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São Paulo, domingo, 12 de outubro de 2003

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RESISTÊNCIA

Tradicional produto de cortiça do Alentejo disputa garrafas de vinho pelo mundo com tampas de rosca e rolha sintética

Rolha portuguesa desafia rivais modernos

JOHN TAGLIABUE
DO "NEW YORK TIMES",
EM AZARUJA, PORTUGAL

Esta é uma terra que conhece seu inimigo -e ele toma vinho tinto de uma garrafa fechada com tampa de rosca.
Estamos na terra da cortiça. Sobreiros verde-prateados pontilham a paisagem ressecada. Os vilarejos de casas caiadas são cercados por fábricas onde se corta, ferve e amarra a cortiça em feixes. Os presuntos e as linguiças da região são feitos dos porcos que vagam soltos pelos quintais, alimentando-se dos frutos dos sobreiros. Rolhas de cortiça fecham as garrafas dos vinhos locais do Alentejo, que acompanham praticamente todas as refeições.
A cortiça deu certo grau de prosperidade a essa região no centro-sul de Portugal, que, de outro modo, seria paupérrima.
Teresa Ortigão Ramos é descendente dos condes de Galveias. Ela convida o visitante a conhecer uma capela em sua propriedade, cujas paredes são recobertas de ex-votos retratando a vida de corticeiros locais, os primeiros deles datando de meados do século 18, na época em que sua família se estabeleceu na região. Isso foi apenas um século depois que o monge francês Dom Perignon pela primeira vez fechou uma garrafa de vinho espumante com um pedaço redondo de cortiça. Antes, as garrafas de vinho eram tampadas com rolhas de madeira ou chumaços de pano.
Exatamente quantos sobreiros Teresa possui? ""Milhares", ela responde. O administrador de sua propriedade, Eduardo Silva, 61, estima que ela tenha 49 mil árvores numa área de 680 hectares.
Pode-se afirmar que a cortiça é para Portugal o que o petróleo é para a Arábia Saudita. Mais de metade dos US$ 2 bilhões em rolhas de cortiça produzidas anualmente no mundo têm sua origem no país, e quase todo o restante vem dos países mediterrâneos vizinhos. O restolho de cortiça é usado para produzir pisos, painéis de isolamento e produtos semelhantes. Aproximadamente 16 mil portugueses trabalham na indústria da cortiça.

Concorrência
Entretanto, à medida que a produção mundial de vinho vem crescendo, também vêm aumentando alternativas para tampar as garrafas, como as rolhas de plástico e as tampas de rosca.
As rolhas de cortiça natural às vezes vazam e às vezes se desfazem. Além disso, podem conferir ao vinho um odor de mofo, estragando o que deveriam proteger. Outro problema é que seu preço vem subindo. Nos últimos cinco anos, segundo Eduardo Silva, o preço da cortiça bruta subiu de US$ 41 ou menos por feixe padrão de 15 quilos para até US$ 58.
Assim, os vinicultores da Austrália, da Califórnia e até mesmo de regiões francesas como Bordeaux vêm recorrendo a alternativas. É uma batalha declarada entre os produtores de rolhas de cortiça e seus concorrentes.
Em sites na internet e em periódicos especializados, o setor das tampas de rosca chama a atenção para os defeitos das rolhas de cortiça e dá destaque a testes de sabor e pesquisas realizadas com consumidores que indicam uma preferência pela tampa de rosca.
Os fabricantes de rolhas de cortiça andam igualmente ocupados tecendo críticas às tampas de rosca e apresentando argumentos a seu próprio favor. Quando, por exemplo, o Instituto Australiano de Pesquisas Vinícolas constatou, recentemente, que os odores borrachosos em vinhos brancos engarrafados eram mais perceptíveis em garrafas fechadas com tampas de rosca do que nas que utilizam rolhas de cortiça, os fabricantes de cortiça alardearam o resultado aos quatro ventos.
Ambos os lados se irritam com os fabricantes de rolhas sintéticas, dizendo que estas são difíceis de extrair das garrafas e podem conferir um sabor químico aos vinhos. Os fabricantes de rolhas plásticas, enquanto isso, repetem as críticas feitas às rolhas de cortiça, mas dizem que os consumidores querem que suas garrafas de vinho abram com um estouro, não com uma viradinha.
A casca do sobreiro é colhida entre maio e julho. Os sobreiros precisam ter pelo menos 40 anos para que sua casca seja adequada para a produção de rolhas de garrafas de vinho. A cortiça -ou seja, a casca do sobreiro- é colhida uma vez a cada nove anos durante o tempo de vida de cada árvore, estimado em mais de 200 anos. Um sobreiro médio rende cortiça suficiente em um ano para tampar 4.000 garrafas.


Tradução de Clara Allain


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