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ENTREVISTA
Ex-premiê e líder da esquerda italiana diz que é preciso "uma nova síntese política, capaz de reduzir as desigualdades"
Terceira Via é passado, conclui D'Alema
JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL
O ex-primeiro-ministro italiano
Massimo D"Alema, 53, disse em
entrevista à Folha que a Terceira
Via já é algo do passado.
A tentativa de esboçar uma alternativa política entre o socialismo e a hegemonia liberal do mercado foi, a seu ver, importante
"como forma de diálogo entre a
esquerda reformista européia e os
EUA de Bill Clinton".
A esquerda européia tem hoje
outras prioridades em sua agenda, como a de enfrentar um novo
modelo de direita, que é "populista" e fundamentado nos medos
que circulam nas sociedades.
D'Alema, que é também deputado e presidente do PDS (Partido
Democrático da Esquerda, ex-Partido Comunista), está em São
Paulo. Encontra-se hoje com o
presidente eleito, Luiz Inácio Lula
da Silva, com quem já participara
em junho, em Porto Alegre, de ato
da campanha presidencial.
Disse acompanhar o diagnóstico do sociólogo francês Alain
Touraine, para quem há bem
mais continuidade que ruptura
na passagem de FHC para Lula.
O atual presidente, afirmou,
"representou um elemento de redução das tensões ideológicas".
Eis os principais trechos da entrevista, feita na sede da Folha.
Folha - Como o sr. vê o desempenho dos líderes direitistas no governo italiano?
Massimo D'Alema - Já governamos [o PDS" a Itália e certamente
voltaremos a governá-la. Pagamos o preço dos ajustes financeiros e dos sacrifícios necessários
para chegar a eles. Somos a força
que governa quase todas as principais cidades do país. Não estamos pessimistas sobre o futuro do
centro-esquerda. Estamos longe
de ser um partido clandestino.
Folha - Até quando Silvio Berlusconi chefiará o governo?
D'Alema - As eleições estão previstas para 2006, a não ser que sejam antecipadas. O atual governo,
e nisso influi a economia mundial, atravessa dificuldades. Há na
população um crescente ceticismo quanto à capacidade que ele
teria para superar esse quadro.
Folha - A chamada Terceira Via
naufragou em razão da proximidade de Tony Blair, o premiê britânico, com os EUA?
D'Alema - A busca de uma Terceira Via foi importante no diálogo entre a esquerda reformista européia e os EUA de Bill Clinton.
Era esse o coração desse processo
de diálogo. Acredito que essa tentativa tenha sido positiva.
Folha - A Terceira Via estaria também no Brasil?
D'Alema - Eu estou, grosso modo, de acordo com o que afirmou
o sociólogo francês Alain Touraine, para quem entre Lula e Cardoso não há ruptura, mas sim continuidade. Cardoso foi, a meu ver,
um grande estadista, mesmo que
o saldo de seu governo tenha
apresentado limites. Cardoso é
um intelectual progressista que
governou com uma maioria parlamentar de centro-direita. Um
fenômeno dificilmente compreensível entre os europeus. Sem
essa etapa, teria sido difícil chegar
à transição de modo indolor. Ele
representou um elemento de redução das tensões ideológicas.
Folha - Mas o presidente eleito
também assume uma postura mais
conservadora, quando se trata, por
exemplo, do novo salário mínimo.
D'Alema - Não quero entrar nessas questões. Quero concluir minha resposta sobre a Terceira Via.
O debate nesse sentido foi centrado nos países ricos, que temiam a
perda de conquistas sociais em
razão da globalização. Não disse
respeito aos países mais pobres,
que não dispunham sequer de
uma rede com essas conquistas.
Cardoso, aliás, estava consciente
disso, ao alertar para as duas formas de se experimentar a globalização: a dos globalizadores e a dos
globalizados. O que devemos
pensar agora é na necessidade de
uma nova síntese política, capaz
de reduzir as desigualdades sociais e definir a responsabilidade
dos países mais avançados.
Folha - Como o sr. vê o avanço dos
conservadores na Europa?
D'Alema - A novidade está na
aparição de uma direita populista,
que se diferencia da direita tradicional. Isso foi determinante na
Itália, na Holanda, na Áustria e até
na França. Essa direita populista é
a expressão de um conjunto de
medos: medo dos imigrantes, da
insegurança. Mas essa nova direita é frágil, não tem programa.
Folha - Quais os efeitos, na esquerda européia, do processo que
levou à implantação do euro?
D'Alema - A integração monetária teve um preço elevado. Todos
os países precisaram se submeter
a ajustes fiscais muito pesados, e,
paradoxalmente, coube à esquerda, em grande parte dos países,
essa tarefa. Mas a integração monetária não basta. Não funcionam
moeda única e mercado comum
sem a unificação das estratégias
de desenvolvimento.
Folha - Há também problemas de
integração (Mercosul, Alca) na
agenda do Brasil.
D'Alema - Li com muita atenção
a entrevista de Lula à "Newsweek", em que ele disse não ser
contrário à integração de mercados, como ocorreria com a Alca,
mas disse que só negociaria se fosse respeitado o princípio da paridade. A razão demonstra, para
nós, europeus, que não funciona
uma integração de mercados sem
uma unificação de instituições.
Lula, ao se referir à experiência
européia, chama também a atenção para a necessidade de integração latino-americana. Não se governa mais segundo a lógica bilateral, de Estado com Estado. Caso
o Brasil assuma a liderança dessa
multilateralidade, estará prestando um serviço ao mundo.
Folha - É estranho sentar-se na
mesma cadeira de Gramsci [Antonio Gramsci (1891-1937), filósofo
marxista italiano e secretário-geral do Partido Comunista"?
D'Alema - O mundo mudou bastante, mas Gramsci continuou a
ser um guia por ter indicado alternativas. Ele enxergava longe, era
quase um herético. Ainda recentemente li um livro de um americano, professor de Harvard, que
lançou mão do conceito gramsciano de "hegemonia" para resolver um problema teórico. Trata-se de Joseph Nye, em "The Paradox of the American Power".
Folha - Qual o futuro da esquerda
e do neoliberalismo?
D'Alema - O neoliberalismo ortodoxo está em crise, assim como
já havia entrado em crise a ortodoxia estatizante da esquerda. Vivemos numa época dos heterodoxos, em que não se consegue raciocinar com padrões ortodoxos.
Ainda há dias o presidente da Bolívia, Gonzalo Sánchez de Lozada,
disse-me ser um liberal, mas que,
mesmo assim, acreditava ser necessário recuperar as teorias de
Keynes. A idéia de que o mercado
resolveria todos os problemas estava errada. Os atentados de 11 de
setembro foram também instrutivos. "Foram a face escondida da
globalização", disse Clinton na
época. A globalização sem políticas que repartam as oportunidades tende ao fracasso, assim como
a ortodoxia marxista e a ortodoxia do mercado. Precisamos de
uma esquerda moderna, que saiba combinar cultura liberal com
visão renovada da política.
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