São Paulo, domingo, 12 de setembro de 2004

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ELEIÇÃO NOS EUA

Bush, ausente do Vietnã, posa de durão, e Kerry, herói de guerra, surge como fraco, para desespero dos democratas

Inversão de papéis dá vantagem a Bush

DE WASHINGTON

A campanha eleitoral americana viveu nos últimos dias uma completa inversão dos papéis e das biografias dos dois postulantes à Casa Branca. Com esse primeiro movimento brusco, a campanha, até então morna, passou a ter ataques diários, pesados e pessoais; e, pela primeira vez, um dos candidatos começa a aparecer lentamente como favorito.
Segundo várias pesquisas de opinião divulgadas na semana passada, o presidente republicano, George W. Bush, abriu uma vantagem de sete a 11 pontos sobre o democrata John Kerry.
A vantagem, inédita para qualquer um dos lados, apareceu na seqüência da Convenção Nacional Republicana, em Nova York, realizada no início do mês.
Na ocasião, Bush repetiu por 62 minutos um discurso firme de ""defensor da América". Durão, apelou o quanto pôde para o 11 de Setembro e atacou as ""fraquezas" e ""contradições" do adversário.
A aparição de Bush, depois de três dias de fortes ataques a Kerry no evento, foi o ápice de uma estratégia baseada na ""política do medo" e destinada a exaltar "o mais apto" a proteger os Estados Unidos.
Dias depois, na mesma linha, o vice de Bush, Dick Cheney, subiria ainda mais o tom ao sugerir, do nada, que os EUA serão atacados caso Kerry derrote Bush.
Os ataques a Kerry, que começaram há semanas em anúncios de TV pagos por veteranos de guerra, acabaram, de fato, transformando o herói condecorado por bravura no Vietnã em um candidato ""fraco e indeciso" na percepção do eleitor.
Bush, por sua vez, conseguiu apagar o seu nada brilhante histórico militar e se apresentar como melhor alternativa à segurança dos EUA. Assim como muitos filhos da elite americana na época do Vietnã, Bush se refugiou na Guarda Nacional, que não foi à guerra, para evitar o conflito.
""Kerry perdeu totalmente o foco de sua campanha, que deveria ser o de atacar o passado de Bush em contraponto com o dele próprio", afirmou William Schneider, analista da CNN, à Folha.
A estratégia republicana, segundo Norman Ornstein, analista da TV CBS e do jornal ""USA Today", produziu uma inédita inversão de papéis, que vai além das biografias. ""Uma eleição que deveria ser um referendo para o presidente no cargo acabou se tornando um referendo para o oponente. De forma bem-sucedida, a campanha de Bush virou pelo avesso a principal fraqueza de seu candidato", diz Ornstein.
Imagens, fotos e anúncios da atual campanha acabaram de alguma forma galvanizando essa inversão de papéis.
Na semana em que realizou sua convenção em Nova York, por exemplo, um Bush enorme e com semblante agressivo foi capa da revista "Newsweek". A imagem antecipou o tom de seu discurso e lembrou outras várias ocasiões em que o presidente se fez apresentar, com motosserra em punho, cortando lenha no Texas.
Na mesma semana, enquanto os republicanos ""demoliam" Kerry na convenção, o democrata apareceu por dias seguidos nos jornais trajando roupas de borracha esquisitas e fazendo kitesurfe perto de sua casa de praia.
A imagem, um clássico do "Kerry esportista", acabou associada em tablóides de Nova York à vestimenta da ""Mulher Gato", filme em cartaz nos EUA.
O contraste daqueles dias produziu uma crise na campanha democrata, que já percebia um movimento desfavorável nas pesquisas. Desde então, Kerry não surfou mais -e calibrou para cima o tom de seus ataques. ""Está tudo acabado? Ainda não. A saída de Kerry é focar em assuntos do interesse do eleitor, principalmente a economia", afirma Schneider.
Na semana passada, Kerry procurou ""empacotar" em uma só frase os dois assuntos mais relevantes para a opinião pública. ""Bush está gastando US$ 200 bilhões no Iraque enquanto os desempregados não arrumam trabalho nos EUA", afirmou o democrata, de segunda à sexta.
Peter Feaver, cientista político da Universidade Duke, diz que há ""limite para a tolerância" do eleitor em relação ao Iraque, onde, há poucos dias, chegou-se à marca de mil americanos mortos. ""Esperaria alguma erosão [para Bush] mais à frente", afirma Feaver.
Ao mesmo tempo em que volta a colocar o Iraque e a economia no centro de sua campanha, Kerry tenta fazer ressurgir a questão do seu histórico militar em contraposição ao de Bush.
Na semana passada, lacunas e dúvidas em relação ao cumprimento dos deveres de Bush como piloto da Guarda Nacional em 1972 voltaram ao noticiário e foram imediatamente amplificadas pelos democratas.
Um novo anúncio de TV veiculado em Estados-chave na eleição mostra Kerry no Vietnã. Na seqüência, Bush surge em roupa de aviador comemorando a ""missão cumprida" no Iraque. Depois, as recentes manchetes com os mais de mil soldados mortos no país. Ao mesmo tempo, o site democrata deflagrou uma campanha nacional para "exigir a verdade" sobre o passado militar de Bush.
""Muitos temas ainda dão espaço para os democratas respirarem e tentarem uma recuperação", diz Karlyn Bowman, analista do instituto de pesquisas conservador American Enterprise Institute. ""Mas, se pudesse escolher, eu preferiria estar dentro dos sapatos de Bush."(FERNANDO CANZIAN)

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