São Paulo, sábado, 12 de setembro de 2009

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Chile debate lei para tirar verba do cobre de militares

Projeto enviado por Bachelet ao Congresso nesta semana conta com apoio da oposição

Herança da era Pinochet, lei que governo deseja revogar permitiu ao Chile ser o país que mais gastou com armas na região entre 2000 e 2008


CLAUDIA ANTUNES
DA SUCURSAL DO RIO

A presidente chilena, Michelle Bachelet, enviou ao Congresso nesta semana projeto para revogar a Lei do Cobre, que destina às Forças Armadas 10% do dinheiro das vendas do metal, principal produto de exportação chileno. O dinheiro era usado exclusivamente para a compra de armas.
A revogação da lei vinha sendo negociada por Bachelet havia dois anos. Ela deve ser aprovada até as eleições presidenciais de 11 dezembro, já que há apoio da maioria das forças políticas, incluindo a direita.
O fim da Lei do Cobre e a sua substituição por normas que submetem todo o orçamento da área ao controle civil deverão provocar a redução dos gastos militares do país. Em relação ao PIB (3,4%, em 2007) e à população (US$ 281,06 per capita), eles são hoje os maiores da América do Sul.
Com 17 milhões de habitantes -menos do que a Grande São Paulo-, o Chile foi o país da região que mais gastou com armamentos entre 2000 e 2008, segundo o Sipri (Instituto Internacional de Estudos da Paz de Estocolmo), que mantém banco de dados sobre o tema.
As contas do Sipri não incluem ainda as compras da França recém-anunciadas pelo Brasil, mas levam em conta boa parte dos gastos da Venezuela entre 2006 e 2008 com armas compradas da Rússia.
Bachelet é a quarta presidente eleita desde 1989 pela Concertação, coalizão do Partido Socialista com a Democracia Cristã. Internamente, sua medida significa o último passo importante na abolição de leis herdadas da ditadura do general Augusto Pinochet (1973-1989). Ontem foi o 36º aniversário do golpe militar.
A Lei do Cobre original, de 1958, destinava 15% dos lucros das mineradoras a um fundo para equipar as Forças Armadas. Mas ela foi reformulada na ditadura para estabelecer o percentual sobre as vendas e um piso mínimo, equivalente a US$ 240 milhões.
"O projeto [do governo] normaliza o Chile nesse aspecto, o transforma num país democrático normal", disse à Folha o analista chileno Raúl Söhr, especialista em temas militares.
Externamente, a lei deverá ter reflexos, segundo Söhr, na relação com o Peru, com quem o Chile tem uma antiga disputa sobre limites marítimos, em exame pela Corte Internacional de Justiça, em Haia (Holanda). Sem chegar ao nível chileno de gastos, o Peru vinha aumentando suas compras bélicas desde 2006.
"Os temores peruanos são compreensíveis. As compras de armas foram excessivas em relação às necessidades de segurança do Chile", disse Söhr.
Ao firmar o projeto enviado ao Congresso, numa cerimônia da qual participaram os chefes militares, Bachelet ressaltou que o fim da Lei do Cobre aumentará a competitividade da Codelco, única estatal importante que não foi privatizada durante a ditadura.
Como a "taxa" para a compra de armas era sobre as vendas, a empresa entregava aos militares cerca da metade do valor que destinava ao Fisco. Com a alta do cobre nos últimos anos, isso rendeu em média US$ 1 bilhão, pouco menos de um quarto do orçamento militar chileno no ano passado.
O esperado fim da Lei do Cobre deve ser o último ato importante do governo Bachelet. Mesmo o candidato da direita a sua sucessão, Sebastián Piñera, que hoje lidera as pesquisas, apoia o projeto.

Financiamento futuro
O esperado fim da Lei do Cobre não significa que os militares chilenos vão ficar a pão e água. A proposta de legislação substituta encaminhada pelo governo ao Congresso prevê que o Ministério da Defesa coordenará o planejamento para o "desenvolvimento das capacidades estratégicas da defesa" (isto é, novos armamentos), levando em conta períodos de 12 anos e orçamento para cada quatro anos.
Esse orçamento será aprovado pelo presidente, e, a cada ano, a parte correspondente será liberada junto com o Orçamento geral do Estado.
O projeto também prevê a criação de um fundo de contingência para gastos excepcionais, administrado pelo Ministério da Fazenda.
Em termos institucionais, a maior novidade é que as despesas serão submetidas ao crivo de autoridades eleitas, enquanto os fundos da Lei do Cobre eram controlados pelos militares. Mas os dados sobre "investimentos em defesa" manejados pelo governo e o Congresso terão caráter "reservado".
De acordo com a imprensa chilena, duas reivindicações dos comandantes militares não foram atendidas: a de que houvesse um piso mínimo para os orçamentos e a de que a parcela anual fosse reajustada por um indicador fixo, como a variação do PIB.


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