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Histórica forma de protesto, jejum tem eficácia discutível
Casos como o dos cubanos Zapata e Fariñas mostram que greve de fome tem repercussão mundial, mas nem sempre gera concessões
"É uma ação forte, que evoca emoções humanas quer você concorde com a causa ou não", afirma à Folha autora de livro sobre tema
PAULA ADAMO IDOETA
DA REDAÇÃO
Usada em diversas ocasiões e
em diversos países como forma
de protesto antigoverno, a greve de fome teve resultados nem
sempre fáceis de serem mensurados. Em Cuba, a morte recente do dissidente Orlando Zapata, após 85 dias de jejum, tem
causado comoção internacional, mas não concessões por
parte do regime cubano.
E tanto dissidentes quanto
ONGs desencorajaram a greve
de fome do opositor Guillermo
Fariñas, alegando que o "governo não responde com humanidade a esse tipo de protesto".
Para dois estudiosos ouvidos
pela Folha, porém, isso não tira a força política da greve de
fome. "O fato de estarmos falando sobre isso e de o presidente [Luiz Inácio Lula da Silva] ter comentado o fato mostra que o protesto faz diferença", disse Michael Biggs, autor
de estudo sobre o tema para a
Universidade de Oxford. "Talvez não mude as opiniões formadas das pessoas. Mas há um
grande impacto fora do país, e
pode afetar, por exemplo, a
simpatia dos americanos e do
governo Obama quanto a relaxar o embargo a Cuba", agregou, citando que as greves de
fome feitas por republicanos
irlandeses contra o governo
britânico no século 20 receberam apoio de descendentes de
irlandeses nos EUA, o que elevou a pressão sobre Londres.
"É uma ação forte, que evoca
emoções humanas quer você
concorde com a causa ou não",
diz Sharman Apt Russell, autora de "Hunger - An Unnatural
History". "Quando você está
desamparado, pelo menos pode controlar seu corpo e usá-lo
como ferramenta política."
Segundo Biggs, o jejum como
fenômeno político começou a
ser usado por opositores da
Rússia czarista, no final do século 19. Em países como Irlanda e Índia, a prática teve impacto em importantes momentos históricos: Mohandas Gandhi (1869-1948) jejuou para
protestar contra a violência e
contra a dominação britânica.
Na Irlanda, cerca de 10 mil
prisioneiros republicanos fizeram greve de fome entre 1916 e
1923, ação que foi repetida por
membros do IRA (Exército Republicano Irlandês) em 1981:
Bobby Sands liderou uma greve de fome exigindo ser tratado
como preso político pelo governo de Margaret Thatcher. Ele e
outros nove grevistas morreram no episódio.
As respostas dos governos
-cujo dilema é não ceder, mas
também não transformar os
protestantes em mártires- são
variadas. No caso de Fariñas,
diz Biggs, o protesto perde força por ele não estar preso: "O
governo pode dizer [como de
fato disse] que não é responsável pelo que ocorrer com ele".
Em alguns casos -por exemplo, para dissuadir mulheres
que defendiam o sufrágio feminino, no início do século 20-, o
governo britânico apelava aos
sentidos: chegou a oferecer às
prisioneiras refeições apetitosas, em vez da comida insossa
das prisões. Também segundo
Biggs, autoridades britânicas
na Índia davam leite em vez de
água para grevistas, para prolongar sua vida.
Já a alimentação forçada de
manifestantes é, até hoje, tema
de debates. Em 2006, a ONU
criticou militares dos EUA por
forçar a alimentação de prisioneiros em greve de fome na prisão de Guantánamo.
Na Declaração de Malta, de
1991, a Associação Médica
Mundial admite o "dilema ético" sobre o tratamento de pessoas em jejum intencional e
orienta a respeitar a autonomia
do paciente. No Brasil, o novo
Código de Ética Médica, que
deve entrar em vigor em abril,
proíbe contrariar a vontade de
pessoa em greve de fome ou alimentá-la compulsoriamente.
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