São Paulo, domingo, 13 de abril de 2008

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Sem mozarela nem futebol, implode auto-estima italiana

País sofre golpe em baluartes de sua cultura e amarga uma quase-estagnação econômica

Queijo contaminado, times derrotados e queda no poder de consumo ferem ego italiano; mídia vê novos pobres, com renda de 970

DO COLUNISTA DA FOLHA

Jim O'Neill, economista-chefe da Goldman Sachs, célebre pela invenção do acrônimo Brics (Brasil, Rússia, Índia e China, supostas futuras potências), faz o inverso com a Itália. Disse, em janeiro, no Fórum de Davos, que ao país só sobravam o futebol e a culinária. Na semana passada, na Itália para um seminário, salgou a ferida: retirou o futebol da curta lista de ativos italianos (não sobrou um só clube italiano nas semifinais da Liga dos Campeões).
Em seguida, alguns países começaram um boicote a um dos pontos de orgulho do ativo restante, a culinária, porque a mozarela de búfala estaria infestada de dioxina, substância potencialmente cancerígena.
Foi a gota d'água para o ministro do Desenvolvimento Econômico, Pierluigi Bersani: "Não nos obriguem a imaginar um mundo sem mozarela".
Seu grito reflete o momento de baixíssima auto-estima que corrói corações italianos -e mentes, claro. Até porque veio na esteira dos montes de lixo acumulados em Nápoles (agora finalmente retirados), por conta das quais a dioxina teria se infiltrado nos rebanhos.
Como se fosse pouco, a capa da revista "L'Espresso" anuncia, em vez de "made in Italy", "Velenitaly" (algo como "VenenoItália), em alusão a uma fraude que aguou ou misturou substâncias tóxicas a 70 milhões de litros de vinho, outro clássico do "made in Italy".
Não é tudo: uma pesquisa da confederação das confecções descobriu que os italianos, ciosos da elegância, continuam ciosos, continuam procurando a elegância, mas estão sendo obrigados a comprar 40% menos do que há alguns anos.
Fulmina Oliviero Toscani, celebrizado pelas fotos que fez para campanhas da Beneton: "Fomos vencidos pela vulgaridade. Morreremos elegantes, vestidos na última moda, vulgares, vazios e idiotizados por dentro", disse em entrevista a "El País", no que é a quintessência da baixa auto-estima.

Fim de feira
Essas machucaduras n'alma italiana correspondem a fatos objetivos. "A economia italiana, nos últimos 15 anos, vem tendo crescimento declinante, sempre inferior ao dos outros grandes países da União Européia", diz Francesco Daveri, professor de Economia da Universidade de Parma. "O mundo mudou, e nossas empresas, predominantemente pequenas, não se adaptaram ainda."
Reforça Pietro Grilli di Cortona (Universidade Roma-3): "A Itália cresce pouco econômica e demograficamente, não parece querer investir no futuro, investe pouco em pesquisa, não é capaz de reformar o sistema de pensões, não constrói grandes infra-estruturas que possam constituir momentos de desenvolvimento".
A brecada italiana de fato é forte: segundo o mais recente relatório do FMI (Fundo Monetário Internacional), o país crescerá apenas 0,3% este ano.
A sensação de empobrecimento leva a mídia a falar em "novos pobres". São pessoas que, embora com alguma renda (do trabalho fixo ou eventual ou de aposentadoria), não conseguem comprar tudo o que precisam. Atiram-se, então, ao fim das feiras, para conseguir, a preço baixo, produtos que os feirantes jogariam no lixo.
Mas é preciso cuidado ao falar da pobreza italiana. Parte dela é mais resultado do sucesso do que do fracasso. O jornal "La Repubblica", fez seu mergulho no fim de feira para descobrir que 60% de seus freqüentadores são estrangeiros. Ou: a Itália que exportava sua gente até meados do século 20, devastada pela Segunda Guerra, é hoje uma tal história de sucesso que importa migrantes.
Importa-os até do Brasil, terra de abrigo para os italianos nos séculos 19 e 20. O jornal encontrou, num fim de feira em Milão, a brasileira Sonia G., 45 anos, dois filhos, marido desempregado, 7,5 a hora como empregada doméstica.
De todo modo, o número de pessoas atendidas pelo Banco Alimentare, que fornece comida a quem não consegue comprá-la, viu sua clientela subir de 1,050 milhão em 2001 para 1,502 milhão no ano passado.
O público-alvo potencial seriam os 7,537 milhões de italianos considerados pobres (12,9% da população total).
Mas, de novo, qualquer comparação é impraticável. O pobre dos países pobres é aquele que ganha US$ 2 ao dia, pelo critério do Banco Mundial. O pobre italiano é quem vive com menos de 970 ao mês (R$ 2.500, o que, no Brasil, já é classe média). (CLÓVIS ROSSI)


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