São Paulo, domingo, 12 de novembro de 2006

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ELEIÇÕES NOS EUA / SEM EIXO DO MAL

Política externa deve mudar sob pressão

Saem de cena os falcões militaristas, entram os "realistas" e ganha peso o bipartidário Grupo de Estudos do Iraque

Democratas já definiram equipe para comissões que tratarão de diplomacia e segurança nacional na Câmara e no Senado


DE WASHINGTON

Ao dizer pela primeira vez que aceitava sugestões sobre como conduzir a Guerra do Iraque, na quarta-feira, George W. Bush abriu uma fresta na porta de sua política externa na qual os democratas foram rápidos em colocar o pé. Até então conduzidas com certeza dogmática pelo presidente republicano, as ações dos EUA no exterior foram questionadas em forma de voto nas eleições.
Com a brecha, dois estudos de dois grupos bipartidários começam a ganhar força. O primeiro e mais importante é o Grupo de Estudos do Iraque (ISG, na sigla em inglês), comissão conduzida pelo ex-secretário de Estado republicano James Baker e o ex-congressista democrata Lee Hamilton.
Na sexta-feira, a Casa Branca divulgou que o presidente receberá o ISG nesta semana. Seu novo secretário de Defesa, Robert Gates, faz parte do grupo.
Não se sabe ainda as recomendações que o ISG fará, mas a tendência é óbvia: saem de cena os falcões militaristas, entram os "realistas". Do primeiro grupo fazia parte Donald Rumsfeld, o secretário defenestrado, e seu núcleo duro já não está mais no governo (Paul Wolfowitz foi para o Banco Mundial e Douglas Feith está na Universidade Stanford).
Entre os "realistas" estão James Baker e o próprio Gates. O novo secretário de Defesa defendeu, em estudo para o Conselho de Relações Exteriores, em 2004, negociações diretas entre os EUA e o Irã, algo que era tratado como palavrão pela Casa Branca.

Equipe democrata
Não mais. Pensamento semelhante vem do novo Capitólio, onde os democratas já preparam seu time de política externa para comitês de ambas as Casas. Para o Comitê de Relações Exteriores, por exemplo, deve ir o senador Joseph Biden, que já viajou ao Iraque seis vezes e defende a divisão administrativa do país em três (idéia que parece encontrar simpatia no grupo de estudos).
Seu equivalente na Câmara dos Representantes será Tom Lantos, aos 78 anos o único sobrevivente do Holocausto que é membro do Congresso. No partido, todos se unem quanto à retirada das tropas norte-americanas, mas há pouco consenso quanto a como e quando. O Grupo de Estudos do Iraque pode funcionar como um catalisador, não só entre republicanos e democratas, mas entre democratas e democratas.
Tarefa mais difícil será unir os políticos em outros aspectos da política externa que não a Guerra do Iraque -afinal, esse foi o único tópico citado pela maioria dos eleitores. O terrorismo, em geral, entrou como uma das preocupações, mas temas mais específicos, como a situação do Oriente Médio, foram citados por uma minoria.
Entra em cena o estudo de um segundo grupo bipartidário, o Projeto Princeton de Segurança Nacional, lançado há dois anos por aquela universidade, mas deixado de lado por conta do ambiente político da época. Ambicioso, tem a seu favor o fato de unir nomes tão díspares quanto George Shultz, ex-secretário de Estado de Reagan, e Joseph Nye, que consagrou a expressão "soft power" (a conquista pela persuasão).
"Não temos a pretensão de ser a política externa alternativa", disse à Folha John Ikenberry, um dos autores do projeto. "Mas apresentamos uma visão muito diferente da que o presidente tem, então nesse sentido podemos ser vistos dessa maneira."
O projeto defende idéias como o "princípio do canivete suíço" e um "Conselho de Democracias" do qual o Brasil faria parte, mas seu princípio é o de uma nova ordem mundial liberal (baseada em instituições e regras comuns) e sua base é o diálogo e a força como última opção -o que chama de "fusão do poder de coerção ao poder de atração".
"Seria ingênuo achar que o estudo vai se tornar a base de uma nova estratégia consensual", escreve o britânico Timothy Garton Ash, professor de Estudos Europeus de Oxford. "Afinal, Rumsfeld saiu, mas Bush e Cheney continuam na Casa Branca." De qualquer maneira, conclui, o estudo ao menos mostra quão mais complexo e multipolar é o mundo de 2006. (SÉRGIO DÁVILA)


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