São Paulo, domingo, 13 de abril de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Nacionalismo de jovem chinês cresce com atos anti-Jogos

Marchas que pedem boicote à Olimpíada por questões como o Tibete reforçam a linha-dura em Pequim, diz especialista

O chinês Wenran Jiang, professor no Canadá, crê que diplomacia discreta tem maior potencial para produzir mudanças no país


RAUL JUSTE LORES
DE PEQUIM

A China gastou estimados US$ 40 bilhões para preparar a Olimpíada de Pequim, que seria sua festa de debutante como potência mundial. Mas o atraso em relação aos direitos humanos desponta como ameaça ao sucesso do evento.
Depois de isolar o Tibete e colocar na cadeia ativistas dos direitos humanos, a China assiste a confrontos em cada passagem da tocha olímpica pelo mundo e à deserção de líderes mundiais na cerimônia de abertura dos Jogos.
Mas, além do mal-estar da ditadura comunista, quem mais parece furioso com a onda de crítica é o povo chinês. Nas últimas semanas, milhares de comentários na internet atacam o "complô ocidental" contra o crescimento do país. Até uma campanha para boicotar produtos franceses está na rua, depois que a tocha olímpica foi levada em um ônibus em Paris para fugir dos protestos.
Para o cientista político chinês Wenran Jiang, 51, os protestos só estão reforçando a linha-dura chinesa, que, ao ganhar apoio nessa maré nacionalista, não tem motivos para negociar com o dalai-lama ou liberar presos políticos. Ele acha que os jovens urbanos chineses, confiantes com o sucesso recente do país, são até mais nacionalistas que o governo.
Nascido em Harbin, no nordeste da China, Jiang estudou na Universidade de Pequim e no Japão, é PhD e doutor em política externa chinesa e nas relações do seu país com o Japão, e dirige o Instituto China, da Universidade de Alberta, no Canadá, onde mora com a mulher e os filhos. Leia a entrevista que ele deu à Folha.

 

FOLHA - O nacionalismo está em alta na China, graças, em parte, às críticas que o país tem recebido. O senhor acredita que o governo possa mudar alguma atitude para melhorar sua imagem no exterior?
WENRAN JIANG
- Com os protestos internacionais, o governo saiu fortalecido internamente, não há incentivo para negociar. Tem um apoio doméstico muito mais sólido, que é crucial para o Partido Comunista, mesmo entre os chineses que moram no exterior, e que apóiam o governo em relação ao Tibete. Por outro lado, o dalai-lama está enfraquecido. Sua política de não-violência é malvista pelos jovens tibetanos, que não vêem resultados e querem autonomia pela força. Na verdade, a linha-dura dos dois lados é que sai fortalecida.

FOLHA - Então acha que o Tibete sai perdendo com os protestos?
JIANG
- Os protestos são polarizantes, contraproducentes. Não conseguem moderar o governo, deixam o público chinês furioso, os comunistas mais fortes. Os chineses vêem como um ataque aos Jogos, misturar política com os esportes.

FOLHA - Se houver mesmo um boicote generalizado à abertura da Olimpíada e a sociedade chinesa achar que há um movimento anti-China, o país pode voltar a se fechar?
JIANG
- Se os Jogos forem um sucesso, certamente ajudam uma China mais aberta, mais confiante. Se forem um fracasso e a China achar que o resto do mundo conspirou contra, é capaz de voltar a se fechar.

FOLHA - Por que essa Olimpíada é tão cara ao povo chinês? Quem fizer qualquer crítica ao governo vira inimigo da pátria.
JIANG
- Os Jogos viraram um caso de orgulho nacional. A Olimpíada é vista como o grande momento da história em que a China mostrará para o mundo e para si mesma o progresso dos últimos 30 anos. E é inegável o progresso econômico, social e até das liberdades. Os chineses são mais livres para viajar, trabalhar e estudar, do que em toda sua história. Temem que isso seja colocado a perder.

FOLHA - Mas as críticas vão dirigidas ao governo chinês, não ao país.
JIANG
- Muitos chineses percebem a existência de uma coalizão anti-China. O governo é popular. Não é democracia, mas os chineses vêem nuances.

FOLHA - A imprensa estatal chinesa escreve que há um complô da imprensa ocidental contra o país. O senhor, que mora no Canadá, concorda com essa visão?
JIANG
- Não vejo um preconceito da imprensa ocidental contra a China. É verdade que o Tibete é tratado com simpatia e o dalai-lama como um deus-rei. E a China tem políticas bem rígidas com o Tibete. É normal que a imprensa se doa com o mais fraco. Mas o problema é que os chineses percebem a cobertura internacional da crise do Tibete como se fossem sempre os maus da história. Os protestos foram violentos e a culpa de algumas distorções pode ser creditada ao governo chinês, que fechou a região aos jornalistas. Houve especulações.

FOLHA - Parece que o povo chinês comprou a versão do complô contra a China. Não é muita paranóia?
JIANG
- Por tudo que leio, de comentários em fóruns na internet a blogs, claramente esses jovens estão do lado do governo. Há um crescente cybernacionalismo. O povo chinês não é tão desinformado como se acredita, especialmente na classe média urbana.

FOLHA - Os jovens são mais nacionalistas que o governo?
JIANG
- Os chineses têm um enorme senso de identidade nacional. Esses jovens fazem parte de uma China muito mais confiante. Eles sentem que são o novo garoto forte da vizinhança, perderam o complexo.

FOLHA - A propaganda oficial é bastante preconceituosa com os tibetanos, sem mostrar como vivem ou se foram vítimas de repressão. Ninguém se pergunta por que eles odeiam tanto o regime?
JIANG
- Para os chineses, a percepção é a de que o Tibete faz parte da China por mais de sete séculos, desde o domínio mongol. Nenhum governo reconhece o Tibete como outro país. A percepção da maioria han é que os tibetanos são subsidiados por Pequim e mal-agradecidos.

FOLHA - Ou seja, vai além da propaganda do governo.
JIANG
- No futuro, se acabar a ditadura chinesa e o PC deixar o poder, esse nacionalismo vai continuar como sentimento. A democratização não mudaria a relação com o Tibete. Temos que lembrar como vários países capitalistas e democráticos tratam ou trataram suas populações nativas, seus aborígenes.

FOLHA - Mas o governo tem prendido ativistas de direitos humanos só por entrevistas críticas. Não parece haver uma tentativa liberalizante, ao contrário.
JIANG
- O governo chinês não está se saindo bem nessas vésperas dos Jogos, prendendo dissidentes, usando uma linguagem duríssima contra o dalai-lama, é contraproducente. O PC não sabe fazer relações públicas no exterior nem como resolver esses problemas. Usa um estilo de propaganda velho que serve no interior do país, mas não para o resto do mundo.

FOLHA - Nos últimos dias, o governo chinês chamou o dalai-lama de lobo em pele de cordeiro, de terrorista. Isso só dificulta a negociação.
JIANG
- Mas aí entra a arrogância do governo, de não ver o dalai-lama ou dissidentes como iguais para negociar. Eles também temem que as demandas do dalai, como unificar o Tibete anexando partes de outras Províncias, não sejam realizáveis sem levantar mais reivindicações de outras etnias.

FOLHA - Os chineses criticam quem mistura os Jogos com política, mas o governo politiza os Jogos. O favorito à sucessão de Hu Jintao foi colocado como "coordenador" e embaixadores carregaram a tocha.
JIANG
- Todos os governos usam os Jogos como plataforma política, o Japão em 1964, Moscou em 1980. Seul e Barcelona também foram assim.

FOLHA - Se os chineses se irritam tanto com as críticas de fora, mas o silêncio também não é útil, como os governos estrangeiros devem fazer para pressionar o país a respeitar os direitos humanos?
JIANG
- Acho que os governos estrangeiros deveriam parar com os discursos moralistas, de quem é dono da verdade. O certo é ir à China, falar cara a cara o que tiver para dizer, patrocinar bons programas que signifiquem avanços. O exemplo do premiê australiano Kevin Rudd é ótimo. Ele acaba de visitar a China, esteve na Universidade de Pequim, falou seu mandarim fluente, falou da importância dos direitos humanos, até do Tibete. Os chineses adoraram vê-lo como amigo, é uma influência positiva.

FOLHA - Se a China quer virar potência, não precisa estar mais acostumada a receber críticas?
JIANG
- Não digo que se deva evitar as críticas, mas é importante não demonizar a China. Muitas das críticas servem a políticos que querem agradar seu público interno. Sarkozy foi à China no ano passado, apresentou-se como amigo, mas falou de direitos humanos. Mas ameaçar boicotar a abertura dos Jogos parece oportunismo para ganhar alguma popularidade na França.


LEIA MAIS EM ESPORTE E NO MAIS!


Texto Anterior: Sem mozarela nem futebol, implode auto-estima italiana
Próximo Texto: Frases
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.