e uma grande corporação e a relação do perigo de ter uma piscina e uma arma em casa num mesmo livro?
Steven D. Levitt -
Os exemplos de "Freakonomics" são frutos da última década de minha pesquisa. Eu procurei muito até encontrar esses quebra-cabeças interessantes. Encontrei muitos e resolvi alguns deles. O estudo das gangues, por exemplo, começou por acaso, depois de um encontro casual com o um amigo que havia passado muitos anos estudando uma gangue de vendedores de crack em Chicago. Ele tinha uma coleção incrível de dados financeiros, mas não tinha idéia do que fazer com aqueles números.
Já o estudo que fiz procurando responder à pergunta sobre o que é mais perigoso ter em uma casa com crianças -se uma arma de fogo ou uma piscina no quintal- começou a me interessar depois da trágica morte de meu filho de um ano, causada por meningite. Eu e minha mulher fizemos parte de um grupo de pais que procuravam lidar com a morte de seus filhos pequenos, e ali, ouvindo diversos relatos, fui atrás dos números. Concluí que é literalmente 100 vezes mais perigoso potencialmente ter piscina em casa do que uma arma, se você tem filhos pequenos.

Folha - Algumas críticas a seu livro dizem que os casos são muito interessantes, mas que o todo carece de unidade, de um fecho. Essa foi uma decisão sua? Se tivesse de escrever a conclusão, qual seria?
Levitt -
Quando leio livros, gosto de aprender e gosto de boas histórias. Consigo determinar por mim mesmo o que quero de cada obra. Assim, não queria forçar um tema, mas sim deixá-lo sob a responsabilidade do leitor. Esse é um livro que tem histórias que eu espero que sejam interessantes para as pessoas, com casos comprovados por números, mas também é um livro divertido, que você pode discutir em festas e jantares. Isso é mais do que imagino que possa esperar de um livro.

Folha - A base de um dos casos que o sr. estuda é a legalização do aborto nos anos 70 e o efeito dessa decisão na queda da taxa de criminalidade durante os anos 90 nos EUA. Há um movimento forte hoje em dia no país tentando reverter esta decisão. Pelas suas contas, se isso acontecer, veríamos nova explosão no crime em 20 anos?
Levitt -
Acho que, se Roe versus Wade for mesmo revertido e o aborto se tornar de novo ilegal, não, o impacto não seria muito grande. Isso porque ainda seria facultado aos Estados a decisão de fazer ou não abortos legalmente, e a maioria provavelmente manteria a legalidade. Mas, se realmente o ambiente social e moral, não as leis, tornar muito difícil fazer um aborto, especialmente para mulheres solteiras, jovens e pobres, não tenha dúvidas de que isso provocará um aumento na criminalidade.

Folha - Depois de ler o capítulo sobre as semelhanças estruturais entre a gangue de crack de Chicago e uma grande empresa norte-americana, é possível supor que essa similaridade também seria uma das razões pelas quais temos visto tantos casos de corrupção nas altas esferas e o boom de "contabilidade criativa" dessas empresas nos últimos anos?
Levitt -
Nas empresas em que o incentivo principal é aumentar os lucros a qualquer custo, seja a do crack seja uma corporação legítima, há também grandes incentivos para corrupção, mentira e truques contábeis. É curioso como alguns acionistas ainda não perceberam isso quando buscam retorno rápido para seus investimentos. Isso posto, precisamos lembrar que apenas alguns casos de corrupção corporativa foram descobertos, apesar de terem sido extremamente noticiados pela mídia. Não acho que as corporações sejam particularmente desonestas, estas talvez representem 1% do que existe por aí.

Folha - Os casos narrados em seu livro podem ser vistos como um choque entre moral e economia, entre como gostaríamos que o mundo fosse e o que é de verdade?
Levitt -
Sim.

Folha - Nesse sentido, um bom exemplo desse choque não seria a globalização tal como pensada nos anos 90? O pressuposto era o de que, diminuindo as barreiras entre os países, todos ganhariam. O que se vê, porém, é que os ricos ficaram mais ricos e os pobres devem mais.
Levitt -
Não acredito que a globalização seja tão ruim quanto você faz crer. Muitos países pobres lucraram com ela, como os tigres da Ásia, a China e a Índia, que tiveram um crescimento econômico extremamente rápido. Acho que os povos da maioria dos países tendem a preferir a vida em um mundo globalizado, embora essa minha afirmação seja mais difícil de medir. Até as pessoas trabalhando por pouco dinheiro ou em trabalhos perigosos em fábricas preferem essa vida à opção de voltar a viver como camponeses miseráveis, creio.

Folha - Livros como o seu "Freakonomics" e "O Ponto de Desequilíbrio", de Malcolm Gladwell, inauguram um novo gênero? Algo como "economês para as massas" ou "economia de entretenimento"?
Levitt -
O que o meu livro e os do Malcolm têm em comum é que ambos transformamos pesquisas científicas sérias e impenetráveis em textos muito acessíveis para o público normal e acho que fazemos isso contando ótimas histórias. Os livros dele estão entre os meus favoritos. Gostaria muito que houvesse mais livros tão bons assim nessa área.

Folha - O que o sr. acha da opinião de seu colega Jeffrey Sachs, que defende que os países ricos devem perdoar as dívidas dos países mais pobres e mesmo doar uma porcentagem maior de seu PIB a eles?
Levitt -
Ouvi uma palestra dele na semana passada. Não sei se está certo ou não, mas Sachs é muito inteligente e um apaixonado por essa idéia, e eu respeito muito a luta dele para aliviar os problemas dos países pobres.

Folha - O fato de um popstar como Bono, da banda U2, ter abraçado a causa de Sachs ajuda ou atrapalha? Ele é famoso e bem-intencionado, o que pode atrair a atenção da mídia, mas não tem formação acadêmica, o que pode espantar seus colegas economistas.
Levitt -
Bono fez provavelmente muito mais pelos países em desenvolvimento do que qualquer outra pessoa viva, por mais que essa idéia pareça uma loucura. Ele é um ótimo palestrante, sabe do que está falando. Sou um grande admirador dele e, se ele quisesse escrever o prefácio para o meu próximo livro, eu ficaria completamente honrado. Por algum motivo, no entanto, não vejo isso acontecendo.

Folha - E do que tratará seu próximo livro?
Levitt -
Posso adiantar três dos temas de que estou tratando, mas não posso dar mais detalhes: quero entender como os congestionamentos de automóveis acabam, pretendo fazer a estatística ajudar a capturar terroristas e procuro saber o que faz as pessoas serem boas no que fazem.

Folha - O sr. não poderia incluir um capítulo sobre o Brasil, que descobrisse como conciliar crescimento econômico, divisão de renda e uma dívida pública que é mais da metade do PIB?
Levitt -
Fui duas vezes ao Brasil, a convite de meu amigo Cláudio Haddad, do IBMEC. Aliás, ele fez a gentileza de escrever o prefácio para a versão em português de "Freakonomics" -como eu não consegui o Bono, o Haddad é uma ótima segunda opção (risos).
Eu adoraria fazer uma pesquisa sobre como os direitos intelectuais são tratados no Brasil e sobre o crime em algumas áreas do Rio de Janeiro em que a presença da polícia é inexistente, mas nunca consegui encontrar dados suficientes para trabalhar.

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