São Paulo, sábado, 13 de março de 2010

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OPINIÃO

Falas de Lula ilustram desafio diplomático

CLAUDIA ANTUNES
DA SUCURSAL DO RIO

AO EQUIPARAR dissidentes em Cuba a presos comuns, o presidente Lula não apenas demonstrou fidelidade obsoleta ao que há de pior na ditadura cubana, como já se disse, mas também expôs uma posição que é em tudo reacionária, obscurantista.
Em primeiro lugar, porque a objeção de consciência é um direito humano consagrado, e não só contra ditaduras. Mesmo em países democráticos, o indivíduo pode, por exemplo, se recusar a servir numa guerra à qual se opõe.
Depois, porque a greve de fome pode ser sim instrumento legítimo de pressão de presos comuns -ainda mais no Brasil, onde a Justiça é desigual, as condições carcerárias causam escândalos e a tortura é rotina em delegacias, em geral contra os pobres.
Mas as declarações de Lula e de sua equipe no caso de Cuba também acentuam um desafio que a diplomacia brasileira terá de enfrentar.
Está claro que, na questão dos direitos humanos, não é mais exequível se escudar apenas no princípio da não ingerência, que demandaria o silêncio absoluto -sem a defesa dos opositores cubanos ou, como foi feito, do regime.
Quando mais atuar globalmente, mais o país será cobrado a se pronunciar sobre o tema, inscrito na Carta brasileira. Para isso, terá que construir um novo paradigma, mais coerente, o que não é simples.
Abordar direitos humanos de forma seletiva é atrair problemas. O Brasil não pode distribuir elogios e críticas unilateralmente, exceto em casos evidentes de massacre de civis, porque se arriscaria a atuar ao sabor de lobbies, a limitar seu possível papel mediador, a ser acusado de hipocrisia e a terminar isolado e atacado, por falta de realismo.

Mudanças
Mas o país pode mudar em dois níveis. Primeiro, na região e no continente.
A condenação ao golpe em Honduras, por exemplo, não foi um gesto unilateral brasileiro. Sua legitimidade decorreu da existência de um instrumento multilateral, a Carta Democrática da OEA (Organização dos Estados Americanos), que, se é imprecisa em outros itens, prevê sanções coletivas à derrubada à força de governos eleitos.
Se pretende exercer liderança regional, o Brasil terá de, mais cedo ou mais tarde, negociar mecanismo semelhante para violações de direitos humanos, algo que vá além do caráter normativo ou aspiracional dos tratados e declarações sobre o assunto.
No plano global, o Brasil precisa ser mais transparente sobre suas posições, sobretudo no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, no qual a diplomacia com frequência argumenta que negociar com os acusados de violações é mais produtivo do que sanções ou condenações rígidas.
Isso é verdadeiro até certo ponto. No Zimbábue, a insistência dos vizinhos na mediação resultou em acordo entre o regime de Robert Mugabe e a oposição. No Sudão, funcionou uma mistura de pressão e diálogo -hoje, mesmo os EUA negociam com Cartum sobre o conflito em Darfur.
O problema é que nem sempre fica claro o objetivo ou o porquê das opções brasileiras por diferentes gradações de firmeza, originando suspeitas sobre negociatas de prestígio e votos em outras instâncias. Por isso, é necessário que a exposição de motivos seja feita com clareza e discutida de forma madura com a sociedade.


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