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ELEIÇÕES NOS EUA / SEM EIXO DO MAL
Política externa deve mudar sob pressão
Saem de cena os falcões militaristas, entram os "realistas" e ganha peso o bipartidário Grupo de Estudos do Iraque
Democratas já definiram equipe para comissões que tratarão de diplomacia e segurança nacional na Câmara e no Senado
DE WASHINGTON
Ao dizer pela primeira vez
que aceitava sugestões sobre
como conduzir a Guerra do Iraque, na quarta-feira, George W.
Bush abriu uma fresta na porta
de sua política externa na qual
os democratas foram rápidos
em colocar o pé. Até então conduzidas com certeza dogmática
pelo presidente republicano, as
ações dos EUA no exterior foram questionadas em forma de
voto nas eleições.
Com a brecha, dois estudos
de dois grupos bipartidários começam a ganhar força. O primeiro e mais importante é o
Grupo de Estudos do Iraque
(ISG, na sigla em inglês), comissão conduzida pelo ex-secretário de Estado republicano
James Baker e o ex-congressista democrata Lee Hamilton.
Na sexta-feira, a Casa Branca
divulgou que o presidente receberá o ISG nesta semana. Seu
novo secretário de Defesa, Robert Gates, faz parte do grupo.
Não se sabe ainda as recomendações que o ISG fará, mas
a tendência é óbvia: saem de cena os falcões militaristas, entram os "realistas". Do primeiro grupo fazia parte Donald
Rumsfeld, o secretário defenestrado, e seu núcleo duro já
não está mais no governo (Paul
Wolfowitz foi para o Banco
Mundial e Douglas Feith está
na Universidade Stanford).
Entre os "realistas" estão James Baker e o próprio Gates. O
novo secretário de Defesa defendeu, em estudo para o Conselho de Relações Exteriores,
em 2004, negociações diretas
entre os EUA e o Irã, algo que
era tratado como palavrão pela
Casa Branca.
Equipe democrata
Não mais. Pensamento semelhante vem do novo Capitólio, onde os democratas já preparam seu time de política externa para comitês de ambas as
Casas. Para o Comitê de Relações Exteriores, por exemplo,
deve ir o senador Joseph Biden,
que já viajou ao Iraque seis vezes e defende a divisão administrativa do país em três (idéia
que parece encontrar simpatia
no grupo de estudos).
Seu equivalente na Câmara
dos Representantes será Tom
Lantos, aos 78 anos o único sobrevivente do Holocausto que é
membro do Congresso. No partido, todos se unem quanto à
retirada das tropas norte-americanas, mas há pouco consenso quanto a como e quando. O
Grupo de Estudos do Iraque
pode funcionar como um catalisador, não só entre republicanos e democratas, mas entre
democratas e democratas.
Tarefa mais difícil será unir
os políticos em outros aspectos
da política externa que não a
Guerra do Iraque -afinal, esse
foi o único tópico citado pela
maioria dos eleitores. O terrorismo, em geral, entrou como
uma das preocupações, mas temas mais específicos, como a
situação do Oriente Médio, foram citados por uma minoria.
Entra em cena o estudo de
um segundo grupo bipartidário, o Projeto Princeton de Segurança Nacional, lançado há
dois anos por aquela universidade, mas deixado de lado por
conta do ambiente político da
época. Ambicioso, tem a seu favor o fato de unir nomes tão
díspares quanto George Shultz,
ex-secretário de Estado de Reagan, e Joseph Nye, que consagrou a expressão "soft power"
(a conquista pela persuasão).
"Não temos a pretensão de
ser a política externa alternativa", disse à Folha John Ikenberry, um dos autores do projeto. "Mas apresentamos uma visão muito diferente da que o
presidente tem, então nesse
sentido podemos ser vistos
dessa maneira."
O projeto defende idéias como o "princípio do canivete
suíço" e um "Conselho de Democracias" do qual o Brasil faria parte, mas seu princípio é o
de uma nova ordem mundial liberal (baseada em instituições
e regras comuns) e sua base é o
diálogo e a força como última
opção -o que chama de "fusão
do poder de coerção ao poder
de atração".
"Seria ingênuo achar que o
estudo vai se tornar a base de
uma nova estratégia consensual", escreve o britânico Timothy Garton Ash, professor
de Estudos Europeus de Oxford. "Afinal, Rumsfeld saiu,
mas Bush e Cheney continuam
na Casa Branca." De qualquer
maneira, conclui, o estudo ao
menos mostra quão mais complexo e multipolar é o mundo
de 2006.
(SÉRGIO DÁVILA)
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