São Paulo, quinta-feira, 12 de novembro de 2009

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Ex-recrutas chilenos ameaçam revelar crimes da ditadura

Integrantes do serviço militar obrigatório durante governo Pinochet dizem que também se consideram vítimas do regime

Confissões seriam um ato de "redenção pessoal", dizem ex-soldados; ameaça surge após falta de respostas do governo para demandas


THIAGO GUIMARÃES
DA REPORTAGEM LOCAL

Em campanha para obter indenização do Estado, recrutas do serviço militar obrigatório durante a ditadura no Chile (1973-1990) ameaçam revelar crimes do regime comandado pelo general Augusto Pinochet (1915-2006).
Os ex-soldados alegam ter sofrido danos psicológicos e físicos nos quartéis e querem ser reconhecidos como vítimas da ditadura. Reivindicam pensões, cobertura médica e compensação econômica, mas dizem que a promessa de quebrar o silêncio de décadas é uma questão de "redenção pessoal".
"Estamos dispostos a dizer o que vimos e vivemos, porque não devemos lealdade a ninguém. As pessoas a quem devíamos lealdade não são leais conosco. Hoje fingir que não tenhamos tido responsabilidade ou participação em violações a direitos humanos seria como tapar o sol com a peneira", disse à Folha Fernando Mellado, 55.
Recruta de 1973 a 1975, Mellado é presidente da divisão Santiago da Agrupação de Ex-Soldados Conscritos, que reúne 8.500 ex-soldados na capital chilena e 70 mil no país. Diz que os chilenos devem entender como era receber um fuzil aos 18 anos e participar de um regime que, segundo dados oficiais, deixou 2.008 mortos e 1.183 desaparecidos.
Mellado lidera o lobby que há cinco anos tenta obter, pela via política, reparação semelhante a dos exonerados políticos ou parentes de vítimas do regime. A ameaça de revelar os crimes da ditadura, contudo, é recente, resultado da falta de respostas oficiais.
"Queremos falar, mas por redenção e expiação pessoal. Depois de 36 anos, ainda acordo sobressaltado à noite. Poderia ter evitado uma surra a um civil se tivesse feito algo?", diz.
Em agosto, o governo Michelle Bachelet, que trata o tema dos crimes da ditadura com cautela, deixando demandas nas mãos da Justiça, fez uma proposta aos ex-recrutas. Ofereceu aumentar pensões inferiores a R$ 235 e cobertura médica para quem teve invalidez certificada pelo Exército.
Por não serem militares de carreira, porém, os ex-recrutas não têm direito aos benefícios. "É uma proposta vazia", criticou Mellado.

Protesto
No ultimo dia 31, centenas de ex-soldados se reuniram em frente à sede do governo para protestar. Entre eles José Paredes, acusado da morte do cantor e compositor Victor Jara, um dos mais populares artistas chilenos à época, morto quatro dias após o golpe, apoiado por Brasil e EUA, que derrubou o socialista Salvador Allende.
Para Mellado, o caso de Paredes denota contradição do Estado no trato aos ex-recrutas: reparações estão prescritas, mas crimes não. "Dizem que está tudo prescrito, mas prendem um ex-soldado por assassinato." Hoje Paredes responde ao crime em liberdade.
O líder dos ex-recrutas diz que nenhum órgão oficial manifestou interesse em ouvir seus relatos. Afirma que só procurarão a Justiça se tiverem garantia de imunidade.
Para o analista político Raúl Sohr, as demandas dos ex-recrutas não têm tido muita repercussão no país. "A maioria das pessoas percebeu o caso mais como uma demanda individual do que como uma contribuição à Justiça", disse.
Sohr também minimiza a importância das eventuais confissões. "As provas que podem entregar têm valor relativo, pois a memória é débil. Se interrogados duramente por um juiz, podem cometer imprecisões."
Procurado, o Ministério da Defesa do Chile não respondeu.


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