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São Paulo, domingo, 12 de outubro de 2003

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REFORMA

Para advogada laureada, medida mais urgente é pôr fim às penas de apedrejamento e amputação de membros

Irã precisa se modernizar, diz Nobel da Paz

MICHEL BÔLE-RICHARD
DO "LE MONDE"

A advogada iraniana Shirin Ebadi, 56, tornou-se na sexta-feira a primeira mulher muçulmana a vencer o Prêmio Nobel da Paz.
Sua premiação deixou claro a divisão entre os campos reformista e conservador do Irã, com o primeiro saudando a premiação e o segundo, criticando-a. "Eu sou pela separação entre Estado e religião", disse ela ao "Le Monde".
Formada em direito pela Universidade de Teerã, presidiu a corte municipal da capital de 1975 a 1979, quando, com a Revolução Islâmica, teve de deixar o posto.
Desde então, exerce a advocacia e leciona na Universidade de Teerã, privilegiando, em seu trabalho, a defesa dos direitos humanos, sobretudo de mulheres, crianças, refugiados e réus políticos. Isso já fez com que fosse presa várias vezes, como durante a investigação dos ataques a estudantes na Universidade de Teerã, em 1999.
Ontem, o jornal "The Globe and Mail" afirmou que Ebadi representará a família da fotojornalista iraniano-canadense Zahra Kazemi, morta por espancamento após ser detida em Teerã. A advogada também criticou o presidente colombiano, Álvaro Uribe, por ter acusado ONGs de direitos humanos de defender terroristas.

Pergunta - Quais serão as consequências de seu Nobel da Paz?
Shirin Ebadi -
Em primeiro lugar, encorajará os militantes de direitos humanos e a própria sociedade civil iraniana, que poderá, agora, considerar as atividades humanitárias como um objetivo mais interessante. E a partir do momento em que houver um número maior de ativistas, a evolução poderá ser automática.

Pergunta - A senhora diria que esse prêmio tem caráter político?
Ebadi -
Não creio. Como militante humanitária, acho que o mundo compreendeu que a paz passa pelos direitos humanos. Para que as guerras acabem, eles têm de ser respeitados. A Europa está finalmente compreendendo isso.

Pergunta - No passado, a senhora apoiou o presidente reformista Khatami. Como o vê agora, perto do final de seu segundo mandato?
Ebadi -
A regra eleitoral no Irã foi desenhada de uma forma tal que, se não tivéssemos votado em Khatami, isso teria beneficiado seus adversários conservadores, o que, para nós, é inaceitável. Hoje eu acho que Khatami, infelizmente, perdeu muitas oportunidades.

Pergunta - A situação política no Irã é de impasse entre conservadores e reformistas, e a sociedade parece impotente. Qual é a solução, já que a senhora é contra revoluções?
Ebadi -
O tempo das revoluções já acabou. Nós somos pela reforma, tanto no que concerne aos direitos civis e políticos como no que diz respeito aos direitos econômicos e sociais. O povo iraniano está profundamente decepcionado com a Revolução Islâmica. Por sua causa e da guerra contra o Iraque, milhares de famílias perderam filhos, pais. O povo iraniano elegeu Khatami porque ele falava de reformas. Mas a idéia de reforma continua existindo na sociedade iraniana, e Khatami não é o único porta-voz da reforma.

Pergunta - Como uma mudança política pode ocorrer?
Ebadi -
Eu espero que, mesmo depois da saída de Khatami, a luta pelas reformas não cesse. O mais importante agora é que o projeto do governo sobre modificações da lei eleitoral seja aprovado. Que as pessoas possam eleger livremente seus representantes no Parlamento. Entretanto, se esse projeto for definitivamente enterrado no Conselho dos Guardiões, aí o povo iraniano boicotará as eleições previstas para março, como o fez no ano passado por ocasião das eleições municipais.

Pergunta - Na sua opinião, a República islâmica deve ser substituída por uma República laica?
Ebadi -
Se ela não evoluir, a República islâmica não pode continuar. Não só no governo, mas em todo o país. Sou pela separação entre Estado e religião. Minha posição não é contra o islã. Hoje, há grandes aiatolás favoráveis à separação entre Estado e religião.

Pergunta - Como explicar que nos países muçulmanos o islã não respeita os direitos humanos?
Ebadi -
O problema é que em cada país sempre há pretextos para que não sejam respeitados. Como nos países marxistas, nos quais se colocavam antes as razões ideológicas. Lutei anos para mostrar que o islã não é favorável à discriminação, que o islã não é favorável à injustiça social nem à exploração das classes menos favorecidas. Não é o islã o responsável, mas os regimes corruptos em todos os países muçulmanos, que, infelizmente, usam esse pretexto para justificar seu governo ilegítimo.

Pergunta - Como laureada, qual é a primeira reforma que a senhora gostaria de ver aplicada no Irã?
Ebadi -
Que as penas islâmicas dêem lugar a penas modernas, como nos países democráticos. Que acabe o apedrejamento, a amputação de membros, que se modifique a idade de maioridades dos jovens, que é hoje de 13 anos para as meninas e 15 para os garotos. É essencial, pois isso diz respeito à liberdade, à vida e à segurança.


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