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Ex-recrutas chilenos ameaçam revelar crimes da ditadura
Integrantes do serviço militar obrigatório durante governo Pinochet dizem que também se consideram vítimas do regime
Confissões seriam um ato de "redenção pessoal", dizem ex-soldados; ameaça surge após falta de respostas do governo para demandas
THIAGO GUIMARÃES
DA REPORTAGEM LOCAL
Em campanha para obter indenização do Estado, recrutas
do serviço militar obrigatório
durante a ditadura no Chile
(1973-1990) ameaçam revelar
crimes do regime comandado
pelo general Augusto Pinochet
(1915-2006).
Os ex-soldados alegam ter
sofrido danos psicológicos e físicos nos quartéis e querem ser
reconhecidos como vítimas da
ditadura. Reivindicam pensões,
cobertura médica e compensação econômica, mas dizem que
a promessa de quebrar o silêncio de décadas é uma questão
de "redenção pessoal".
"Estamos dispostos a dizer o
que vimos e vivemos, porque
não devemos lealdade a ninguém. As pessoas a quem devíamos lealdade não são leais conosco. Hoje fingir que não tenhamos tido responsabilidade
ou participação em violações a
direitos humanos seria como
tapar o sol com a peneira", disse
à Folha Fernando Mellado, 55.
Recruta de 1973 a 1975, Mellado é presidente da divisão
Santiago da Agrupação de Ex-Soldados Conscritos, que reúne 8.500 ex-soldados na capital
chilena e 70 mil no país. Diz
que os chilenos devem entender como era receber um fuzil
aos 18 anos e participar de um
regime que, segundo dados oficiais, deixou 2.008 mortos e
1.183 desaparecidos.
Mellado lidera o lobby que
há cinco anos tenta obter, pela
via política, reparação semelhante a dos exonerados políticos ou parentes de vítimas do
regime. A ameaça de revelar os
crimes da ditadura, contudo, é
recente, resultado da falta de
respostas oficiais.
"Queremos falar, mas por redenção e expiação pessoal. Depois de 36 anos, ainda acordo
sobressaltado à noite. Poderia
ter evitado uma surra a um civil
se tivesse feito algo?", diz.
Em agosto, o governo Michelle Bachelet, que trata o tema
dos crimes da ditadura com
cautela, deixando demandas
nas mãos da Justiça, fez uma
proposta aos ex-recrutas. Ofereceu aumentar pensões inferiores a R$ 235 e cobertura médica para quem teve invalidez
certificada pelo Exército.
Por não serem militares de
carreira, porém, os ex-recrutas
não têm direito aos benefícios.
"É uma proposta vazia", criticou Mellado.
Protesto
No ultimo dia 31, centenas de
ex-soldados se reuniram em
frente à sede do governo para
protestar. Entre eles José Paredes, acusado da morte do cantor e compositor Victor Jara,
um dos mais populares artistas
chilenos à época, morto quatro
dias após o golpe, apoiado por
Brasil e EUA, que derrubou o
socialista Salvador Allende.
Para Mellado, o caso de Paredes denota contradição do Estado no trato aos ex-recrutas:
reparações estão prescritas,
mas crimes não. "Dizem que
está tudo prescrito, mas prendem um ex-soldado por assassinato." Hoje Paredes responde
ao crime em liberdade.
O líder dos ex-recrutas diz
que nenhum órgão oficial manifestou interesse em ouvir
seus relatos. Afirma que só procurarão a Justiça se tiverem garantia de imunidade.
Para o analista político Raúl
Sohr, as demandas dos ex-recrutas não têm tido muita repercussão no país. "A maioria
das pessoas percebeu o caso
mais como uma demanda individual do que como uma contribuição à Justiça", disse.
Sohr também minimiza a importância das eventuais confissões. "As provas que podem entregar têm valor relativo, pois a
memória é débil. Se interrogados duramente por um juiz, podem cometer imprecisões."
Procurado, o Ministério da
Defesa do Chile não respondeu.
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