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Nacionalismo de jovem chinês cresce com atos anti-Jogos
Marchas que pedem boicote à Olimpíada por questões como o Tibete reforçam a linha-dura em Pequim, diz especialista
O chinês Wenran Jiang, professor no Canadá, crê que diplomacia discreta
tem maior potencial para produzir mudanças no país
RAUL JUSTE LORES
DE PEQUIM
A China gastou estimados
US$ 40 bilhões para preparar a
Olimpíada de Pequim, que seria sua festa de debutante como
potência mundial. Mas o atraso
em relação aos direitos humanos desponta como ameaça ao
sucesso do evento.
Depois de isolar o Tibete e
colocar na cadeia ativistas dos
direitos humanos, a China assiste a confrontos em cada passagem da tocha olímpica pelo
mundo e à deserção de líderes
mundiais na cerimônia de
abertura dos Jogos.
Mas, além do mal-estar da ditadura comunista, quem mais
parece furioso com a onda de
crítica é o povo chinês. Nas últimas semanas, milhares de comentários na internet atacam o
"complô ocidental" contra o
crescimento do país. Até uma
campanha para boicotar produtos franceses está na rua, depois que a tocha olímpica foi levada em um ônibus em Paris
para fugir dos protestos.
Para o cientista político chinês Wenran Jiang, 51, os protestos só estão reforçando a linha-dura chinesa, que, ao ganhar apoio nessa maré nacionalista, não tem motivos para
negociar com o dalai-lama ou
liberar presos políticos. Ele
acha que os jovens urbanos chineses, confiantes com o sucesso recente do país, são até mais
nacionalistas que o governo.
Nascido em Harbin, no nordeste da China, Jiang estudou
na Universidade de Pequim e
no Japão, é PhD e doutor em
política externa chinesa e nas
relações do seu país com o Japão, e dirige o Instituto China,
da Universidade de Alberta, no
Canadá, onde mora com a mulher e os filhos. Leia a entrevista que ele deu à Folha.
FOLHA - O nacionalismo está em
alta na China, graças, em parte, às
críticas que o país tem recebido. O
senhor acredita que o governo possa mudar alguma atitude para melhorar sua imagem no exterior?
WENRAN JIANG - Com os protestos internacionais, o governo
saiu fortalecido internamente,
não há incentivo para negociar.
Tem um apoio doméstico muito mais sólido, que é crucial para o Partido Comunista, mesmo entre os chineses que moram no exterior, e que apóiam o
governo em relação ao Tibete.
Por outro lado, o dalai-lama está enfraquecido. Sua política de
não-violência é malvista pelos
jovens tibetanos, que não vêem
resultados e querem autonomia pela força. Na verdade, a linha-dura dos dois lados é que
sai fortalecida.
FOLHA - Então acha que o Tibete
sai perdendo com os protestos?
JIANG - Os protestos são polarizantes, contraproducentes.
Não conseguem moderar o governo, deixam o público chinês
furioso, os comunistas mais
fortes. Os chineses vêem como
um ataque aos Jogos, misturar
política com os esportes.
FOLHA - Se houver mesmo um boicote generalizado à abertura da
Olimpíada e a sociedade chinesa
achar que há um movimento anti-China, o país pode voltar a se fechar?
JIANG - Se os Jogos forem um
sucesso, certamente ajudam
uma China mais aberta, mais
confiante. Se forem um fracasso e a China achar que o resto
do mundo conspirou contra, é
capaz de voltar a se fechar.
FOLHA - Por que essa Olimpíada é
tão cara ao povo chinês? Quem fizer
qualquer crítica ao governo vira inimigo da pátria.
JIANG - Os Jogos viraram um
caso de orgulho nacional. A
Olimpíada é vista como o grande momento da história em que
a China mostrará para o mundo
e para si mesma o progresso
dos últimos 30 anos. E é inegável o progresso econômico, social e até das liberdades. Os chineses são mais livres para viajar, trabalhar e estudar, do que
em toda sua história. Temem
que isso seja colocado a perder.
FOLHA - Mas as críticas vão dirigidas ao governo chinês, não ao país.
JIANG - Muitos chineses percebem a existência de uma coalizão anti-China. O governo é popular. Não é democracia, mas
os chineses vêem nuances.
FOLHA - A imprensa estatal chinesa escreve que há um complô da imprensa ocidental contra o país. O senhor, que mora no Canadá, concorda com essa visão?
JIANG - Não vejo um preconceito da imprensa ocidental
contra a China. É verdade que o
Tibete é tratado com simpatia e
o dalai-lama como um deus-rei.
E a China tem políticas bem rígidas com o Tibete. É normal
que a imprensa se doa com o
mais fraco. Mas o problema é
que os chineses percebem a cobertura internacional da crise
do Tibete como se fossem sempre os maus da história. Os protestos foram violentos e a culpa
de algumas distorções pode ser
creditada ao governo chinês,
que fechou a região aos jornalistas. Houve especulações.
FOLHA - Parece que o povo chinês
comprou a versão do complô contra
a China. Não é muita paranóia?
JIANG - Por tudo que leio, de
comentários em fóruns na internet a blogs, claramente esses
jovens estão do lado do governo. Há um crescente cybernacionalismo. O povo chinês não
é tão desinformado como se
acredita, especialmente na
classe média urbana.
FOLHA - Os jovens são mais nacionalistas que o governo?
JIANG - Os chineses têm um
enorme senso de identidade
nacional. Esses jovens fazem
parte de uma China muito mais
confiante. Eles sentem que são
o novo garoto forte da vizinhança, perderam o complexo.
FOLHA - A propaganda oficial é
bastante preconceituosa com os tibetanos, sem mostrar como vivem
ou se foram vítimas de repressão.
Ninguém se pergunta por que eles
odeiam tanto o regime?
JIANG - Para os chineses, a percepção é a de que o Tibete faz
parte da China por mais de sete
séculos, desde o domínio mongol. Nenhum governo reconhece o Tibete como outro país. A
percepção da maioria han é que
os tibetanos são subsidiados
por Pequim e mal-agradecidos.
FOLHA - Ou seja, vai além da propaganda do governo.
JIANG - No futuro, se acabar a
ditadura chinesa e o PC deixar
o poder, esse nacionalismo vai
continuar como sentimento. A
democratização não mudaria a
relação com o Tibete. Temos
que lembrar como vários países
capitalistas e democráticos tratam ou trataram suas populações nativas, seus aborígenes.
FOLHA - Mas o governo tem prendido ativistas de direitos humanos
só por entrevistas críticas. Não parece haver uma tentativa liberalizante, ao contrário.
JIANG - O governo chinês não
está se saindo bem nessas vésperas dos Jogos, prendendo
dissidentes, usando uma linguagem duríssima contra o dalai-lama, é contraproducente.
O PC não sabe fazer relações
públicas no exterior nem como
resolver esses problemas. Usa
um estilo de propaganda velho
que serve no interior do país,
mas não para o resto do mundo.
FOLHA - Nos últimos dias, o governo chinês chamou o dalai-lama de
lobo em pele de cordeiro, de terrorista. Isso só dificulta a negociação.
JIANG - Mas aí entra a arrogância do governo, de não ver o dalai-lama ou dissidentes como
iguais para negociar. Eles também temem que as demandas
do dalai, como unificar o Tibete
anexando partes de outras Províncias, não sejam realizáveis
sem levantar mais reivindicações de outras etnias.
FOLHA - Os chineses criticam quem
mistura os Jogos com política, mas o
governo politiza os Jogos. O favorito
à sucessão de Hu Jintao foi colocado
como "coordenador" e embaixadores carregaram a tocha.
JIANG - Todos os governos
usam os Jogos como plataforma política, o Japão em 1964,
Moscou em 1980. Seul e Barcelona também foram assim.
FOLHA - Se os chineses se irritam
tanto com as críticas de fora, mas o
silêncio também não é útil, como os
governos estrangeiros devem fazer
para pressionar o país a respeitar os
direitos humanos?
JIANG - Acho que os governos
estrangeiros deveriam parar
com os discursos moralistas, de
quem é dono da verdade. O certo é ir à China, falar cara a cara o
que tiver para dizer, patrocinar
bons programas que signifiquem avanços. O exemplo do
premiê australiano Kevin Rudd
é ótimo. Ele acaba de visitar a
China, esteve na Universidade
de Pequim, falou seu mandarim fluente, falou da importância dos direitos humanos, até
do Tibete. Os chineses adoraram vê-lo como amigo, é uma
influência positiva.
FOLHA - Se a China quer virar potência, não precisa estar mais acostumada a receber críticas?
JIANG - Não digo que se deva
evitar as críticas, mas é importante não demonizar a China.
Muitas das críticas servem a
políticos que querem agradar
seu público interno. Sarkozy foi
à China no ano passado, apresentou-se como amigo, mas falou de direitos humanos. Mas
ameaçar boicotar a abertura
dos Jogos parece oportunismo
para ganhar alguma popularidade na França.
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