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Eleito de Putin o quer como premiê
Dmitri Medvedev, apoiado pelo presidente russo para disputar sua sucessão, vai à TV defender manutenção
Mais independente que seus ex-rivais, atual vice-premiê deixa menos óbvio futuro papel do chefe; nome do Kremlin lidera pesquisas
IGOR GIELOW
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Dmitri Medvedev cumpriu
sua parte no ritual de manutenção do poder de Vladimir Putin
após a eleição presidencial de
2008 na Rússia. Um dia depois
de ser anunciado o candidato
do Kremlin para a quase certa
vitória em março, o atual vice-premiê "apelou" ao atual presidente para "dar seu consentimento" em ser primeiro-ministro. Não se deu ao trabalho
de usar condicionais, como "caso seja eleito".
Em discurso exibido na TV
estatal, Medvedev fez uma defesa dos anos Putin, elogiando a
atitude mais agressiva do país
em assuntos internacionais e
estabilidade econômica e política obtida a partir de 2000. E
prometeu combater a pobreza,
revitalizar indústrias e reverter
o declínio demográfico russo.
"Para continuarmos neste
caminho, não é suficiente eleger um novo presidente que
compartilhe essa ideologia.
Não é menos importante manter a eficiência do time formado pelo próximo presidente.
Por isso eu acho extremamente
importante para nosso país
manter Vladimir Vladimirovitch Putin na posição mais importante no Poder Executivo,
no posto de chefe de governo."
Putin, os líderes do Rússia
Unida e da quarta força no Parlamento, o Rússia Justa, haviam ungido Medvedev anteontem. O presidente lembrou de sua relação de 17 anos
com o indicado, que é conhecido como membro baixinho e
engraçadinho na relação com a
imprensa da "turma dos advogados", ala do Kremlin que é
oriunda do serviço civil de São
Petersburgo, cidade de Putin.
Democracia russa
Com isso, a visão geral de que
a democracia da Rússia do século 21 não passa de um jogo de
cartas marcadas é validada,
ainda que tudo esteja dentro do
espectro legal. Mas há algumas
dúvidas sobre a estratégia.
Primeiro, não há registro de
um líder russo que tenha aceitado abdicar do poder do cargo.
No fim dos anos 90, o premiê
Ievguêni Primakov superava
em força política o presidente
Boris Ielstin, mas este usou de
sua prerrogativa para afastá-lo.
Como diz o estrategista-chefe do banco Uralsib, Chris Weafer, "Medvedev é mais independente que outros membros da
administração, e o papel de Putin não é tão óbvio".
Segundo, a escolha de Medvedev por Putin escanteou o
outro vice-premiê, o poderoso
Serguei Ivanov, que tem apoio
dos grupos ligados aos serviços
secretos e aos militares. É incógnita como ele e seus aliados
agirão num governo Medvedev
-pesquisas indicam que qualquer nome apoiado por Putin
deverá vencer o pleito.
A novela da sucessão começou em outubro, quando Putin
descartou mudanças constitucionais para reeleger-se para
um terceiro mandato e escolheu o partido Rússia Unida para liderar nas eleições parlamentares do dia 2 passado. Indicou naquele momento que
poderia vir a ser premiê.
Com a bonança econômica
resultante da alta do gás e do
petróleo, medidas de controle
estatal dos canais de TV, enfraquecimento dos governos regionais e apoio do empresariado atraído à esfera estatal, a
oposição perdeu discurso.
A repressão policial ao movimento Outra Rússia é sinal do
amordaçamento político dos
poucos opositores, mas não esconde o fato de que a frente suprapartidária liderada por
Garry Kasparov não tem representatividade entre os russos.
Resultado: com algumas acusações de fraudes, o Rússia
Unida ganhou 70% da Duma
(Parlamento) -e o apoio total a
Putin chega a 87% dos 450 lugares. Eleito deputado, Putin
deve suspender sua posse até o
fim da campanha presidencial,
pois não pode exercer dois
mandatos ao mesmo tempo.
A escolha de Medvedev é opção legalista e astuta. Legalista
porque, com um presidente leal
a Putin e sem força política aparente, afasta-se a idéia de que
ele abdicaria em favor do antecessor. Se o escolhido fosse o
atual premiê, Victor Zubkov,
essa alternativa ganharia força.
Com Medvedev, Putin poderia
simplesmente exercer poder,
sem recorrer ao "tapetão".
E astuta porque, além de ser
fraco hoje, Medvedev é visto
como expoente da ala mais liberal do Kremlin, embora sua
atuação na empresa mais poderosa do país, a estatal de gás
Gazprom, revele ambigüidades. Seu papel na tomada pela
Gazprom da rede de TV oposicionista NTV e em ações que levaram à destruição da petroleira Yukos ainda é questionado.
De todo modo, sua indicação
é um aceno ao Ocidente cada
vez mais crítico à Rússia. Se o
candidato do Kremlin fosse o
linha-dura Ivanov, a mensagem seria outra.
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