São Paulo, domingo, 13 de abril de 2008

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ARTIGO

Por que Hillary não desiste

Com chances cada vez menores de chegar à Casa Branca, ex-primeira-dama mantém uma campanha feroz embalada pela crença de que está predestinada a ser presidente

SALLY BEDELL SMITH
DO "FINANCIAL TIMES"

As chances de Hillary Clinton conquistar a candidatura democrata à Presidência dos EUA estão hoje entre 5% e 20%. O normal seria ela estar prostrada e ser declarada sua derrota por nocaute técnico. Mas a senadora não só está em pé como segue em campanha com feroz persistência.
A despeito da vantagem de Barack Obama no voto popular e nos votos de delegados do partido que escolherão o candidato de acordo com as prévias em curso -predomínio matemático que dificilmente será revertido-, Hillary promete seguir no páreo até a convenção democrata, no fim de agosto.
Sua campanha incansável inspirou as mais diversas comparações a jornalistas, que combinam admiração e horror ao traçar paralelos entre a senadora e o "Exterminador do Futuro", zumbis, ciborgues ou Anton Chigurh, o matador de "Onde os Fracos Não Têm Vez". Até os acessos de tosse que a afligem com freqüência nos últimos meses se tornaram um símbolo de perseverança.
Depois de ela concluir vigorosamente um discurso sobre política externa, a revista "New Yorker" a elogiou pela capacidade de "reprimir a tosse à base de pura força de vontade".
Sendo assim, o que mantém Hillary na disputa, a despeito de a estratégia de vitória a qualquer custo minar as chances do partido contra o republicano John McCain? A resposta está em parte em sua natureza combativa, a qualidade que Bill Clinton diz tê-lo atraído -"porque ela me confrontou desde o começo". A senadora é igualmente famosa por uma capacidade quase sobrenatural de concentração, acompanhada por uma determinação tão firme que seu marido certa vez disse a um visitante da Casa Branca que "fazê-la mudar de idéia é mais difícil do que levantar sozinho aquela escrivaninha e arremessá-la pela janela".
Para atingir suas metas, ela aprendeu há muito tempo a adotar qualquer que seja a tática, não importa o quão destrutiva. Como disse sua mãe, "Hillary faz tudo que tiver de fazer para prosseguir e superar".
Um dos aspectos mais fascinantes da história espúria que a senadora contou sobre escapar ao fogo de atiradores de tocaia no aeroporto de Tuzla, na Bósnia, foi o fato de ela não admitir que havia descrito a suposta aventura a pelo menos quatro platéias. Não se tratava de um mero lapso verbal causado por falta de sono, como ela alegou.

Auto-engano
Essa capacidade de se auto-iludir não é nova. Na campanha presidencial de 1992, quando Sam Donaldson, da rede de TV ABC, tocou para ela fitas em que Gennifer Flowers, a amante de seu marido, se despedia dele com um "tchau, querido", ao que ele respondia com um "tchau, nenê", a reação de Hillary foi: "Isso nunca aconteceu". "Não aconteceu?", pressionou o repórter. "Claro que não", ela respondeu. Hillary se vê há décadas como uma mulher predestinada.
Sua disposição de viver à sombra do marido, apesar das humilhações dos casos extraconjugais, vinha da convicção de que chegaria sua vez de brilhar. Já em 1974, Bill Clinton dizia que ela um dia seria presidente.
Linda Bloodworth-Thomason, uma das amigas mais próximas do casal, muitas vezes afirmou que, "quando acabar o tempo dos Clinton neste mundo, ambos estarão enterrados ao lado de um presidente dos EUA".
A sensação íntima de Hillary de que ela tem direito à Presidência se expandiu e hoje parece ter se transformado em convicção de que o público lhe deve o maior dos prêmios.
Hillary também se beneficia de uma espécie de vodu político que a faz parecer imbatível até diante de analistas que não se cansam de refazer as contas e descobrir de novo que ela está matematicamente derrotada.
O casal Clinton criou uma máquina política temível, que ataca inimigos e descarta aliados que, em sua opinião, os tenham traído. Uma peça vital dessa mitologia é o fato de que os Clinton não perdem: disputar cargos eletivos é o que a dupla "Billary" faz de melhor, é aquilo que os mantém unidos.
Os dois passaram suas vidas adultas burilando a campanha perfeita, dominando as nebulosas artes das eleições mesmo enquanto estavam no governo.
Hillary faz questão de dizer que, "na vida, não há segunda chance". Mas ela e o marido buscam a maior das segundas chances: mais um mandato ou dois na Casa Branca. Ela por querer realizar seu destino, e ele para ter uma chance de lustrar o brilho do seu legado.
Mas, desta vez, a dinâmica é diferente. Para vencer em 2008, os Clinton têm de reverter os papéis que tinham -Bill como candidato e Hillary como principal conselheira. As demandas de uma campanha inesperadamente difícil fizeram aflorar o pior em ambos, e a popularidade do casal despencou a pontos jamais vistos.
O político virtuose que se alimenta da adulação dos eleitores subitamente se vê forçado a tocar o segundo violino e está sempre fora do tom. A chefe de campanha metódica e acostumada a operar nos bastidores se vê subitamente no palanque, e sua voz muitas vezes expõe uma ponta de irritação, enquanto ela experimenta diferentes personalidades no esforço de convencer os eleitores.
A competência política de Hillary jamais havia sido testada. Seu oponente em 2000 era peso leve, e, em 2006, ela só encontrou oposição simbólica. A candidatura dela à Presidência se baseava na suposição de que uma vez mais enfrentaria adversários fracos e sairia facilmente vitoriosa do processo. Talvez o que tenha propelido Hillary seja a determinação de provar que pode ser tão boa quanto o marido. Mas os meses de campanha mostram que lhe falta o talento político de Bill.
Em qualquer outro ano, provavelmente, teria bastado ser Hillary Clinton. Mas desta vez ela enfrenta um homem cujos dotes políticos são, ironicamente, muitas vezes comparados aos de Bill Clinton.


SALLY BEDELL SMITH é autora de "For Love of Politics: Inside the Clinton White House" (por amor à política: dentro da Casa Branca dos Clinton, da Random House)

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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