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ANÁLISE
Desigualdade alimenta conflito em Xinjiang
KATHRIN HILLE
RICHARD MCGREGOR
DO "FINANCIAL TIMES"
No passado, a montanha Yamalik era conhecida como
"Montanha Fantasma". Ninguém ousava se assentar nas
encostas nuas localizadas no limite oeste de Urumqi, capital
da Província de Xinjiang, porque os moradores locais temiam que as almas dos mortos,
caso perturbadas, passassem a
assombrar os vivos.
Mas, ao longo das últimas
cinco décadas, migrantes -em
sua maioria uigures- de regiões rurais pobres de Xinjiang
começaram a se acomodar nas
colinas, em casebres de barro e
folhas de plástico, cercados por
seus próprios detritos, sem
acesso a água encanada, esgoto
ou serviços de saúde.
Hoje, Yamalik abriga uma favela com 50 mil pessoas e serve
como microcosmo para os problemas que eclodiram violentamente no domingo passado,
com saldo de 184 mortos (segundo as autoridades, a maior
parte da etnia han, a dominante
na China) e um legado de profundo antagonismo.
"A economia de Xinjiang vive
rápido crescimento, mas a satisfação dos grupos de baixa
renda está em queda", disse Abdurrazak Timur, da Academia
de Ciências Sociais de Xinjiang.
A China tem muitos cidadãos
pobres, e todos têm muito de
que se queixar. Mas a raiva entre os han é, ao menos parcialmente, compensada pela sensação de serem parte da grande
nação chinesa.
Os uigures, como os tibetanos, se sentem excluídos política e economicamente. Nenhum dos dois grupos aspira
ser parte de um país e de uma
sociedade que não parecem
aceitá-los como iguais.
Em outra semelhança com o
Tibete, Xinjiang tem importância estratégica para a China. A
Província é rica em petróleo e
gás natural e tem áreas agrícolas grandes e produtivas. Seu
PIB foi de US$ 60 bilhões em
2008, ante US$ 7,8 trilhões para toda a China.
Disparidade crescente
Mas dados oficiais indicam
que, entre a população de baixa
renda, a maior parte pertence
às minorias. Segundo estatísticas oficiais, a disparidade de
renda entre as áreas urbanas,
onde os han predominam, e as
rurais, de maioria uigur, se ampliou de 2,1 vezes em 1980 para
3,24 vezes em 2007.
Jiang Zhaoyong, jornalista
político que trabalha em Pequim, disse que os uigures
sempre resistiram à ideia de
que Xinjiang seja parte da China. "A psicologia coletiva entre
os uigures é a de que aquela
terra é deles", afirma.
Num Estado moderno, cuja
base foi o restabelecimento da
soberania sobre o amplo império chinês, as queixas dos uigures e dos tibetanos sobre suas
condições de vida são facilmente distorcidas para que pareçam parte de um complô cujo objetivo seria dividir o país.
"A China faz pouca distinção
entre separatistas, terroristas e
ativistas de direitos humanos,
sejam eles uigures, tibetanos,
taiwaneses ou membros da seita Falun Gong", diz Dru Gladney, do Pacific Basin Institute,
no Pomona College (EUA).
Documentos oficiais alertam
para "uma severa ameaça" de
separatismo e radicalismo religioso em Xinjiang. A resposta
do Partido Comunista é acelerar a tentativa de transformar a
Província em algo mais parecido com o resto da China.
Como já aconteceu em outras regiões, autoridades pressionam pela urbanização e migração de trabalhadores. Também têm expandido as conexões rodoviárias e ferroviárias
aos rincões mais remotos do
sul de Xinjiang, a fim de levar
mais turistas à região e reforçar
a magra renda dos agricultores.
E o governo está enviando
crianças locais para escolas de
outras partes da China, para
que recebam educação de segundo grau. Mas muitos representantes de minorias veem
nisso uma maneira de fazer
com que os estudantes esqueçam suas raízes e sua identidade étnica e cultural.
Isso reforça a sensação, entre
minorias, de desrespeito por
parte do governo dos chineses
han. "Os professores sempre
consideram os han os melhores
alunos. Sempre nos tratam
com desdém", afirma Abulaiti,
aluno de 15 anos.
Linha-dura
Depois dos distúrbios de domingo passado, a linha-dura retomada pode ser suficiente para devolver a calma a Xinjiang,
pelo menos no curto prazo.
Mas a raiva quanto à repressão
e o medo de retaliação entre os
han estão se espalhando rapidamente por outras partes da
Província.
Ilham Tohti, economista e
blogueiro uigur, costuma contar a história de Crimea, empresário uigur rico e de sucesso,
mas frustrado por os chineses
han não o tratarem como igual.
Crimea decidiu aprender
dialetos chineses e deixar de lado a dieta muçulmana. Mesmo
depois de receber transfusão de
oito litros de sangue han, continuou a ser tratado como pária.
Na última terça-feira, Tohti
foi visitado pela segurança estatal. Acusado de promover
sentimentos de hostilidade aos
chineses, terminou detido. Não
há informações sobre o seu paradeiro desde então.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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