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Gasoduto do Sul não sai, afirma analista
Para o chileno Genaro Arriagada, medo da dependência favorece o gás liqüefeito, que pode ser transportado de navio
Chávez teria mostrado que desistiu do projeto quando anunciou construção de fábrica de processamento de GNL na Argentina
FABIANO MAISONNAVE
DE CARACAS
O Gasoduto do Sul, até há
pouco a principal proposta
energética de Hugo Chávez para a região, foi desacreditado
pelo próprio presidente venezuelano com o anúncio da
construção na Argentina de
uma fábrica de reprocessamento de Gás Natural Liqüefeito
(GNL), combustível que pode
ser transportado por navio.
A avaliação é do chileno Genaro Arriagada, autor do ensaio
"Petropolítica na América Latina", recém-publicado pelo Diálogo Interamericano, centro de
estudos em Washington. Segundo ele, o GNL está assumindo o espaço do gás natural em
países como Brasil e Argentina,
como forma de driblar a "politização" dos gasodutos criada a
partir da crise com a Bolívia.
Nesta entrevista à Folha, por
telefone, Arriagada disse que a
Bolívia será a principal prejudicada. Para ele, o governo Evo
Morales fez uma "aproximação
irracional" com a Venezuela
em detrimento do Brasil. Arriagada, 64, foi ministro da Presidência chilena (1994-96), embaixador nos EUA (1998-89) e
chefe da campanha presidencial vitoriosa de Ricardo Lagos
(1999). É vice-presidente da
Universidade das Américas.
FOLHA - Quais são as possibilidades e os limites da petrodiplomacia
chavista na região?
GENARO ARRIAGADA - As possibilidades do petróleo venezuelano estão muito limitadas. Por
duas razões: a primeira é que a
PDVSA é uma empresa doente.
Segundo as cifras da British Petroleum, as mais favoráveis à
PDVSA, a produção no ano passado havia caído 3,9% com relação a 2005. É mais forte do que
a queda do México, cujas reservas estão se esgotando.
Em segundo lugar, a PDVSA
está com um carência muito
grande de poços de perfuração,
a ponto de o próprio [ministro]
Rafael Ramírez ter dito que, se
o problema não for resolvido,
haverá uma situação caótica. As
possibilidades da PDVSA se baseiam no preço do petróleo
-não é pouco, mas é só.
FOLHA - Mesmo assim, Chávez não
tem fôlego?
ARRIAGADA - Chávez excedeu as
possibilidades econômicas da
Venezuela, que não tem ombros para cobrir a quantidade
incrível de ofertas que ele faz
mensalmente.
FOLHA - O governo brasileiro reforçou a promoção do álcool pela região, enquanto Chávez faz a petrodiplomacia. Qual é o impacto dessas
duas visões distintas?
ARRIAGADA - A verdade é que o
Brasil tem uma política energética de longo prazo que tem sido bem-sucedida. Há dez anos,
produzia 700 mil barris diários;
hoje produz 1,8 milhão. A isso
foi somado o álcool. Como tem
dito muita gente, há o álcool
bom e o mau. O mau é o que se
faz a partir do milho, porque
substitui a produção de grãos
para o consumo humano, animal. Mas o álcool de cana-de-açúcar não tem objeções.
O álcool deu ao Brasil uma liderança grande na discussão
das alternativas energéticas, ao
que se agrega o notável sucesso
da Petrobras. Chávez fez declarações imprudentes a respeito
do álcool, mas na cúpula de
Margarita recuou.
FOLHA - Mas há um conflito sério
entre Chávez e Lula?
ARRIAGADA - Há um conflito em
torno da Bolívia. Chávez, ao se
envolver na nacionalização dos
poços da Petrobras e da Repsol,
certamente criou uma tensão
forte com Brasil. Agora, acredito que o Brasil e o presidente
Lula jogaram bem em não expressar grande indignação.
Quem vai pagar por isso infelizmente é a Bolívia. Os investimentos em gás da Bolívia no
ano passado foram um sétimo
do que eram seis anos atrás,
apenas US$ 100 milhões.
Chávez ofereceu assessoria
da PDVSA na exploração de
gás, mas a Venezuela é ineficiente na produção de gás, a
ponto de hoje estar construindo o gasoduto Transguajiro,
com a Colômbia, não para levar
gás para a Colômbia, mas o contrário: a Venezuela será um importador. A Venezuela produz
muito gás, mas gás associado ao
petróleo, que não pode ser comercializado.
FOLHA - Kirchner está tentando
viabilizar a compra de mais gás boliviano, e o Brasil precisa de mais gás
também. Haverá uma tensão entre
os dois países?
ARRIAGADA - Acredito que haverá uma tensão entre Brasil e Argentina pelo gás boliviano. Mas
a produção de gás na Bolívia dá
apenas para cobrir os compromissos atuais. A Bolívia tem gás
de reserva, mas não infra-estrutura para explorá-lo. Morales fez uma aproximação irracional com a Venezuela em vez
do Brasil, inclusive do ponto de
vista tecnológico. Com tecnologia da PDVSA, não irá avançar.
Além disso, até três meses
atrás Chávez estava nesse projeto que muito consideramos
absurdo desde o início, o Gasoduto do Sul. E agora vai à Argentina para se comprometer
com uma fábrica GNL. Passamos, em poucos meses, do gás
do gasoduto ao GNL.
FOLHA - O Gasoduto do Sul está
enterrado?
ARRIAGADA - Na América Latina, ninguém sério pensa que o
projeto do Gasoduto do Sul vai
sair. A instabilidade boliviana e
o tema da segurança energética
na Eurásia, o gasoduto da Rússia à Europa, estão tirando a
confiança no gás por gasoduto
pela dependência política que
isso pode criar em relação ao
fornecedor. Isso favoreceu a alternativa do GNL. Instalou-se o
paradoxo de que, em vez de
buscar a integração energética
via gasoduto, os países que são
grandes consumidores, como
Brasil, Chile e Argentina, estão
caminhando em direção ao
GNL. E vão pensando o seu
abastecimento vindo da Indonésia, da África, do Peru.
FOLHA - Nem o novo gasoduto Bolívia-Argentina ficará pronto?
ARRIAGADA - Quem investirá
num gasoduto da Bolívia para a
Argentina? Na Argentina, se
buscará a segurança energética
pela instalação de usinas nucleares.
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