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RETORNO DO COMANDANTE
Para escritor, Fidel quer reaver papel de líder da esquerda
Autor norte-americano Jon Lee Anderson afirma que o cubano, com suas declarações recentes, busca retomar espaço que hoje é de Chávez e Lula na América Latina
LUCIANA COELHO
EM CAMBRIDGE (EUA)
Fidel Castro acordou. E
após quatro anos de "hibernação", está saudável e lúcido, diz o escritor americano
Jon Lee Anderson.
É isso, para Anderson, que
o ex-dirigente cubano mostrou com as declarações inusitadas dadas ao jornalista
Jeffrey Goldberg e publicadas na revista "The Atlantic"
nesta semana.
Mais do que a controversa
fala sobre a expiração da validade do modelo cubano (Fidel depois diria ter sido "mal
interpretado"), porém, o jornalista ressalta a preocupação do comandante com a
possibilidade de guerra entre
Israel e Irã.
"Ele está genuinamente
preocupado." E com essa
preocupação, diz Anderson,
reclama seu lugar de principal líder latino de esquerda
-que, nos quatro anos em
que ele convalesceu de doenças no intestino que quase o
mataram, foi parcialmente
ocupado por Hugo Chávez e
pelo presidente Lula.
Anderson, que vive na Inglaterra, conversou com a
Folha por telefone anteontem. Para falar de Cuba, tem
a autoridade e a intimidade
de quem viveu no país durante os anos 90, conheceu
Fidel e Raúl Castro e prepara
novo livro sobre a ilha.
Folha - Houve recuo de Fidel
ao dizer que foi mal interpretado, um jogo com o público
interno?
Jon Lee Anderson - Acho
que o provável é uma má interpretação, pois duvido que
a especialista do Council on
Foreign Relations Julia Sweig
[que estava presente] endossaria uma distorção.
Ainda que a frase tenha sido exata, ela é meio ambígua, e Fidel claramente não
pretendia que ela fosse usada como foi, como um porrete para castigá-lo.
As declarações dele o surpreenderam?
Fiquei bem surpreso. Estou sob a impressão de que o
Fidel tem tentado, claramente, aparecer mais e mais, dizer que voltou à ativa, está
saudável, após quatro anos
consumindo informação avidamente, querendo estar envolvido, pesando aquilo que
considera importante dizer.
Esse foco no Oriente Médio é
mais recente. Criticar o Irã o
surpreendeu?
O Fidel nunca falou tão
abertamente sobre [o presidente Mahmoud] Ahmadinejad como Chávez faz, por
exemplo, e lembre-se que
Ahmadinejad se tornou presidente em 2005, um ano antes de Fidel ficar doente.
Tudo bem, muito do que
Fidel disse foi tirado de contexto, e você tem de lembrar
que tudo isso foi dito numa
conversa. Jeffrey começou
perguntando coisas que ele
acha que fariam o Fidel reagir, então a maioria das frases são respostas, não poderiam ser tiradas de contexto.
Ele está buscando os holofotes de volta?
O que eu sei é que o Fidel,
desde que se tornou uma figura pública, nos anos 60,
tem essa personalidade gigantesca, irreprimível. Sempre teve opinião, sempre quis
externá-la. Os últimos quatro
anos é que foram a anomalia.
Ele está envelhecendo, estava doente, não tinha alternativa. A verdade é que ele
estava cansado nos últimos
anos antes de adoecer. Agora
voltou rejuvenescido.
Sobre como funciona entre ele e Raúl [Castro, seu irmão e hoje dirigente máximo
cubano], só eles sabem. Mas
eles sempre tiveram uma relação na qual o Fidel era a figura dominante, paterna. E o
Raúl sempre deixou clara essa deferência.
Se Fidel quisesse poder total de novo, conseguiria, porque tem muito mais autoridade no Partido Comunista.
Talvez isso aconteça. Mas
eu duvido, porque, pelo modo mais solto como ele vem
se portando, parece que ele
se sente mais livre, parece estar gostando da situação, de
não ter o fardo da confrontação no mesmo nível de quando estava no gabinete.
E eu acho que ele percebeu
que o mundo mudou um
pouco, que ele tem espaço
para admitir erros.
Com essa declaração sobre o
modelo econômico, podemos
esperar mais mudanças?
Acho que sim. Claramente
estão tentando gerar dinheiro de forma que não afete o
poder central. Estão tentando manter o controle político. As coisas que se têm proposto, os campos de golfe, as
cooperativas, são coisas que
já vimos em outros lugares.
Será uma versão cubana.
Na verdade, desde o período especial temos visto isso,
o que podemos ter agora é
uma nova fase.
Alguns analistas identificaram em Fidel uma preocupação com a imagem com a qual
ele quer entrar para a história
-a de um estadista sábio, não
a de um velho senil e turrão.
Você enxerga isso?
Não usaria o termo "preocupação". Ao meu ver, após
quatro anos hibernando, ele
emergiu fisicamente saudável e mentalmente alerta. Pode pensar e falar de uma forma que talvez não conseguisse antes. E, claro, ele está numa idade reflexiva.
Acho que uma coisa que
ele quer é achar um modo de
ainda ser visto como válido,
como relevante, de deixar
um legado como um agente
de paz. Provavelmente esse é
o melhor modo de analisar as
declarações recentes sobre o
Irã e Israel. Ele está genuinamente preocupado.
Diversos líderes latino-americanos apoiam Ahmadinejad.
Esse comentário não os tem
como alvo?
É possível. Essa é uma
oportunidade para Fidel reafirmar a autoridade natural
entre os líderes de esquerda e
centro-esquerda da região.
Nos últimos anos, o sujeito
que ocupou esse espaço foi
Chávez, até um certo ponto,
e, mais recentemente, Lula.
Quando ele estava apenas escrevendo seus artigos, era como se ele fosse um Fidel apequenado. Agora, parece, é
um grande Fidel outra vez.
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