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Festa liberal, como se o Muro tivesse caído outra vez
CLÓVIS ROSSI
enviado especial a Paris
Foi, guardadas as proporções,
como se o Muro de Berlim tivesse
caído de novo, desta vez não sobre
o comunismo, mas em cima de um
mero social-democrata, o ex-ministro alemão das Finanças Oskar
Lafontaine.
A festa dos setores liberais e conservadores foi tão ruidosa que dá a
impressão de que Lafontaine se
preparava para instalar um soviete
de operários e camponeses na Berlim reunificada.
"Aus (fora) Lafontaine", gritava
a manchete do "Bild", o tablóide
popularesco, mas conservador, como se tivesse caído algum líder do
grupo Baader-Meinhof, que espalhou o terrorismo pela Alemanha
nos anos 70.
Tanto ruído por quê? Lafontaine
perdeu o cargo apenas porque foi
fiel ao ideário social-democrata.
Acontece que a social-democracia nasceu como a mais bem acabada fórmula de o capitalismo entregar alguns anéis por medo de
perder os dedos, se, de fato, os famélicos do mundo se levantassem
algum dia, como pede a "Internacional", o hino comunista.
Extinto o suposto "perigo vermelho", a vertente mais dura do
capitalismo arquivou o temor e,
mais, está partindo vorazmente
em busca de alguns anéis cedidos
anteriormente e que se cristalizaram no chamado Estado de Bem-Estar Social.
É verdade que Lafontaine foi de
uma inabilidade política incomum
para um veterano profissional do
ramo: comprou encrencas com
quase todo o mundo, do empresariado local ao BCE (Banco Central
Europeu), chegando ao Tesouro
norte-americano.
Mas a gota d'água mesmo foi seu
plano de reforma tributária, que
nada tem de revolucionário: prevê
apenas fechar as brechas legais
graças às quais as grandes corporações pagam menos impostos e,
com o extra arrecadado, reduzir a
carga imposta aos assalariados.
Mas a festa pela sua saída, tanto
do ministério como da presidência
do SPD (Partido Social-Democrata), tem um significado que ultrapassa as fronteiras alemãs.
Na prática, deixa o conglomerado de 15 países que formam a
União Européia sem uma única
voz autenticamente social-democrata em cargos de relevo.
Restam, é verdade, o primeiro-ministro francês, Lionel Jospin, e
seu ministro de Economia, Dominique Strauss-Khan, mas ambos
adotaram um perfil baixo, além do
fato de Strauss-Khan ser mais tecnocrata que socialista, bem ao contrário de Lafontaine.
Incomodam menos, portanto,
embora um pouquinho mais que o
britânico Tony Blair, com seu "Novo Trabalhismo", que o filósofo
brasileiro Roberto Mangabeira
Unger já batizou de "liberalismo
com desconto".
A queda de Lafontaine, portanto,
reforça a maré montante da ortodoxia liberal nos países centrais,
mesmo depois de os social-democratas terem enfileirado vitórias
eleitorais nos dois anos mais recentes.
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