São Paulo, sexta-feira, 12 de outubro de 2007

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Ex-detidos narram horrores em Mianmar

Opositores da ditadura birmanesa dizem que instituto tecnológico foi transformado em centro de torturas, no qual há até crianças

Para relator brasileiro da ONU, número oficial de mortos é "inverossímil"; organismo ouviu casos de espancamentos e sumiços

Luis Liwanag/France Presse
Texto colado no rosto de ativista filipino em Manila pede fim de prisões em Mianmar; na faixa, lê-se "eu não tenho medo"


DA REDAÇÃO

A contínua repressão da ditadura de Mianmar contra a oposição pró-democracia, além de esmagar o movimento que agitou o país no último mês, produz agora relatos chocantes do tratamento dado aos ativistas detidos. Segundo alguns dos já libertados, centenas de monges budistas foram torturados -vários até a morte- e mantidos durante dias em condições subumanas, em celas lotadas, sem água nem sanitários.
"No começo foi terrível", disse um monge recém-libertado à agência Reuters de notícias, em condição de anonimato. Ele afirma que ficou preso por mais de uma semana no antigo Instituto Técnico Governamental, ao norte de Yangun, onde os religiosos tiveram suas vestes apreendidas e foram tratados como criminosos comuns. "Disseram: Você não é mais um monge. É só um homem comum com a cabeça raspada."
Mais de 400 detidos se apertavam no mesmo cômodo, sem espaço para deitar ou dormir, e recebiam apenas um pouco de arroz, uma vez por dia, para comer com as mãos, contou o ex-prisioneiro. "Muitos apanharam e ficaram com feridas abertas, mas nenhum médico nos atendeu", afirmou um ex-detido citado pelo jornal britânico "The Independent". O diário afirma que havia monges noviços de dez e até de sete anos entre os presos.
Os monges foram responsabilizados pelas maiores marchas do país em 20 anos contra a ditadura militar, no poder desde 1962. Os protestos, que começaram em 19 de agosto contra aumentos de preços, não demoraram a se tornar clamores pela democracia em um dos países mais miseráveis da Ásia. Mais de 100 mil pessoas foram às ruas em setembro.
"O mais grave é que a repressão continua apesar dos apelos quase universais. Isso complica bastante a posição de Mianmar", afirmou à Folha Paulo Sérgio Pinheiro, relator especial da ONU sobre o país.
Pinheiro diz que a ONU também ouviu os relatos de mortes, espancamentos e desaparecimentos de dissidentes. "Ninguém sabe exatamente quantas vítimas há, mas o número oficial de mortos é completamente inverossímil." O governo admitiu a ocorrência de dez mortes e 2.000 detenções durante a repressão, mas dissidentes contabilizam mais de 200 mortos e 6.000 detidos.

Morte e lamento
Anteontem, a Associação de Assistência para Prisioneiros Políticos, baseada na Tailândia, divulgou a morte sob tortura do líder dissidente Win Shwe, 42. Sua família, assim como a de outros detidos, foi informada do ocorrido por autoridades, mas não recebeu o corpo.
Com os novos relatos, o Conselho de Segurança da ONU aprovou ontem uma declaração "lamentando firmemente" a repressão em Mianmar e fazendo um apelo por um "diálogo genuíno" entre o governo e a oposição pró-democracia. O texto, um consenso entre os 15 membros do conselho -incluindo a China, maior parceiro comercial e aliado internacional da junta militar birmanesa-, enfatiza a "importância da libertação rápida de todos os prisioneiros políticos e dos ativistas que ainda estão detidos".
O texto original da declaração foi amenizado para conseguir a aprovação chinesa -Pequim propôs inicialmente um texto ainda mais leve. Mas Pinheiro comemorou o consenso. "Depois de um momento de inércia, a declaração é positiva. Não há outro caminho que não a ação coordenada. Pressão isolada já vem sendo feita há 20 anos e não adianta", afirmou.
Mas nada indica que a tensão levará à democracia. "Não devemos ter a ilusão de que vai haver mudança de regime, isso é história da carochinha", disse o relator. "O que pode acontecer é o início de uma transição, mas sem excluir os militares."
(ANDREA MURTA)

Com agências internacionais


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