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IRAQUE SOB TUTELA
Segundo pesquisa, mortes neste ano dobraram em relação ao período posterior ao fim da guerra, em 2003
Morte de civis dispara na transição de poder
FERNANDO CANZIAN
DE WASHINGTON
A ação militar norte-americana
no Iraque e os combates contra
insurgentes resultaram em 1.568
mortes de civis iraquianos nos
seis meses que antecederam a entrega da soberania do país a um
governo provisório, no dia 30 de
junho passado.
O número de civis mortos no
período equivale ao dobro dos
iraquianos que foram mortos
(748) entre o "fim dos principais
combates" -anunciado pelo
presidente dos EUA, George W.
Bush, em 1º de maio de 2003- e
dezembro passado.
Levantamento obtido pela Folha no Brookings Institution, um
dos mais conceituados centros de
pesquisa independentes de Washington, mostra que o grosso das
mortes no Iraque esteve concentrado justamente nos três meses
que antecederam a transição.
O período de mortes só perde
para os 40 dias iniciais da guerra,
quando os EUA fizeram maciços
bombardeios e ataques no país, que
mataram cerca de
3.240 iraquianos.
Em uma estimativa conservadora,
5.756 iraquianos, a
esmagadora maioria
civis, perderam a vida até agora como
resultado da Guerra
do Iraque.
Logo no mês seguinte à entrega da
soberania ao Iraque,
mais 200 iraquianos foram mortos.
No lado americano, além dos
cerca de 800 militares mortos no
pós-guerra até este mês, houve
também 5.547 feridos -número
praticamente desconhecido do
grande público nos EUA.
Baseado em dados do Departamento da Defesa, das autoridades
dos EUA que administravam o Iraque
antes da transição e
nos registros de vítimas no país (que incluiu a contagem de
corpos), o trabalho
do Brookings Institution revela ainda
os atrasos na reconstrução iraquiana e a
insatisfação geral da
população com a
ocupação americana.
"As estimativas podem não ser
perfeitas, mas são as mais confiáveis que pudemos encontrar",
afirma Adriana Lins de Albuquerque, uma das autoras do trabalho
e filha de pai brasileiro.
Marco Vicenzino, diretor do
Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, órgão responsável por análises político-militares,
afirma que os períodos mais sangrentos recentes no Iraque coincidiram com as insurgências nas cidades de Fallujah e Najaf.
"Daqui em diante, quanto mais
próximo das eleições, marcadas
para o início de 2005, maior será a
quantidade de mortos", diz Vicenzino. "Infelizmente, em batalhas como essas, no meio da rua, é
inevitável que haja um grande número de vítimas civis."
O estudo mostrou ainda que entre maio de 2003 e o último dia 4
de agosto, 710 policiais iraquianos
foram mortos, a maioria recém-treinada por forças norte-americanas.
O grande número de policiais
mortos se deve ao fato de que
grande parte dos atentados terroristas cometidos no período teve
como alvo as forças de segurança
e as filas de iraquianos que procuravam trabalho na polícia, como
forma de intimidação.
Petróleo vai bem
O levantamento mostra também que uma das poucas áreas
que vêm obtendo avanços no Iraque é a mesma que levantou as
principais suspeitas sobre os motivos da invasão: o petróleo iraquiano, que os opositores da
guerra dizem ter sido o principal
alvo dos interesses americanos.
A capacidade atual de produção
no país, segundo o trabalho, atingiu 2,3 milhões de barris/dia, próxima à meta fixada pelos EUA para o final de 2004, de 2,8 milhões
de barris/dia.
O dinheiro do petróleo é hoje a
principal fonte de investimentos
no Iraque, apesar de o Congresso
dos EUA já ter aprovado US$ 18,4
bilhões para vários projetos. Desse total, porém, menos de US$ 700
milhões foram gastos.
Dos cerca de US$ 2,26 bilhões
obtidos com o petróleo iraquiano,
85% foram gastos para pagar contratos concedidos sem concorrência a empresas americanas, segundo levantamento do Center
for American Progress, órgão de
estudos que se define como
"apartidário" nos EUA.
O grosso do dinheiro (US$ 1,66
bilhão) foi pago à KBR, subsidiária da Halliburton, que tinha o vice de Bush, Dick Cheney, como
presidente até fevereiro de 2000. A
empresa, que obteve boa parte
dos contratos da reconstrução, é
suspeita de fraudes.
Segundo dados oficiais do Escritório Geral de Contabilidade
do Congresso dos EUA, menos de
um terço do US$ 1,4 bilhão previsto para os "serviços essenciais" no
Iraque foi gasto até agora. Na área
de segurança, os desembolsos totais não atingem nem 2,5% do
previsto.
Para Daniel Byman, professor-assistente do Programa de Estudos de Segurança da Georgetown
University, a insegurança, os ataques e as mortes no Iraque tornam praticamente impossível a
reconstrução econômica e política do país no curto prazo.
"Sem segurança, os iraquianos
vão procurar os "senhores da
guerra" que ofereçam proteção,
mesmo que ao preço de não terem um bom governo", diz
Byman. O fato ajudaria a explicar
as novas ondas de insurgentes.
Segundo pesquisa de opinião
feita no Iraque e citada no trabalho do Brookings, 44% dos iraquianos acham que os EUA "não
têm, de maneira nenhuma", um
forte compromisso em restaurar
serviços básicos como eletricidade e fornecimento de água potável
no país.
Outros 67% acham o mesmo
sobre a preocupação dos militares
americanos em tirá-los da linha
de fogo durante combates contra
insurgentes.
Fiasco e Afeganistão
"O Fiasco da Reconstrução do
Iraque", como o "New York Times" qualificou em editorial desta semana o trabalho do Departamento da Defesa no Iraque sob
tutela, também se repete no Afeganistão.
Por problemas de insegurança e
violência, além de falta de fundos,
as primeiras eleições livres da história do país, marcadas para o
mês que vem, poderão ser novamente adiadas, desta vez por tempo indeterminado. Há 18 candidatos a presidente, entre eles o
atual ocupante do cargo, Hamid
Karzai, favorito dos EUA.
Ao mesmo tempo, grupos de insurgentes do Taleban -grupo
extremista cujo regime foi deposto pelos EUA em 2001- voltaram
a atacar e seqüestrar simpatizantes de Karzai.
Segundo estimativas da ONU, a
violência no Afeganistão impediu
que cerca da metade dos 10 milhões de pessoas aptas a votar no
país pudesse ser registrada.
O órgão estima ainda que precisaria de mais US$ 60 milhões
-prometidos pelos EUA, mas
ainda não entregues- para organizar o processo eleitoral.
"O Afeganistão precisa de um
maior comprometimento americano", afirma Robert Boorstin, vice-presidente do Center for American Progress. "As fundações do
país estão se esfacelando. O Taleban está reemergindo, e o tráfico
de drogas, explodindo", diz. O secretário da Defesa dos EUA, Donald Rumsfeld, disse ontem que o
tráfico de ópio é o maior perigo
que o Afeganistão enfrenta hoje.
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