São Paulo, quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

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Eleito de Putin o quer como premiê

Dmitri Medvedev, apoiado pelo presidente russo para disputar sua sucessão, vai à TV defender manutenção

Mais independente que seus ex-rivais, atual vice-premiê deixa menos óbvio futuro papel do chefe; nome do Kremlin lidera pesquisas

IGOR GIELOW
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA


Dmitri Medvedev cumpriu sua parte no ritual de manutenção do poder de Vladimir Putin após a eleição presidencial de 2008 na Rússia. Um dia depois de ser anunciado o candidato do Kremlin para a quase certa vitória em março, o atual vice-premiê "apelou" ao atual presidente para "dar seu consentimento" em ser primeiro-ministro. Não se deu ao trabalho de usar condicionais, como "caso seja eleito".
Em discurso exibido na TV estatal, Medvedev fez uma defesa dos anos Putin, elogiando a atitude mais agressiva do país em assuntos internacionais e estabilidade econômica e política obtida a partir de 2000. E prometeu combater a pobreza, revitalizar indústrias e reverter o declínio demográfico russo.
"Para continuarmos neste caminho, não é suficiente eleger um novo presidente que compartilhe essa ideologia. Não é menos importante manter a eficiência do time formado pelo próximo presidente. Por isso eu acho extremamente importante para nosso país manter Vladimir Vladimirovitch Putin na posição mais importante no Poder Executivo, no posto de chefe de governo."
Putin, os líderes do Rússia Unida e da quarta força no Parlamento, o Rússia Justa, haviam ungido Medvedev anteontem. O presidente lembrou de sua relação de 17 anos com o indicado, que é conhecido como membro baixinho e engraçadinho na relação com a imprensa da "turma dos advogados", ala do Kremlin que é oriunda do serviço civil de São Petersburgo, cidade de Putin.

Democracia russa
Com isso, a visão geral de que a democracia da Rússia do século 21 não passa de um jogo de cartas marcadas é validada, ainda que tudo esteja dentro do espectro legal. Mas há algumas dúvidas sobre a estratégia.
Primeiro, não há registro de um líder russo que tenha aceitado abdicar do poder do cargo. No fim dos anos 90, o premiê Ievguêni Primakov superava em força política o presidente Boris Ielstin, mas este usou de sua prerrogativa para afastá-lo.
Como diz o estrategista-chefe do banco Uralsib, Chris Weafer, "Medvedev é mais independente que outros membros da administração, e o papel de Putin não é tão óbvio".
Segundo, a escolha de Medvedev por Putin escanteou o outro vice-premiê, o poderoso Serguei Ivanov, que tem apoio dos grupos ligados aos serviços secretos e aos militares. É incógnita como ele e seus aliados agirão num governo Medvedev -pesquisas indicam que qualquer nome apoiado por Putin deverá vencer o pleito.
A novela da sucessão começou em outubro, quando Putin descartou mudanças constitucionais para reeleger-se para um terceiro mandato e escolheu o partido Rússia Unida para liderar nas eleições parlamentares do dia 2 passado. Indicou naquele momento que poderia vir a ser premiê.
Com a bonança econômica resultante da alta do gás e do petróleo, medidas de controle estatal dos canais de TV, enfraquecimento dos governos regionais e apoio do empresariado atraído à esfera estatal, a oposição perdeu discurso.
A repressão policial ao movimento Outra Rússia é sinal do amordaçamento político dos poucos opositores, mas não esconde o fato de que a frente suprapartidária liderada por Garry Kasparov não tem representatividade entre os russos.
Resultado: com algumas acusações de fraudes, o Rússia Unida ganhou 70% da Duma (Parlamento) -e o apoio total a Putin chega a 87% dos 450 lugares. Eleito deputado, Putin deve suspender sua posse até o fim da campanha presidencial, pois não pode exercer dois mandatos ao mesmo tempo.
A escolha de Medvedev é opção legalista e astuta. Legalista porque, com um presidente leal a Putin e sem força política aparente, afasta-se a idéia de que ele abdicaria em favor do antecessor. Se o escolhido fosse o atual premiê, Victor Zubkov, essa alternativa ganharia força. Com Medvedev, Putin poderia simplesmente exercer poder, sem recorrer ao "tapetão".
E astuta porque, além de ser fraco hoje, Medvedev é visto como expoente da ala mais liberal do Kremlin, embora sua atuação na empresa mais poderosa do país, a estatal de gás Gazprom, revele ambigüidades. Seu papel na tomada pela Gazprom da rede de TV oposicionista NTV e em ações que levaram à destruição da petroleira Yukos ainda é questionado.
De todo modo, sua indicação é um aceno ao Ocidente cada vez mais crítico à Rússia. Se o candidato do Kremlin fosse o linha-dura Ivanov, a mensagem seria outra.


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