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REFORMA
Para advogada laureada, medida mais urgente é pôr fim às penas de apedrejamento e amputação de membros
Irã precisa se modernizar, diz Nobel da Paz
MICHEL BÔLE-RICHARD
DO "LE MONDE"
A advogada iraniana Shirin
Ebadi, 56, tornou-se na sexta-feira
a primeira mulher muçulmana a
vencer o Prêmio Nobel da Paz.
Sua premiação deixou claro a
divisão entre os campos reformista e conservador do Irã, com o
primeiro saudando a premiação e
o segundo, criticando-a. "Eu sou
pela separação entre Estado e religião", disse ela ao "Le Monde".
Formada em direito pela Universidade de Teerã, presidiu a
corte municipal da capital de 1975
a 1979, quando, com a Revolução
Islâmica, teve de deixar o posto.
Desde então, exerce a advocacia
e leciona na Universidade de Teerã, privilegiando, em seu trabalho,
a defesa dos direitos humanos,
sobretudo de mulheres, crianças,
refugiados e réus políticos. Isso já
fez com que fosse presa várias vezes, como durante a investigação
dos ataques a estudantes na Universidade de Teerã, em 1999.
Ontem, o jornal "The Globe and
Mail" afirmou que Ebadi representará a família da fotojornalista
iraniano-canadense Zahra Kazemi, morta por espancamento
após ser detida em Teerã. A advogada também criticou o presidente colombiano, Álvaro Uribe, por
ter acusado ONGs de direitos humanos de defender terroristas.
Pergunta - Quais serão as consequências de seu Nobel da Paz?
Shirin Ebadi - Em primeiro lugar,
encorajará os militantes de direitos humanos e a própria sociedade civil iraniana, que poderá, agora, considerar as atividades humanitárias como um objetivo
mais interessante. E a partir do
momento em que houver um número maior de ativistas, a evolução poderá ser automática.
Pergunta - A senhora diria que esse prêmio tem caráter político?
Ebadi - Não creio. Como militante humanitária, acho que o
mundo compreendeu que a paz
passa pelos direitos humanos. Para que as guerras acabem, eles têm
de ser respeitados. A Europa está
finalmente compreendendo isso.
Pergunta - No passado, a senhora
apoiou o presidente reformista
Khatami. Como o vê agora, perto
do final de seu segundo mandato?
Ebadi - A regra eleitoral no Irã foi
desenhada de uma forma tal que,
se não tivéssemos votado em
Khatami, isso teria beneficiado
seus adversários conservadores, o
que, para nós, é inaceitável. Hoje
eu acho que Khatami, infelizmente, perdeu muitas oportunidades.
Pergunta - A situação política no
Irã é de impasse entre conservadores e reformistas, e a sociedade parece impotente. Qual é a solução, já
que a senhora é contra revoluções?
Ebadi - O tempo das revoluções
já acabou. Nós somos pela reforma, tanto no que concerne aos direitos civis e políticos como no
que diz respeito aos direitos econômicos e sociais. O povo iraniano está profundamente decepcionado com a Revolução Islâmica.
Por sua causa e da guerra contra o
Iraque, milhares de famílias perderam filhos, pais. O povo iraniano elegeu Khatami porque ele falava de reformas. Mas a idéia de
reforma continua existindo na sociedade iraniana, e Khatami não é
o único porta-voz da reforma.
Pergunta - Como uma mudança
política pode ocorrer?
Ebadi - Eu espero que, mesmo
depois da saída de Khatami, a luta
pelas reformas não cesse. O mais
importante agora é que o projeto
do governo sobre modificações
da lei eleitoral seja aprovado. Que
as pessoas possam eleger livremente seus representantes no
Parlamento. Entretanto, se esse
projeto for definitivamente enterrado no Conselho dos Guardiões,
aí o povo iraniano boicotará as
eleições previstas para março, como o fez no ano passado por ocasião das eleições municipais.
Pergunta - Na sua opinião, a República islâmica deve ser substituída por uma República laica?
Ebadi - Se ela não evoluir, a República islâmica não pode continuar. Não só no governo, mas em
todo o país. Sou pela separação
entre Estado e religião. Minha posição não é contra o islã. Hoje, há
grandes aiatolás favoráveis à separação entre Estado e religião.
Pergunta - Como explicar que nos
países muçulmanos o islã não respeita os direitos humanos?
Ebadi - O problema é que em cada país sempre há pretextos para
que não sejam respeitados. Como
nos países marxistas, nos quais se
colocavam antes as razões ideológicas. Lutei anos para mostrar que
o islã não é favorável à discriminação, que o islã não é favorável à
injustiça social nem à exploração
das classes menos favorecidas.
Não é o islã o responsável, mas os
regimes corruptos em todos os
países muçulmanos, que, infelizmente, usam esse pretexto para
justificar seu governo ilegítimo.
Pergunta - Como laureada, qual é
a primeira reforma que a senhora
gostaria de ver aplicada no Irã?
Ebadi - Que as penas islâmicas
dêem lugar a penas modernas, como nos países democráticos. Que
acabe o apedrejamento, a amputação de membros, que se modifique a idade de maioridades dos
jovens, que é hoje de 13 anos para
as meninas e 15 para os garotos. É
essencial, pois isso diz respeito à
liberdade, à vida e à segurança.
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