São Paulo, quinta-feira, 12 de outubro de 2006

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análise

Bomba garante ao Japão aliados instantâneos

DAVID PILLING, ANNA FIFIELD e MURE DICKIE
DO "FINANCIAL TIMES"

Excetuando o sorridente âncora da TV norte-coreana, poucos saudaram com alegria o teste nuclear feito por Pyongyang. Mas para Shinzo Abe, o novo premiê japonês que está determinado a refazer as relações de seu país com China e Coréia do Sul, o teste não poderia ter sido num momento melhor.
"Se algo pudesse ser feito para empurrar Pequim e Seul para os braços de Tóquio, seria isso", diz Peter Beck, do International Crisis Group. Em tom de semibrincadeira, um diplomata japonês descreveu o teste como um "presente" do ditador norte-coreano, Kim Jong-il.
O anúncio de Pyongyang de que havia realizado o teste ocorreu no momento em que Abe voava de Pequim a Seul.
O líder japonês, que antes de chegar ao poder, no mês passado, era visto como falcão diplomático, fez da China e da Coréia do Sul os seus primeiros destinos exteriores. Seu objetivo declarado era direcionar as relações danificadas "para o futuro".
As relações entre eles têm sido tudo menos voltadas ao futuro. Atoladas em memórias amargas da guerra e na questão complicada do santuário Yasukuni -o memorial em Tóquio onde são homenageados 2,5 milhões de soldados, entre eles 14 criminosos de guerra-, elas se encontravam no ponto mais baixo das últimas décadas.
Com a Coréia do Sul as relações do Japão estavam igualmente azedas, tendo sido envenenadas não apenas pela questão do santuário Yasukuni mas também por uma disputa territorial.
Antes mesmo do teste, havia sinais de que a iniciativa diplomática de Abe já dava frutos. Em Pequim, Abe foi recebido com boas-vindas surpreendentemente calorosas. Embora um pouco menos efusiva, Seul também deu mostras de disposição em fazer negócios com Abe.
Tudo isso aconteceu antes do teste nuclear. Em questão de horas, Abe aproveitou o momento, dizendo em Seul que a Coréia do Sul e o Japão estavam avançando juntos na questão da Coréia do Norte. E afirmou que os dois países e a China concordaram que "um teste nuclear norte-coreano constitui grave ameaça".
"As relações coreano-japonesas estão em mau estado há algum tempo. Isto é um remendo, mas será bem-sucedido? Estou pessimista", diz Chung Jae-ho, da Universidade de Seul. "Feridas antigas tomam tempo para cicatrizar. Do nosso ponto de vista, o Japão esfrega sal nessas feridas a todo momento." Mas há incentivos para que as relações mais amigáveis sejam mantidas. A economia japonesa está crescentemente integrada à sul-coreana, e, mais ainda, à chinesa. Tanto que a China está prestes a tomar o lugar dos EUA como principal parceira comercial do Japão.
A China representa uma base de produção barata e indispensável para os fabricantes japoneses, além de um mercado lucrativo para seus produtos manufaturados. A China também se beneficia muito dos investimentos e do know-how japoneses.
O segundo incentivo vem dos EUA, que têm demonstrado cansaço com a incapacidade japonesa de criar uma relação operacional com os vizinhos. "Não é do interesse dos EUA que as tensões sino-japonesas se intensifiquem", diz Gerald Curtis, sinólogo da Universidade Columbia, em Nova York.


Tradução de CLARA ALLAIN


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