|
Próximo Texto | Índice
Velório de Pinochet expõe divisões e feridas chilenas
Sob 29ºC, 15 mil esperam até oito horas por três segundos diante do caixão de ditador
Filho do general barra a presença de membros do governo na cerimônia, realizada sem honras de chefe de Estado, só militares
BRUNO LIMA
ENVIADO ESPECIAL A SANTIAGO
O primeiro dia do Chile sem
seu mais controvertido personagem -o ditador Augusto Pinochet Ugarte, que comandou
o país de 1973 a 1990 e que morreu anteontem aos 91 anos-
expôs ao mundo as feridas
abertas na política e no povo
chileno e se materializou em
violência e choro em diversos
pontos de Santiago.
Ontem, sob o sol e um calor
de 29 ºC, pelo menos 15 mil
pessoas esperaram até cerca de
oito horas na fila para ficar três
segundos diante do caixão de
Pinochet, cujo rosto podia ser
visto pelo vidro. Com farda de
gala, o general foi velado em
uma capela improvisada no salão de honra da mesma escola
militar em que prestou serviços
como tenente e capitão nos
anos 40 e 50.
Com a presença do chefe da
Igreja Católica chilena, cardeal
Francisco Javier Errázuriz, que
pediu "que Deus não leve em
conta os males" de Pinochet, foi
cantado o hino nacional, incluindo o verso que cita os "valentes soldados chilenos", que
não é cantado oficialmente
desde a redemocratização.
Marco Antonio Pinochet, filho do ditador, disse que, por
"respeito à família", gostaria
que nenhum membro do governo chileno fosse aos ritos fúnebres de ontem e hoje. O governo do Chile, no entanto,
confirmou que a ministra da
defesa, Vivianne Soza, comparecerá ao funeral.
Pinochet, que deve ser cremado hoje após uma missa ao
ar livre, não recebeu honras de
chefe de Estado por decisão da
presidente Michelle Bachelet.
Teve direito apenas aos rituais
destinados a ex-comandantes-chefes do Exército.
Violência
Ontem, Bachelet disse que
"pensou no bem do país" para
tomar sua decisão e disse ver
com pesar as manifestações
violentas ocorridas na cidade.
Entre a noite de anteontem e
a madrugada de ontem, manifestações em todo o Chile terminaram com 99 detidos e 43
policiais militares feridos.
Houve saques a lojas, vandalismo, queima de carros e ônibus.
A polícia usou gás lacrimogêneo contra centenas de pessoas
que celebravam no centro de
Santiago, perto do Palácio de
La Moneda, sede do governo, a
morte do ditador como se fosse
uma vitória de futebol, com
cerveja e buzinaço.
Havia pessoas até de madrugada no local -várias delas com
a bandeira do Partido Comunista. "É carnaval, já morreu o
general", cantavam. "Olê, olê,
morreu o "Perrochet" [referência à palavra perro, que em espanhol pode significar cão]."
Em frente ao Hospital Militar, onde morreu Pinochet, admiradores do ditador esperavam o translado do corpo. "Sou
muito grata a ele porque salvou
meu país de ser uma segunda
Cuba", afirmou Milena Izquierdo, 51. Na fila para ver o
corpo, a aposentada Berta Sales, 80, dizia que os sistemas de
saúde e Previdência chilenos
são os deixados por Pinochet.
"Vim com minha empregada.
Ambas amamos Pinochet. Há
gente de todas as classes."
Divisões
No Chile, é bem mais definida do que em outros países da
América Latina a separação política entre esquerda e direita.
Pinochet, como figura política,
ajuda a evidenciar essa marca.
Os comunistas foram os que
mais ostensivamente comemoraram nas ruas a morte do ditador. Eles integravam a Unidade
Popular de Salvador Allende,
derrubado por Pinochet em
1973, mas hoje são minoritários
e estão fora da Concertação,
coalizão formada por socialistas e democrata-cristãos que
governa o Chile desde 1990.
Mas setores políticos mais
conservadores também já haviam rompido com Pinochet
antes da morte. Na direita mais
extrema, a UDI (União Democrática Independente), o grande baque veio com a revelação
das contas milionárias mantidas por Pinochet nos EUA.
Próximo Texto: Nas ruas, champanhe para uns, luto para outros Índice
|