São Paulo, domingo, 12 de setembro de 2004

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ÁSIA

População da ex-colônia britânica vai às urnas hoje para escolher membros do Legislativo em sistema que favorece Pequim

Hong Kong tem eleição, mas não democracia

CLÁUDIA TREVISAN
ENVIADA ESPECIAL A HONG KONG

Democracia. Este é o principal tema da eleição legislativa que Hong Kong realiza hoje, a terceira desde que a ex-colônia britânica retornou ao domínio da China, em 1997.
Eleições diretas para chefe do Executivo, em 2007, e todas as cadeiras do Legislativo, em 2008, é a principal bandeira levantada pela oposição, que também esteve à frente dos protestos que levaram milhares de pessoas às ruas de Hong Kong nos dias 1º de julho de 2003 e 2004.
No entanto, a possibilidade de adoção do voto direto em 2007 e 2008 para todos os cargos foi descartada em maio pelo Comitê Permanente do Congresso Nacional do Povo em Pequim, que defendeu a democratização "gradual" da ilha.
A decisão foi vista por integrantes da comunidade internacional como uma violação do acordo que permitiu o retorno de Hong Kong à China, assinado em 1984. Pelos seus termos, a ilha terá um alto grau de autonomia por 50 anos e seus moradores manterão os mesmos direitos e garantias individuais que tinham durante o domínio britânico.

Sistema não-democrático
Como a realização de eleições não estava entre esses direitos, Pequim afirma que não violou o acordo, mas apenas interpretou a Lei Básica que deve reger a vida da ilha no período de 50 anos.
Analistas ouvidos pela Folha são unânimes ao afirmar que o sistema atual de eleição para o Legislativo está longe de ser democrático. "Só metade dos 60 legisladores são eleitos diretamente, sob um sistema eleitoral desenhado para manter no poder os aliados do governo", diz Michael Davis, professor de direito da Universidade Chinesa em Hong Kong.
"O sistema eleitoral privilegia os empresários e corporações profissionais, que tendem a ser favoráveis aos governos de Pequim e Hong Kong", ressalta Ma Ngok, do Departamento de Ciência Política da Universidade de Ciência e Tecnologia de Hong Kong.
Nesse cenário, os próprios democratas reconhecem que precisariam de um "pequeno milagre" para ganhar a maioria das 30 cadeiras. Joseph Cheng, um dos líderes da frente democrata, afirma que a oposição espera eleger entre 25 e 27 legisladores, um pequeno aumento em relação aos 22 atuais. Qualquer resultado superior será considerado uma grande vitória. "A comunidade de negócios de Hong Kong acredita que Pequim vá defender e respeitar seus interesses."

Escândalo sexual
A performance dos democratas também está ameaçada pelo escândalo que afetou um de seus principais candidatos, Alex Ho Wai-to, preso há um mês no sul da China em um quarto de hotel com uma prostituta. Na quinta-feira, autoridades policiais de Dongguan divulgaram fotos de Ho no momento da prisão, para refutar acusações de que a detenção havia sido armada para prejudicar os democratas.
A divulgação das fotos foi o mais chamativo episódio de uma campanha marcada por acusações de tentativa de intimidação de eleitores e candidatos de oposição. Anteontem, o grupo de defesa de direitos humanos Human Rights Watch, afirmou que o governo de Pequim estava criando um "clima de terror" nas vésperas da eleição.
A acusação foi refutada anteontem pela administração da ex-colônia britânica, segundo a qual a China respeita o modelo de "um país, dois sistemas", pelo qual Hong Kong manteve suas características capitalistas e ocidentais depois da reunificação, em 1997.
Mesmo com as restrições do sistema de votação, esta é a eleição mais democrática da ilha desde seu retorno à China. Antes, apenas uma minoria das cadeiras do Conselho Legislativo era eleita por voto direto.
Na eleição de 1998, o número subiu para 20 das 60 cadeiras. Em 2000, passou para 24 e, agora, 30.
Ivan Choy, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Chinesa em Hong Kong, acredita que o mau desempenho do governo de Tung Chee-hwa -que chefia o Executivo desde 1997- seja um fator relevante por trás do aumento das manifestações pró-democracia. "Diante da pobreza do governo, mais e mais pessoas estão vendo a importância de um regime democrático", observa.

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