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CIÊNCIA ESTRANHA
Em "Freakonomics", Steven Levitt relaciona o modo de operação de traficantes ao de uma rede de fast-food
Professor de Chicago faz conexões bizarras
SÉRGIO DÁVILA
DA CALIFÓRNIA
Economista maldito. Esse é o
epíteto de Steven J. Levitt, 38. Como na frase "Steven J. Levitt, economista maldito". Ele é autor de
teses polêmicas, como a que conecta a legalização do aborto nos
EUA nos anos 70 à queda na criminalidade duas décadas depois.
Ou a comparação da estrutura
empresarial de uma gangue de
vendedores de crack de Chicago à
rede de fast-food McDonald's. Ou
a afirmação de que ter piscina em
uma casa com crianças pequenas
é mais perigoso do que ter uma
arma de fogo na mesma casa.
Mas Levitt, professor da Universidade de Chicago, formado em
Harvard e no MIT, tem outros
epítetos mais agradáveis. O "Indiana Jones da economia", dado
pelo "Wall Street Journal", por
sua capacidade de mergulhar numa pilha de estudos, textos e números e de lá sair com uma tese
surpreendente como as acima.
Pela primeira vez, ele resolveu
reunir tudo num livro, "Freakonomics", que está há sete semanas
entre os três primeiros da lista do
"New York Times" e chega nesta
semana ao Brasil.
Escrito em parceria com o jornalista Stephen J. Dubner, 41, do
mesmo "Times", brinca com a expressão "Reaganomics", dada à
política econômica do governo
Reagan nos anos 80. A contração
é das palavras "freak" (esquisito,
em inglês) e "economics". Ganhador da prestigiosa medalha John
Bates Clark, da Associação dos
Economistas dos EUA, para o
melhor entre seus pares com menos de 40 anos, Steven D. Levitt
falou com exclusividade à Folha.
Folha - Por que juntar casos tão
diferentes como a semelhança entre uma gangue de drogas e uma
grande corporação e a relação do
perigo de ter uma piscina e uma arma em casa num mesmo livro?
Steven D. Levitt - Os exemplos
de "Freakonomics" são frutos da
última década de minha pesquisa.
Eu procurei muito até encontrar
esses quebra-cabeças interessantes. Encontrei muitos e resolvi alguns deles. O estudo das gangues,
por exemplo, começou por acaso,
depois de um encontro casual
com o um amigo que havia passado muitos anos estudando uma
gangue de vendedores de crack
em Chicago. Ele tinha uma coleção
incrível de dados
financeiros, mas
não tinha idéia do
que fazer com
aqueles números.
Já o estudo que
fiz procurando
responder à pergunta sobre o que
é mais perigoso
ter em uma casa
com crianças -se
uma arma de fogo
ou uma piscina no
quintal- começou a me interessar depois da trágica morte de meu
filho de um ano,
causada por meningite. Eu e minha mulher fizemos parte de um
grupo de pais que
procuravam lidar
com a morte de seus filhos pequenos, e ali, ouvindo diversos relatos, fui atrás dos números. Concluí que é literalmente 100 vezes
mais perigoso potencialmente ter
piscina em casa do que uma arma,
se você tem filhos pequenos.
Folha - Algumas críticas a seu livro dizem que os casos são muito
interessantes, mas que o todo carece de unidade, de um fecho. Essa
foi uma decisão sua? Se tivesse de
escrever a conclusão, qual seria?
Levitt - Quando leio livros, gosto
de aprender e gosto de boas histórias. Consigo determinar por
mim mesmo o que quero de cada
obra. Assim, não queria forçar
um tema, mas sim deixá-lo sob a
responsabilidade do leitor. Esse é
um livro que tem histórias que eu
espero que sejam interessantes
para as pessoas, com casos comprovados por números, mas também é um livro divertido, que você pode discutir em festas e jantares. Isso é mais do que imagino
que possa esperar de um livro.
Folha - A base de um dos casos
que o sr. estuda é a legalização do
aborto nos anos 70 e o efeito dessa
decisão na queda da taxa de criminalidade durante os anos 90 nos
EUA. Há um movimento forte hoje
em dia no país tentando reverter
esta decisão. Pelas suas contas, se
isso acontecer, veríamos nova explosão no crime em 20 anos?
Levitt - Acho que, se Roe versus
Wade for mesmo revertido e o
aborto se tornar de novo ilegal,
não, o impacto não seria muito
grande. Isso porque ainda seria facultado aos Estados a decisão de
fazer ou não abortos legalmente, e a
maioria provavelmente manteria a
legalidade. Mas,
se realmente o
ambiente social e
moral, não as leis,
tornar muito difícil fazer um aborto, especialmente
para mulheres
solteiras, jovens e
pobres, não tenha
dúvidas de que isso provocará um
aumento na criminalidade.
Folha - Depois de
ler o capítulo sobre
as semelhanças estruturais entre a
gangue de crack de
Chicago e uma grande empresa
norte-americana, é possível supor
que essa similaridade também seria uma das razões pelas quais temos visto tantos casos de corrupção nas altas esferas e o boom de
"contabilidade criativa" dessas
empresas nos últimos anos?
Levitt - Nas empresas em que o
incentivo principal é aumentar os
lucros a qualquer custo, seja a do
crack seja uma corporação legítima, há também grandes incentivos para corrupção, mentira e
truques contábeis. É curioso como alguns acionistas ainda não
perceberam isso quando buscam
retorno rápido para seus investimentos. Isso posto, precisamos
lembrar que apenas alguns casos
de corrupção corporativa foram
descobertos, apesar de terem sido
extremamente noticiados pela
mídia. Não acho que as corporações sejam particularmente desonestas, estas talvez representem
1% do que existe por aí.
Folha - Os casos narrados em seu
livro podem ser vistos como um
choque entre moral e economia,
entre como gostaríamos que o
mundo fosse e o que é de verdade?
Levitt - Sim.
Folha - Nesse sentido, um bom
exemplo desse choque não seria a
globalização tal como pensada nos
anos 90? O pressuposto era o de
que, diminuindo as barreiras entre
os países, todos ganhariam. O que
se vê, porém, é que os ricos ficaram
mais ricos e os pobres devem mais.
Levitt - Não acredito que a globalização seja tão ruim quanto
você faz crer. Muitos países pobres lucraram com ela, como os
tigres da Ásia, a China e a Índia,
que tiveram um crescimento econômico extremamente rápido.
Acho que os povos da maioria dos
países tendem a preferir a vida em
um mundo globalizado, embora
essa minha afirmação seja mais
difícil de medir. Até as pessoas
trabalhando por pouco dinheiro
ou em trabalhos perigosos em fábricas preferem essa vida à opção
de voltar a viver como camponeses miseráveis, creio.
Folha - Livros como o seu "Freakonomics" e "O Ponto de Desequilíbrio", de Malcolm Gladwell, inauguram um novo gênero? Algo como
"economês para as massas" ou
"economia de entretenimento"?
Levitt - O que o
meu livro e os do
Malcolm têm em
comum é que ambos transformamos pesquisas
científicas sérias e
impenetráveis em
textos muito acessíveis para o público normal e
acho que fazemos
isso contando ótimas histórias. Os
livros dele estão
entre os meus favoritos. Gostaria
muito que houvesse mais livros
tão bons assim
nessa área.
Folha - O que o sr.
acha da opinião de
seu colega Jeffrey
Sachs, que defende
que os países ricos devem perdoar
as dívidas dos países mais pobres e
mesmo doar uma porcentagem
maior de seu PIB a eles?
Levitt - Ouvi uma palestra dele
na semana passada. Não sei se está certo ou não, mas Sachs é muito
inteligente e um apaixonado por
essa idéia, e eu respeito muito a
luta dele para aliviar os problemas
dos países pobres.
Folha - O fato de um popstar como Bono, da banda U2, ter abraçado a causa de Sachs ajuda ou atrapalha? Ele é famoso e bem-intencionado, o que pode atrair a atenção da mídia, mas não tem formação acadêmica, o que pode espantar seus colegas economistas.
Levitt - Bono fez provavelmente
muito mais pelos países em desenvolvimento do que qualquer
outra pessoa viva, por mais que
essa idéia pareça uma loucura. Ele
é um ótimo palestrante, sabe do
que está falando. Sou um grande
admirador dele e, se ele quisesse
escrever o prefácio para o meu
próximo livro, eu ficaria completamente honrado. Por algum motivo, no entanto, não vejo isso
acontecendo.
Folha - E do que tratará seu próximo livro?
Levitt - Posso adiantar três dos
temas de que estou tratando, mas
não posso dar mais detalhes: quero entender como os congestionamentos de automóveis acabam, pretendo fazer a estatística
ajudar a capturar terroristas e
procuro saber o que faz as pessoas
serem boas no
que fazem.
Folha - O sr. não
poderia incluir um
capítulo sobre o
Brasil, que descobrisse como conciliar crescimento
econômico, divisão de renda e uma
dívida pública que
é mais da metade
do PIB?
Levitt - Fui duas
vezes ao Brasil, a
convite de meu
amigo Cláudio
Haddad, do IBMEC. Aliás, ele fez
a gentileza de escrever o prefácio
para a versão em
português de
"Freakonomics"
-como eu não
consegui o Bono,
o Haddad é uma
ótima segunda opção (risos).
Eu adoraria fazer uma pesquisa
sobre como os direitos intelectuais são tratados no Brasil e sobre o crime em algumas áreas do
Rio de Janeiro em que a presença
da polícia é inexistente, mas nunca consegui encontrar dados suficientes para trabalhar.
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