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Sem mozarela nem futebol, implode auto-estima italiana
País sofre golpe em baluartes de sua cultura e amarga uma quase-estagnação econômica
Queijo contaminado, times derrotados e queda no poder de consumo ferem ego italiano; mídia vê novos pobres, com renda de 970
DO COLUNISTA DA FOLHA
Jim O'Neill, economista-chefe da Goldman Sachs, célebre pela invenção do acrônimo
Brics (Brasil, Rússia, Índia e
China, supostas futuras potências), faz o inverso com a Itália.
Disse, em janeiro, no Fórum de
Davos, que ao país só sobravam
o futebol e a culinária. Na semana passada, na Itália para
um seminário, salgou a ferida:
retirou o futebol da curta lista
de ativos italianos (não sobrou
um só clube italiano nas semifinais da Liga dos Campeões).
Em seguida, alguns países começaram um boicote a um dos
pontos de orgulho do ativo restante, a culinária, porque a mozarela de búfala estaria infestada de dioxina, substância potencialmente cancerígena.
Foi a gota d'água para o ministro do Desenvolvimento
Econômico, Pierluigi Bersani:
"Não nos obriguem a imaginar
um mundo sem mozarela".
Seu grito reflete o momento
de baixíssima auto-estima que
corrói corações italianos -e
mentes, claro. Até porque veio
na esteira dos montes de lixo
acumulados em Nápoles (agora
finalmente retirados), por conta das quais a dioxina teria se
infiltrado nos rebanhos.
Como se fosse pouco, a capa
da revista "L'Espresso" anuncia, em vez de "made in Italy",
"Velenitaly" (algo como "VenenoItália), em alusão a uma
fraude que aguou ou misturou
substâncias tóxicas a 70 milhões de litros de vinho, outro
clássico do "made in Italy".
Não é tudo: uma pesquisa da
confederação das confecções
descobriu que os italianos, ciosos da elegância, continuam
ciosos, continuam procurando
a elegância, mas estão sendo
obrigados a comprar 40% menos do que há alguns anos.
Fulmina Oliviero Toscani,
celebrizado pelas fotos que fez
para campanhas da Beneton:
"Fomos vencidos pela vulgaridade. Morreremos elegantes,
vestidos na última moda, vulgares, vazios e idiotizados por
dentro", disse em entrevista a
"El País", no que é a quintessência da baixa auto-estima.
Fim de feira
Essas machucaduras n'alma
italiana correspondem a fatos
objetivos. "A economia italiana, nos últimos 15 anos, vem
tendo crescimento declinante,
sempre inferior ao dos outros
grandes países da União Européia", diz Francesco Daveri,
professor de Economia da Universidade de Parma. "O mundo
mudou, e nossas empresas,
predominantemente pequenas, não se adaptaram ainda."
Reforça Pietro Grilli di Cortona (Universidade Roma-3):
"A Itália cresce pouco econômica e demograficamente, não
parece querer investir no futuro, investe pouco em pesquisa,
não é capaz de reformar o sistema de pensões, não constrói
grandes infra-estruturas que
possam constituir momentos
de desenvolvimento".
A brecada italiana de fato é
forte: segundo o mais recente
relatório do FMI (Fundo Monetário Internacional), o país
crescerá apenas 0,3% este ano.
A sensação de empobrecimento leva a mídia a falar em
"novos pobres". São pessoas
que, embora com alguma renda
(do trabalho fixo ou eventual
ou de aposentadoria), não conseguem comprar tudo o que
precisam. Atiram-se, então, ao
fim das feiras, para conseguir, a
preço baixo, produtos que os
feirantes jogariam no lixo.
Mas é preciso cuidado ao falar da pobreza italiana. Parte
dela é mais resultado do sucesso do que do fracasso. O jornal
"La Repubblica", fez seu mergulho no fim de feira para descobrir que 60% de seus freqüentadores são estrangeiros.
Ou: a Itália que exportava sua
gente até meados do século 20,
devastada pela Segunda Guerra, é hoje uma tal história de sucesso que importa migrantes.
Importa-os até do Brasil, terra de abrigo para os italianos
nos séculos 19 e 20. O jornal encontrou, num fim de feira em
Milão, a brasileira Sonia G., 45
anos, dois filhos, marido desempregado, 7,5 a hora como
empregada doméstica.
De todo modo, o número de
pessoas atendidas pelo Banco
Alimentare, que fornece comida a quem não consegue comprá-la, viu sua clientela subir
de 1,050 milhão em 2001 para
1,502 milhão no ano passado.
O público-alvo potencial seriam os 7,537 milhões de italianos considerados pobres
(12,9% da população total).
Mas, de novo, qualquer comparação é impraticável. O pobre dos países pobres é aquele
que ganha US$ 2 ao dia, pelo
critério do Banco Mundial. O
pobre italiano é quem vive com
menos de 970 ao mês (R$
2.500, o que, no Brasil, já é classe média).
(CLÓVIS ROSSI)
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