São Paulo, domingo, 13 de fevereiro de 2011

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ANÁLISE REVOLTA ÁRABE

Crise econômica foi a maior razão da queda

Apesar de realizações iniciais significativas, Mubarak sucumbiu à revolta contra a repressão política e a miséria

SIMON TISDALL
DO "GUARDIAN"

A Presidência de Hosni Mubarak nasceu em meio a tiros e sangue e terminou também de modo dramático.
Como vice-presidente, ele estava sentado ao lado de Anwar Sadat em uma parada do Exército no Cairo, em 6 de outubro de 1981, quando soldados simpatizantes do islamismo voltaram suas armas contra o líder e o mataram.
Mubarak escapou por pouco. Oito dias mais tarde, tomou posse como o terceiro presidente do Egito.
A atitude de Mubarak para com seu povo variava entre paternalista, distante e repressiva. Ainda que alegasse amar seus compatriotas, não confiava neles e manteve em vigor por todo o seu reino as severas leis de estado de emergência impostas quando do assassinato de Sadat.
Comandando um regime determinadamente laico e pró-ocidental, reprimia até mesmo os partidos islâmicos moderados e fez da Irmandade Muçulmana um fantasma com o qual mantinha os americanos assustados.
Imperioso, abstêmio (não bebe nem fuma) e intensamente reservado, ele sugeria que os egípcios tinham sorte por tê-lo no comando.
Sem sua presença, afirmava repetidamente, só haveria o caos. E essa alegação que garantia a estabilidade se tornou, de fato, base única de sua plataforma eleitoral.
Apesar da sua vaidade e de suas deficiências, as realizações iniciais de Mubarak foram significativas. Ele governou com mão firme para acalmar os tumultos que se seguiram à morte de Sadat e, num momento de grande perigo, manteve o país unido.
Diante do ostracismo imposto pelos países árabes e muçulmanos ao Egito depois do tratado de paz que Sadat assinou com Israel, em 1979, ele trabalhou para restaurar as relações e obteve sucesso.
O mais importante, ao menos do ponto de vista ocidental, é que Mubarak manteve a paz, ainda que paz fria, com Israel e fortaleceu a aliança entre seu país e os EUA.
O ditador recebeu bilhões em assistência militar norte-americana e com ela equipou e recompensou o Exército, do qual seu poder dependia.
O histórico de Mubarak na política interna impressiona menos, e seus fracassos -políticos, econômicos e de liderança- são a causa de sua queda. Ele sempre se recusou a aceitar oposição séria e manipulou as eleições com desavergonhada eficiência.
Mesmo quando permitiu eleições pluripartidárias pela primeira vez, em 2005, sob pressão de George W. Bush, a votação foi pesadamente manipulada em seu favor.
O estado de emergência, as rotineiras detenções sem julgamento, a tortura de oponentes, as execuções de militantes islâmicos, as restrições draconianas à liberdade de expressão e o bloqueio da internet levaram os egípcios a se queixarem de que viviam numa prisão aberta.
No entanto, as causas principais da queda de Mubarak foram econômicas, e não políticas. As queixas de um número relativamente pequeno de ativistas jovens, urbanos, laicos e de classe média deflagraram as inquietações, mas não bastariam para uma revolução.
Mas, quando as legiões dos trabalhadores pobres egípcios aderiram ao movimento, quando os exércitos dos desempregados saíram às ruas e quando os soldados rasos disseram a seus comandantes que não obedeceriam ordens de reprimir as manifestações, o sucesso da revolução estava garantido.
No Egito, milhões de pessoas ainda vivem precariamente abaixo da linha da pobreza, e uma sucessão de governos formados por políticos, empresários e tecnocratas corruptos e indiferentes não foi capaz de criar uma vida melhor para as massas.
O Egito de Mubarak, como outros países árabes mal geridos por líderes autocráticos, simplesmente não foi capaz de acompanhar o planeta. Como sabem os chineses, existe um compromisso entre governantes e governados: a aceitação de uma falta de liberdade política em troca de maior prosperidade.
Mubarak não propiciou resultados em nenhuma das duas frentes. E por isso, em meio a tiros, sangue e depois celebração nacional, o povo egípcio o baniu, como um faraó, ao além político.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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