São Paulo, segunda-feira, 12 de outubro de 2009

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Pleito sob golpistas é "pôr lobo para cuidar de ovelhas", diz hondurenho

DA ENVIADA A HONDURAS

Para o diretor da Universidade Autônoma de Honduras, Ramón Romero, a resistência ao golpe de Estado não é um movimento em defesa do presidente deposto Manuel Zelaya, mas uma luta pela retomada da democracia no país. Romero, que lança nas próximas semana um livro sobre o golpe de 28 de junho, afirma que muitos países no mundo estão esperando o desfecho da crise e a posição dos EUA. "Em Honduras, Obama está mandando uma mensagem ao mundo", diz. (AF)

 

FOLHA - Como é a relação de Honduras com os EUA?
RAMÓN ROMERO
- A dependência econômica trouxe dependência política. Os americanos se converteram em uma força decisiva em Honduras. A manifestação política e militar mais importante disso foi durante a década de 1980, quando a crise centro-americana instalou a revolução nicaraguense e insurreições em El Salvador e Guatemala. Honduras teve papel importante dentro da estratégia dos EUA para vencer os golpes revolucionários. O território de Honduras era uma plataforma dos EUA.

FOLHA - O que mudou agora, já que o governo golpista segue apesar da discordância dos EUA?
ROMERO
- A mudança é a chegada do presidente Obama à Casa Branca. Os EUA, pela primeira vez, estão propondo relações menos verticais. A evidência mais importante é que os EUA não apoiam o golpe. Mas, em sua atuação em Honduras, Obama está mandando uma mensagem ao mundo. Há países vivendo crises políticas, como Bolívia, Equador e Argentina. Neles, setores estão na expectativa do resultado e da posição americana aqui. Se os EUA permitirem o golpe, abrem espaço a aventuras golpistas em outros países.

FOLHA - O sr. diz que a resistência ao golpe está crescendo. Onde estão os descontentes?
ROMERO
- É tão forte que o governo teve que tomar medidas radicais, como suprimir as liberdades civis. Mas a resistência assumiu duas atitudes: esperar e ver o que sai da possibilidade de diálogo, porque acreditamos nele, e não em tirar pessoas de suas casas para serem massacradas.

FOLHA - A reação ao golpe não é necessariamente a favor de Zelaya?
ROMERO
- A reação muito forte é contra o golpe, de setores diferentes, por razões diferentes. O governo Micheletti desenvolveu uma estratégia de propaganda para desqualificar a resistência. Dizem que são poucas pessoas, que são seguidores de Zelaya, e nem todos são. A resistência reage contra o golpe, não apenas em favor de Zelaya. Querem de volta a democracia. As pessoas não querem ter suas liberdades restringidas. Zelaya não foi um ótimo presidente, houve falhas políticas, econômicas e sociais, evidências de corrupção. Não se trata de termos passado de um grande presidente para um medíocre. O problema é que se rasgou o processo de construção democrática.

FOLHA - As eleições podem restabelecer esse processo?
ROMERO
- Como pode haver eleições quando os cidadãos não têm direitos cidadãos, quando os meios de comunicação são fechados e reprimidos, quando as pessoas que se expressam contra o governo são objeto de repressão? A condição básica para que haja democracia é que exista liberdade. Não temos liberdade.
É muito provável que nesse processo eleitoral haja fraude. A comunidade internacional não virá supervisionar, grande parte da sociedade civil não terá espaço. Além disso, a cidadania está em boa parte pensando em não votar.
Como um governo ilegítimo vai conduzir eleições legítimas? Como as Forças Armadas, que há três meses derrubaram um presidente, vão garantir as eleições? É como pôr um lobo para cuidar das ovelhas.


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