São Paulo, sábado, 13 de março de 2004

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Brasileiro ferido trocou EUA por Espanha

Mãe diz que Adeíldo preferia visitar os EUA, mas não foi por medo de terror; ele está sedado e passa bem, segundo o irmão

DO COLUNISTA DA FOLHA

Adeíldo Alves dos Santos num momento estava jogando no seu celular para, no momento seguinte, acordar no hospital 12 de Octubre, com fraturas no crânio, na clavícula e na mandíbula.
A diferença entre um momento e outro foram horas e horas, mas esse serralheiro brasileiro de 28 anos só se lembra que, enquanto jogava no celular, houve uma explosão. A lembrança seguinte já foi no hospital, depois de uma operação que só terminou às 4h de ontem (meia-noite de anteontem em Brasília).
Adeíldo foi uma das duas vítimas brasileiras dos atentados de anteontem em Madri. Seu irmão, Josiel, 26, conta que a médica que o examinou na tarde de ontem disse que o paciente estava "razoavelmente bem", mas ainda corre risco de uma infecção no cérebro que pode "prejudicar outras partes do corpo", relata Josiel.
O próprio Adeíldo não pode falar, porque é mantido sedado. "Ele ainda sente muitas dores, e os médicos acham melhor mantê-lo sedado, para que se movimente pouco", conta o irmão, um montador de carpetes de madeira que vive há cinco anos em Madri.
O celular com que Adeíldo brincava mandou uma mensagem para o celular da namorada, em que dizia algo como "caiu, caiu". O irmão acredita que o telefone tenha sido acionado involuntariamente por Adeíldo e o que se ouviu foram os gritos dos passageiros.
Josiel não via o irmão havia cinco anos. Por isso, convidou-o a visitá-lo em Madri. Adeíldo chegou em dezembro, "de férias", segundo o irmão. Foi vítima do atentado exatamente quando ia fazer um bico: colocar janelas, a convite de um amigo.
A ironia é que Adeíldo preferia ir para os EUA, mas, por medo de terrorismo, decidiu viajar para Madri. "Ele achou mais seguro ir para a Espanha", contou a mãe, Zenilda, à Agência Folha, em Colniza (MT).
"Eu pedia ao Josiel: "Meu filho, vem embora, vem embora". Na época, eu fiquei desesperada, mas ele falava "não, mãe, não é aqui [na Espanha], [os ataques] estão acontecendo longe daqui"."

Cidadania concedida
Tanto Josiel como Adeíldo, em tese, podem se beneficiar da decisão, anunciada ontem pelo premiê José María Aznar, de conceder nacionalidade espanhola a todas as vítimas e a seus familiares.
"Será que eu tenho direito?", pergunta Josiel -ele e o irmão são os dois únicos membros da família que estão na Espanha.
Se Adeíldo foi a única vítima brasileira até agora identificada, os estrangeiros mortos foram 24, de 12 diferentes países, segundo o governo.
A Prefeitura de Madri e a Comunidade de Madri (instância administrativa algo mais abrangente que um Estado no Brasil) se encarregará dos gastos de repatriação dos cadáveres.
As autoridades suspeitam que, dos 58 mortos que não haviam sido identificados até o fim da tarde de ontem, boa parte possa ser formada por estrangeiros em situação irregular na Espanha.
Seus parentes, na mesma condição, teriam medo de procurar assistência, por falta de documentação. O anúncio de Aznar certamente eliminará o medo.
(CLÓVIS ROSSI)


Colaborou a Agência Folha, em Campo Grande


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