São Paulo, domingo, 12 de agosto de 2007

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Gasoduto do Sul não sai, afirma analista

Para o chileno Genaro Arriagada, medo da dependência favorece o gás liqüefeito, que pode ser transportado de navio

Chávez teria mostrado que desistiu do projeto quando anunciou construção de fábrica de processamento de GNL na Argentina

FABIANO MAISONNAVE
DE CARACAS

O Gasoduto do Sul, até há pouco a principal proposta energética de Hugo Chávez para a região, foi desacreditado pelo próprio presidente venezuelano com o anúncio da construção na Argentina de uma fábrica de reprocessamento de Gás Natural Liqüefeito (GNL), combustível que pode ser transportado por navio.
A avaliação é do chileno Genaro Arriagada, autor do ensaio "Petropolítica na América Latina", recém-publicado pelo Diálogo Interamericano, centro de estudos em Washington. Segundo ele, o GNL está assumindo o espaço do gás natural em países como Brasil e Argentina, como forma de driblar a "politização" dos gasodutos criada a partir da crise com a Bolívia.
Nesta entrevista à Folha, por telefone, Arriagada disse que a Bolívia será a principal prejudicada. Para ele, o governo Evo Morales fez uma "aproximação irracional" com a Venezuela em detrimento do Brasil. Arriagada, 64, foi ministro da Presidência chilena (1994-96), embaixador nos EUA (1998-89) e chefe da campanha presidencial vitoriosa de Ricardo Lagos (1999). É vice-presidente da Universidade das Américas.

 

FOLHA - Quais são as possibilidades e os limites da petrodiplomacia chavista na região?
GENARO ARRIAGADA
- As possibilidades do petróleo venezuelano estão muito limitadas. Por duas razões: a primeira é que a PDVSA é uma empresa doente. Segundo as cifras da British Petroleum, as mais favoráveis à PDVSA, a produção no ano passado havia caído 3,9% com relação a 2005. É mais forte do que a queda do México, cujas reservas estão se esgotando. Em segundo lugar, a PDVSA está com um carência muito grande de poços de perfuração, a ponto de o próprio [ministro] Rafael Ramírez ter dito que, se o problema não for resolvido, haverá uma situação caótica. As possibilidades da PDVSA se baseiam no preço do petróleo -não é pouco, mas é só.

FOLHA - Mesmo assim, Chávez não tem fôlego?
ARRIAGADA
- Chávez excedeu as possibilidades econômicas da Venezuela, que não tem ombros para cobrir a quantidade incrível de ofertas que ele faz mensalmente.

FOLHA - O governo brasileiro reforçou a promoção do álcool pela região, enquanto Chávez faz a petrodiplomacia. Qual é o impacto dessas duas visões distintas?
ARRIAGADA
- A verdade é que o Brasil tem uma política energética de longo prazo que tem sido bem-sucedida. Há dez anos, produzia 700 mil barris diários; hoje produz 1,8 milhão. A isso foi somado o álcool. Como tem dito muita gente, há o álcool bom e o mau. O mau é o que se faz a partir do milho, porque substitui a produção de grãos para o consumo humano, animal. Mas o álcool de cana-de-açúcar não tem objeções. O álcool deu ao Brasil uma liderança grande na discussão das alternativas energéticas, ao que se agrega o notável sucesso da Petrobras. Chávez fez declarações imprudentes a respeito do álcool, mas na cúpula de Margarita recuou.

FOLHA - Mas há um conflito sério entre Chávez e Lula?
ARRIAGADA
- Há um conflito em torno da Bolívia. Chávez, ao se envolver na nacionalização dos poços da Petrobras e da Repsol, certamente criou uma tensão forte com Brasil. Agora, acredito que o Brasil e o presidente Lula jogaram bem em não expressar grande indignação. Quem vai pagar por isso infelizmente é a Bolívia. Os investimentos em gás da Bolívia no ano passado foram um sétimo do que eram seis anos atrás, apenas US$ 100 milhões. Chávez ofereceu assessoria da PDVSA na exploração de gás, mas a Venezuela é ineficiente na produção de gás, a ponto de hoje estar construindo o gasoduto Transguajiro, com a Colômbia, não para levar gás para a Colômbia, mas o contrário: a Venezuela será um importador. A Venezuela produz muito gás, mas gás associado ao petróleo, que não pode ser comercializado.

FOLHA - Kirchner está tentando viabilizar a compra de mais gás boliviano, e o Brasil precisa de mais gás também. Haverá uma tensão entre os dois países?
ARRIAGADA
- Acredito que haverá uma tensão entre Brasil e Argentina pelo gás boliviano. Mas a produção de gás na Bolívia dá apenas para cobrir os compromissos atuais. A Bolívia tem gás de reserva, mas não infra-estrutura para explorá-lo. Morales fez uma aproximação irracional com a Venezuela em vez do Brasil, inclusive do ponto de vista tecnológico. Com tecnologia da PDVSA, não irá avançar. Além disso, até três meses atrás Chávez estava nesse projeto que muito consideramos absurdo desde o início, o Gasoduto do Sul. E agora vai à Argentina para se comprometer com uma fábrica GNL. Passamos, em poucos meses, do gás do gasoduto ao GNL.

FOLHA - O Gasoduto do Sul está enterrado?
ARRIAGADA
- Na América Latina, ninguém sério pensa que o projeto do Gasoduto do Sul vai sair. A instabilidade boliviana e o tema da segurança energética na Eurásia, o gasoduto da Rússia à Europa, estão tirando a confiança no gás por gasoduto pela dependência política que isso pode criar em relação ao fornecedor. Isso favoreceu a alternativa do GNL. Instalou-se o paradoxo de que, em vez de buscar a integração energética via gasoduto, os países que são grandes consumidores, como Brasil, Chile e Argentina, estão caminhando em direção ao GNL. E vão pensando o seu abastecimento vindo da Indonésia, da África, do Peru.

FOLHA - Nem o novo gasoduto Bolívia-Argentina ficará pronto?
ARRIAGADA
- Quem investirá num gasoduto da Bolívia para a Argentina? Na Argentina, se buscará a segurança energética pela instalação de usinas nucleares.


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