São Paulo, quinta-feira, 12 de agosto de 2004

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IRAQUE SOB TUTELA

Segundo pesquisa, mortes neste ano dobraram em relação ao período posterior ao fim da guerra, em 2003

Morte de civis dispara na transição de poder

FERNANDO CANZIAN
DE WASHINGTON

A ação militar norte-americana no Iraque e os combates contra insurgentes resultaram em 1.568 mortes de civis iraquianos nos seis meses que antecederam a entrega da soberania do país a um governo provisório, no dia 30 de junho passado.
O número de civis mortos no período equivale ao dobro dos iraquianos que foram mortos (748) entre o "fim dos principais combates" -anunciado pelo presidente dos EUA, George W. Bush, em 1º de maio de 2003- e dezembro passado.
Levantamento obtido pela Folha no Brookings Institution, um dos mais conceituados centros de pesquisa independentes de Washington, mostra que o grosso das mortes no Iraque esteve concentrado justamente nos três meses que antecederam a transição.
O período de mortes só perde para os 40 dias iniciais da guerra, quando os EUA fizeram maciços bombardeios e ataques no país, que mataram cerca de 3.240 iraquianos.
Em uma estimativa conservadora, 5.756 iraquianos, a esmagadora maioria civis, perderam a vida até agora como resultado da Guerra do Iraque.
Logo no mês seguinte à entrega da soberania ao Iraque, mais 200 iraquianos foram mortos.
No lado americano, além dos cerca de 800 militares mortos no pós-guerra até este mês, houve também 5.547 feridos -número praticamente desconhecido do grande público nos EUA.
Baseado em dados do Departamento da Defesa, das autoridades dos EUA que administravam o Iraque antes da transição e nos registros de vítimas no país (que incluiu a contagem de corpos), o trabalho do Brookings Institution revela ainda os atrasos na reconstrução iraquiana e a insatisfação geral da população com a ocupação americana.
"As estimativas podem não ser perfeitas, mas são as mais confiáveis que pudemos encontrar", afirma Adriana Lins de Albuquerque, uma das autoras do trabalho e filha de pai brasileiro.
Marco Vicenzino, diretor do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, órgão responsável por análises político-militares, afirma que os períodos mais sangrentos recentes no Iraque coincidiram com as insurgências nas cidades de Fallujah e Najaf.
"Daqui em diante, quanto mais próximo das eleições, marcadas para o início de 2005, maior será a quantidade de mortos", diz Vicenzino. "Infelizmente, em batalhas como essas, no meio da rua, é inevitável que haja um grande número de vítimas civis."
O estudo mostrou ainda que entre maio de 2003 e o último dia 4 de agosto, 710 policiais iraquianos foram mortos, a maioria recém-treinada por forças norte-americanas.
O grande número de policiais mortos se deve ao fato de que grande parte dos atentados terroristas cometidos no período teve como alvo as forças de segurança e as filas de iraquianos que procuravam trabalho na polícia, como forma de intimidação.

Petróleo vai bem
O levantamento mostra também que uma das poucas áreas que vêm obtendo avanços no Iraque é a mesma que levantou as principais suspeitas sobre os motivos da invasão: o petróleo iraquiano, que os opositores da guerra dizem ter sido o principal alvo dos interesses americanos.
A capacidade atual de produção no país, segundo o trabalho, atingiu 2,3 milhões de barris/dia, próxima à meta fixada pelos EUA para o final de 2004, de 2,8 milhões de barris/dia.
O dinheiro do petróleo é hoje a principal fonte de investimentos no Iraque, apesar de o Congresso dos EUA já ter aprovado US$ 18,4 bilhões para vários projetos. Desse total, porém, menos de US$ 700 milhões foram gastos.
Dos cerca de US$ 2,26 bilhões obtidos com o petróleo iraquiano, 85% foram gastos para pagar contratos concedidos sem concorrência a empresas americanas, segundo levantamento do Center for American Progress, órgão de estudos que se define como "apartidário" nos EUA.
O grosso do dinheiro (US$ 1,66 bilhão) foi pago à KBR, subsidiária da Halliburton, que tinha o vice de Bush, Dick Cheney, como presidente até fevereiro de 2000. A empresa, que obteve boa parte dos contratos da reconstrução, é suspeita de fraudes.
Segundo dados oficiais do Escritório Geral de Contabilidade do Congresso dos EUA, menos de um terço do US$ 1,4 bilhão previsto para os "serviços essenciais" no Iraque foi gasto até agora. Na área de segurança, os desembolsos totais não atingem nem 2,5% do previsto.
Para Daniel Byman, professor-assistente do Programa de Estudos de Segurança da Georgetown University, a insegurança, os ataques e as mortes no Iraque tornam praticamente impossível a reconstrução econômica e política do país no curto prazo.
"Sem segurança, os iraquianos vão procurar os "senhores da guerra" que ofereçam proteção, mesmo que ao preço de não terem um bom governo", diz Byman. O fato ajudaria a explicar as novas ondas de insurgentes.
Segundo pesquisa de opinião feita no Iraque e citada no trabalho do Brookings, 44% dos iraquianos acham que os EUA "não têm, de maneira nenhuma", um forte compromisso em restaurar serviços básicos como eletricidade e fornecimento de água potável no país.
Outros 67% acham o mesmo sobre a preocupação dos militares americanos em tirá-los da linha de fogo durante combates contra insurgentes.

Fiasco e Afeganistão
"O Fiasco da Reconstrução do Iraque", como o "New York Times" qualificou em editorial desta semana o trabalho do Departamento da Defesa no Iraque sob tutela, também se repete no Afeganistão.
Por problemas de insegurança e violência, além de falta de fundos, as primeiras eleições livres da história do país, marcadas para o mês que vem, poderão ser novamente adiadas, desta vez por tempo indeterminado. Há 18 candidatos a presidente, entre eles o atual ocupante do cargo, Hamid Karzai, favorito dos EUA.
Ao mesmo tempo, grupos de insurgentes do Taleban -grupo extremista cujo regime foi deposto pelos EUA em 2001- voltaram a atacar e seqüestrar simpatizantes de Karzai.
Segundo estimativas da ONU, a violência no Afeganistão impediu que cerca da metade dos 10 milhões de pessoas aptas a votar no país pudesse ser registrada.
O órgão estima ainda que precisaria de mais US$ 60 milhões -prometidos pelos EUA, mas ainda não entregues- para organizar o processo eleitoral.
"O Afeganistão precisa de um maior comprometimento americano", afirma Robert Boorstin, vice-presidente do Center for American Progress. "As fundações do país estão se esfacelando. O Taleban está reemergindo, e o tráfico de drogas, explodindo", diz. O secretário da Defesa dos EUA, Donald Rumsfeld, disse ontem que o tráfico de ópio é o maior perigo que o Afeganistão enfrenta hoje.


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