São Paulo, domingo, 12 de setembro de 2010

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RETORNO DO COMANDANTE

Para escritor, Fidel quer reaver papel de líder da esquerda

Autor norte-americano Jon Lee Anderson afirma que o cubano, com suas declarações recentes, busca retomar espaço que hoje é de Chávez e Lula na América Latina

LUCIANA COELHO
EM CAMBRIDGE (EUA)

Fidel Castro acordou. E após quatro anos de "hibernação", está saudável e lúcido, diz o escritor americano Jon Lee Anderson.
É isso, para Anderson, que o ex-dirigente cubano mostrou com as declarações inusitadas dadas ao jornalista Jeffrey Goldberg e publicadas na revista "The Atlantic" nesta semana.
Mais do que a controversa fala sobre a expiração da validade do modelo cubano (Fidel depois diria ter sido "mal interpretado"), porém, o jornalista ressalta a preocupação do comandante com a possibilidade de guerra entre Israel e Irã.
"Ele está genuinamente preocupado." E com essa preocupação, diz Anderson, reclama seu lugar de principal líder latino de esquerda -que, nos quatro anos em que ele convalesceu de doenças no intestino que quase o mataram, foi parcialmente ocupado por Hugo Chávez e pelo presidente Lula.
Anderson, que vive na Inglaterra, conversou com a Folha por telefone anteontem. Para falar de Cuba, tem a autoridade e a intimidade de quem viveu no país durante os anos 90, conheceu Fidel e Raúl Castro e prepara novo livro sobre a ilha.

 

Folha - Houve recuo de Fidel ao dizer que foi mal interpretado, um jogo com o público interno?
Jon Lee Anderson
- Acho que o provável é uma má interpretação, pois duvido que a especialista do Council on Foreign Relations Julia Sweig [que estava presente] endossaria uma distorção.
Ainda que a frase tenha sido exata, ela é meio ambígua, e Fidel claramente não pretendia que ela fosse usada como foi, como um porrete para castigá-lo.

As declarações dele o surpreenderam?
Fiquei bem surpreso. Estou sob a impressão de que o Fidel tem tentado, claramente, aparecer mais e mais, dizer que voltou à ativa, está saudável, após quatro anos consumindo informação avidamente, querendo estar envolvido, pesando aquilo que considera importante dizer.

Esse foco no Oriente Médio é mais recente. Criticar o Irã o surpreendeu?
O Fidel nunca falou tão abertamente sobre [o presidente Mahmoud] Ahmadinejad como Chávez faz, por exemplo, e lembre-se que Ahmadinejad se tornou presidente em 2005, um ano antes de Fidel ficar doente.
Tudo bem, muito do que Fidel disse foi tirado de contexto, e você tem de lembrar que tudo isso foi dito numa conversa. Jeffrey começou perguntando coisas que ele acha que fariam o Fidel reagir, então a maioria das frases são respostas, não poderiam ser tiradas de contexto.

Ele está buscando os holofotes de volta?
O que eu sei é que o Fidel, desde que se tornou uma figura pública, nos anos 60, tem essa personalidade gigantesca, irreprimível. Sempre teve opinião, sempre quis externá-la. Os últimos quatro anos é que foram a anomalia.
Ele está envelhecendo, estava doente, não tinha alternativa. A verdade é que ele estava cansado nos últimos anos antes de adoecer. Agora voltou rejuvenescido.
Sobre como funciona entre ele e Raúl [Castro, seu irmão e hoje dirigente máximo cubano], só eles sabem. Mas eles sempre tiveram uma relação na qual o Fidel era a figura dominante, paterna. E o Raúl sempre deixou clara essa deferência.
Se Fidel quisesse poder total de novo, conseguiria, porque tem muito mais autoridade no Partido Comunista.
Talvez isso aconteça. Mas eu duvido, porque, pelo modo mais solto como ele vem se portando, parece que ele se sente mais livre, parece estar gostando da situação, de não ter o fardo da confrontação no mesmo nível de quando estava no gabinete.
E eu acho que ele percebeu que o mundo mudou um pouco, que ele tem espaço para admitir erros.

Com essa declaração sobre o modelo econômico, podemos esperar mais mudanças?
Acho que sim. Claramente estão tentando gerar dinheiro de forma que não afete o poder central. Estão tentando manter o controle político. As coisas que se têm proposto, os campos de golfe, as cooperativas, são coisas que já vimos em outros lugares. Será uma versão cubana.
Na verdade, desde o período especial temos visto isso, o que podemos ter agora é uma nova fase.

Alguns analistas identificaram em Fidel uma preocupação com a imagem com a qual ele quer entrar para a história -a de um estadista sábio, não a de um velho senil e turrão. Você enxerga isso?
Não usaria o termo "preocupação". Ao meu ver, após quatro anos hibernando, ele emergiu fisicamente saudável e mentalmente alerta. Pode pensar e falar de uma forma que talvez não conseguisse antes. E, claro, ele está numa idade reflexiva.
Acho que uma coisa que ele quer é achar um modo de ainda ser visto como válido, como relevante, de deixar um legado como um agente de paz. Provavelmente esse é o melhor modo de analisar as declarações recentes sobre o Irã e Israel. Ele está genuinamente preocupado.

Diversos líderes latino-americanos apoiam Ahmadinejad. Esse comentário não os tem como alvo?
É possível. Essa é uma oportunidade para Fidel reafirmar a autoridade natural entre os líderes de esquerda e centro-esquerda da região.
Nos últimos anos, o sujeito que ocupou esse espaço foi Chávez, até um certo ponto, e, mais recentemente, Lula. Quando ele estava apenas escrevendo seus artigos, era como se ele fosse um Fidel apequenado. Agora, parece, é um grande Fidel outra vez.


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