São Paulo, terça-feira, 12 de agosto de 2008

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Referendo não destrava diálogo na Bolívia

Analistas e políticos acreditam que, com vitória de Morales e principais opositores, clima de confrontação permanecerá

Apesar de amplo triunfo nacional, presidente saiu derrotado na chamada meia-lua, que deve insistir em sua luta por autonomia


FLÁVIA MARREIRO
ENVIADA ESPECIAL A LA PAZ

À espera dos resultados oficiais, políticos bolivianos e analistas viam ontem com pessimismo os resultados projetados para o referendo revogatório de anteontem, que deu vitória simultânea ao governo e aos principais oposicionistas. Apesar dos chamados nacionais e internacionais ao diálogo, a negociação entre o presidente Evo Morales e governadores autonomistas parecia distante.
De um lado, está o aberto desafio do governo de Santa Cruz, que interpretou a vitória do governador Rubén Costas, com ao menos 66%, como impulso a seu projeto de autonomia administrativa à revelia de La Paz.
Do outro, Morales fez um chamado ao diálogo. Mas, de saída, pôs limites à negociação para compatibilizar a nova Constituição, aprovada por seus aliados, e os estatutos autonômicos dos departamentos de Santa Cruz, Pando, Beni e Tarija, a chamada meia-lua. O presidente obteve 62% de votos no cômputo nacional, mas foi derrotado em ao menos três destes departamentos.
"Não se trata de que Evo Morales ceda. O interesse deve ser buscar a igualdade social", disse o presidente boliviano ontem, questionado sobre o quanto está disposto a negociar no texto da nova Carta, que ainda precisa ir a referendo. Morales citou o trecho da Constituição que prevê que serviços de água, esgoto e telecomunicações devem estar a cargo do Estado. "Mudar isso depende do povo. O povo vai querer um serviço de água privado?"
Os departamentos liderados por Santa Cruz rejeitam o viés estatista da Carta. Celeiro e reserva energética do país, a meia-lua defende um modelo produtivo liberal, quer liberdade quase total para lidar com recursos como a terra e rejeita o direito à autonomia aos 36 povos indígenas bolivianos.
"O discurso do governador Rubén Costas foi brutal, mas mais sincero do que o do presidente. Afirmou claramente que não está disposto a ceder. É preciso assumir que neste clima de ódio e polarização não há condições para o diálogo", afirma o analista Fernando Molina, diretor do semanário econômico "Pulso". Costas defendeu seu projeto, não mencionou diálogo e chamou Morales de "macaco".

Autonomia
Carlos Dabdoud, secretário para autonomia do governo de Santa Cruz, concorda que não há, agora, espaço para negociação. "Queremos uma prova de que o governo está disposto a conversar. E essa prova é a devolução do IDH", disse, em referência aos 30% do imposto sobre o gás que antes ia às regiões redirecionado por Morales para dar um benefício a idosos do país, o Renda Dignidade.
A disputa sobre esse imposto se arrasta desde dezembro passado sem que o governo sinalize com mudanças.
Dabdoud disse que o departamento deve aprovar nesta semana a criação de uma agência tributária, cuja primeira tarefa deve ser auditar os impostos recolhidos pelo governo nacional no departamento de Santa Cruz. O passo seguinte é criar impostos próprios.
Santa Cruz sedia várias empresas transnacionais, entre elas a Petrobras. Ontem, Morales ironizou a iniciativa de criar impostos próprios nas regiões -"pensam que as empresas vão pagar a eles, e não ao governo nacional?""- e afirmou que os presidentes dos países vizinhos rejeitariam a proposta.


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