São Paulo, Sábado, 13 de Março de 1999
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Festa liberal, como se o Muro tivesse caído outra vez

CLÓVIS ROSSI
enviado especial a Paris

Foi, guardadas as proporções, como se o Muro de Berlim tivesse caído de novo, desta vez não sobre o comunismo, mas em cima de um mero social-democrata, o ex-ministro alemão das Finanças Oskar Lafontaine.
A festa dos setores liberais e conservadores foi tão ruidosa que dá a impressão de que Lafontaine se preparava para instalar um soviete de operários e camponeses na Berlim reunificada.
"Aus (fora) Lafontaine", gritava a manchete do "Bild", o tablóide popularesco, mas conservador, como se tivesse caído algum líder do grupo Baader-Meinhof, que espalhou o terrorismo pela Alemanha nos anos 70.
Tanto ruído por quê? Lafontaine perdeu o cargo apenas porque foi fiel ao ideário social-democrata.
Acontece que a social-democracia nasceu como a mais bem acabada fórmula de o capitalismo entregar alguns anéis por medo de perder os dedos, se, de fato, os famélicos do mundo se levantassem algum dia, como pede a "Internacional", o hino comunista.
Extinto o suposto "perigo vermelho", a vertente mais dura do capitalismo arquivou o temor e, mais, está partindo vorazmente em busca de alguns anéis cedidos anteriormente e que se cristalizaram no chamado Estado de Bem-Estar Social.
É verdade que Lafontaine foi de uma inabilidade política incomum para um veterano profissional do ramo: comprou encrencas com quase todo o mundo, do empresariado local ao BCE (Banco Central Europeu), chegando ao Tesouro norte-americano.
Mas a gota d'água mesmo foi seu plano de reforma tributária, que nada tem de revolucionário: prevê apenas fechar as brechas legais graças às quais as grandes corporações pagam menos impostos e, com o extra arrecadado, reduzir a carga imposta aos assalariados.
Mas a festa pela sua saída, tanto do ministério como da presidência do SPD (Partido Social-Democrata), tem um significado que ultrapassa as fronteiras alemãs.
Na prática, deixa o conglomerado de 15 países que formam a União Européia sem uma única voz autenticamente social-democrata em cargos de relevo.
Restam, é verdade, o primeiro-ministro francês, Lionel Jospin, e seu ministro de Economia, Dominique Strauss-Khan, mas ambos adotaram um perfil baixo, além do fato de Strauss-Khan ser mais tecnocrata que socialista, bem ao contrário de Lafontaine.
Incomodam menos, portanto, embora um pouquinho mais que o britânico Tony Blair, com seu "Novo Trabalhismo", que o filósofo brasileiro Roberto Mangabeira Unger já batizou de "liberalismo com desconto".
A queda de Lafontaine, portanto, reforça a maré montante da ortodoxia liberal nos países centrais, mesmo depois de os social-democratas terem enfileirado vitórias eleitorais nos dois anos mais recentes.


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