São Paulo, sábado, 13 de março de 2004

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ATENTADOS EM MADRI

Oposição insinua que governo possa estar escondendo indícios que levem à Al Qaeda; telefonema anônimo nega autoria do ETA

De luto, Espanha se pergunta quem foi

Sergio Perez/Reuters
Centenas de milhares de pessoas participam de marcha no centro de Madri em protesto contra os atentados de anteontem contra trens na capital espanhola que mataram ao menos 199 pessoas

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA, EM MADRI

"Quién? Por que?"
Um improvisado cartaz com essas duas perguntas, molhado pela chuva que caiu durante toda a fenomenal manifestação de protesto contra o terrorismo, na tarde/ noite de ontem em Madri, indica que a sociedade espanhola ainda não sabe, mas tem pressa em saber quem matou 199 pessoas e feriu 1.463 na manhã de anteontem.
O governo voltou ontem a apontar todos os dedos para o ETA (Euskadi Ta Askatasuna ou Pátria Basca e Liberdade), o grupo terrorista que luta pela independência do País Basco (norte).
"Não há nenhum motivo para que o ETA não seja a principal linha de investigação", disse o ministro do Interior, Ángel Acebes.
Na noite anterior, Acebes lançara, quase casualmente, um motivo para outra linha de investigação, a do terrorismo islâmico, mais especificamente a Al Qaeda. Informou que, em um furgão apreendido em Alcalá de Henares, ponto de partida dos "trens da morte", foram encontrados sete detonadores e uma fita gravada com versículos do Alcorão.
Ontem, no entanto, Acebes citou mais de um motivo para priorizar o ETA: 1 - A forma dos ataques guardaria relação com tentativas anteriores do grupo basco, como os frustrados atentados no Réveillon de 2002, depois no de 2003 e, mais recentemente, a apreensão de 500 quilos de explosivos em um veículo que se dirigia a Madri. Segundo Acebes, em todos os casos, o objetivo era colocar "12 a 13 explosivos em diferentes lugares", exatamente como aconteceu quinta (13 bombas em quatro trens). 2 - A polícia encontrou num dos trens uma maleta com explosivos, ligados a um celular, que funcionaria como "timer", mas que falhou. O explosivo, disse ele, era "uma versão atualizada do que o ETA usava".
3 - Em contato com o ministro britânico do Interior, Acebes ouviu muitas dúvidas sobre a autenticidade do comunicado enviado a um jornal árabe de Londres por um grupo terrorista ligado à Al Qaeda, as Brigadas de Abu Hafs al Masri, reivindicando os ataques.
Conclusão do ministro: "Não há dados confiáveis que apontem em outra direção que não seja o ETA. Ninguém nos deu informações sobre um grupo islâmico".
Mas a polícia científica deixou vazar que há, sim, diferenças entre os detonadores encontrados no carro com a fita em árabe e os usados habitualmente pelo ETA. O grupo terrorista usa detonadores de alumínio, não de cobre, como os que foram encontrados.
É um tênue indício. Nada impede que o ETA tenha atualizado seus detonadores, tal como o fez, segundo Acebes, com o tipo de dinamite (comprado na Espanha).
De todo modo, o ETA ou, ao menos, alguém que se identificou como dirigente do grupo, telefonou para o jornal basco "Gara" e para a TV basca ETB para negar a autoria do atentado.
"O ETA não tem nenhuma responsabilidade", disse o informante ao "Gara", jornal geralmente usado pelo grupo para assumir atentados. À ETB, disse que sua voz poderia ser confrontada com a de um dos dirigentes do ETA que, em fevereiro, anunciou uma trégua na Catalunha.

Ocultação?
A dúvida sobre a autoria provocou divergências entre governo e oposição, a dois dias da eleição geral de domingo, cuja campanha foi suspensa após os atentados.
O secretário de Organização do opositor PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol), José Blanco, disse suspeitar que o governo estivesse ocultando a verdade até as eleições de domingo.
Blanco acha que "há suspeitas fundamentadas de implicação do terrorismo internacional".
Na mesma linha foi o secretário-geral da Esquerda Republicana da Catalunha, que faz parte do governo catalão em coligação com os socialistas. "Exigimos que Aznar esclareça aos cidadãos antes das eleições se o massacre é obra da Al Qaeda", disse Josep Lluis Carod Rovira.
Por fim, Juan José Ibarretxe, o "lehendakari", presidente do País Basco, afirmou que que "vítimas e familiares têm o direito de conhecer quem é o autor da barbárie".
Como é óbvio, o premiê José María Aznar (centro-direita), negou qualquer ocultação de fatos e ironizou: "Não façam "quinielas" [uma das loterias espanholas]".
"O governo deu toda a informação de que dispunha", afirmou. Lembrou ainda que telefonou duas vezes a Mariano Rajoy, candidato de seu próprio partido no domingo, e para o líder socialista e adversário de Rajoy, José Luis Rodríguez Zapatero, além dos diretores dos principais jornais, para informar sobre a situação.
Aznar defendeu seu ministro do Interior por ter, a princípio, culpado unicamente o ETA para só bem mais tarde introduzir a chamada "pista islâmica". O governo, disse seu chefe, responsabilizou diretamente o ETA pelos "muitos indícios que, como hipótese lógica, apontam para ela".
Para as vítimas, não faz diferença se quem os atingiu foi o ETA ou a Al Qaeda. Mas, política e talvez eleitoralmente, é relevante.
Se foi o ETA, o PSOE paga o preço de ser acusado reiteradamente pelo governo de ser brando com os terroristas bascos. Já, se for Al Qaeda, o preço será pago pelo PP (Partido Popular, de Aznar e Rajoy), porque foi à guerra no Iraque contra a opinião da grande maioria dos espanhóis.
Até ontem, segundo a Secretaria de Justiça, foram identificados os corpos de 153 vítimas.


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