São Paulo, sábado, 13 de março de 2010

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Histórica forma de protesto, jejum tem eficácia discutível

Casos como o dos cubanos Zapata e Fariñas mostram que greve de fome tem repercussão mundial, mas nem sempre gera concessões

"É uma ação forte, que evoca emoções humanas quer você concorde com a causa ou não", afirma à Folha autora de livro sobre tema

PAULA ADAMO IDOETA
DA REDAÇÃO

Usada em diversas ocasiões e em diversos países como forma de protesto antigoverno, a greve de fome teve resultados nem sempre fáceis de serem mensurados. Em Cuba, a morte recente do dissidente Orlando Zapata, após 85 dias de jejum, tem causado comoção internacional, mas não concessões por parte do regime cubano.
E tanto dissidentes quanto ONGs desencorajaram a greve de fome do opositor Guillermo Fariñas, alegando que o "governo não responde com humanidade a esse tipo de protesto".
Para dois estudiosos ouvidos pela Folha, porém, isso não tira a força política da greve de fome. "O fato de estarmos falando sobre isso e de o presidente [Luiz Inácio Lula da Silva] ter comentado o fato mostra que o protesto faz diferença", disse Michael Biggs, autor de estudo sobre o tema para a Universidade de Oxford. "Talvez não mude as opiniões formadas das pessoas. Mas há um grande impacto fora do país, e pode afetar, por exemplo, a simpatia dos americanos e do governo Obama quanto a relaxar o embargo a Cuba", agregou, citando que as greves de fome feitas por republicanos irlandeses contra o governo britânico no século 20 receberam apoio de descendentes de irlandeses nos EUA, o que elevou a pressão sobre Londres.
"É uma ação forte, que evoca emoções humanas quer você concorde com a causa ou não", diz Sharman Apt Russell, autora de "Hunger - An Unnatural History". "Quando você está desamparado, pelo menos pode controlar seu corpo e usá-lo como ferramenta política."
Segundo Biggs, o jejum como fenômeno político começou a ser usado por opositores da Rússia czarista, no final do século 19. Em países como Irlanda e Índia, a prática teve impacto em importantes momentos históricos: Mohandas Gandhi (1869-1948) jejuou para protestar contra a violência e contra a dominação britânica.
Na Irlanda, cerca de 10 mil prisioneiros republicanos fizeram greve de fome entre 1916 e 1923, ação que foi repetida por membros do IRA (Exército Republicano Irlandês) em 1981: Bobby Sands liderou uma greve de fome exigindo ser tratado como preso político pelo governo de Margaret Thatcher. Ele e outros nove grevistas morreram no episódio.
As respostas dos governos -cujo dilema é não ceder, mas também não transformar os protestantes em mártires- são variadas. No caso de Fariñas, diz Biggs, o protesto perde força por ele não estar preso: "O governo pode dizer [como de fato disse] que não é responsável pelo que ocorrer com ele".
Em alguns casos -por exemplo, para dissuadir mulheres que defendiam o sufrágio feminino, no início do século 20-, o governo britânico apelava aos sentidos: chegou a oferecer às prisioneiras refeições apetitosas, em vez da comida insossa das prisões. Também segundo Biggs, autoridades britânicas na Índia davam leite em vez de água para grevistas, para prolongar sua vida.
Já a alimentação forçada de manifestantes é, até hoje, tema de debates. Em 2006, a ONU criticou militares dos EUA por forçar a alimentação de prisioneiros em greve de fome na prisão de Guantánamo.
Na Declaração de Malta, de 1991, a Associação Médica Mundial admite o "dilema ético" sobre o tratamento de pessoas em jejum intencional e orienta a respeitar a autonomia do paciente. No Brasil, o novo Código de Ética Médica, que deve entrar em vigor em abril, proíbe contrariar a vontade de pessoa em greve de fome ou alimentá-la compulsoriamente.



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