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ARTIGO
Por que Hillary não desiste
Com chances cada vez menores de chegar à Casa Branca, ex-primeira-dama mantém uma campanha feroz embalada pela crença de que está predestinada a ser presidente
SALLY BEDELL SMITH
DO "FINANCIAL TIMES"
As chances de Hillary Clinton conquistar a candidatura
democrata à Presidência dos
EUA estão hoje entre 5% e
20%. O normal seria ela estar
prostrada e ser declarada sua
derrota por nocaute técnico.
Mas a senadora não só está em
pé como segue em campanha
com feroz persistência.
A despeito da vantagem de
Barack Obama no voto popular
e nos votos de delegados do
partido que escolherão o candidato de acordo com as prévias
em curso -predomínio matemático que dificilmente será
revertido-, Hillary promete
seguir no páreo até a convenção
democrata, no fim de agosto.
Sua campanha incansável
inspirou as mais diversas comparações a jornalistas, que
combinam admiração e horror
ao traçar paralelos entre a senadora e o "Exterminador do
Futuro", zumbis, ciborgues ou
Anton Chigurh, o matador de
"Onde os Fracos Não Têm
Vez". Até os acessos de tosse
que a afligem com freqüência
nos últimos meses se tornaram
um símbolo de perseverança.
Depois de ela concluir vigorosamente um discurso sobre política externa, a revista "New
Yorker" a elogiou pela capacidade de "reprimir a tosse à base
de pura força de vontade".
Sendo assim, o que mantém
Hillary na disputa, a despeito
de a estratégia de vitória a qualquer custo minar as chances do
partido contra o republicano
John McCain? A resposta está
em parte em sua natureza combativa, a qualidade que Bill
Clinton diz tê-lo atraído
-"porque ela me confrontou
desde o começo". A senadora é
igualmente famosa por uma capacidade quase sobrenatural de
concentração, acompanhada
por uma determinação tão firme que seu marido certa vez
disse a um visitante da Casa
Branca que "fazê-la mudar de
idéia é mais difícil do que levantar sozinho aquela escrivaninha e arremessá-la pela janela".
Para atingir suas metas, ela
aprendeu há muito tempo a
adotar qualquer que seja a tática, não importa o quão destrutiva. Como disse sua mãe, "Hillary faz tudo que tiver de fazer
para prosseguir e superar".
Um dos aspectos mais fascinantes da história espúria que a
senadora contou sobre escapar
ao fogo de atiradores de tocaia
no aeroporto de Tuzla, na Bósnia, foi o fato de ela não admitir
que havia descrito a suposta
aventura a pelo menos quatro
platéias. Não se tratava de um
mero lapso verbal causado por
falta de sono, como ela alegou.
Auto-engano
Essa capacidade de se auto-iludir não é nova. Na campanha
presidencial de 1992, quando
Sam Donaldson, da rede de TV
ABC, tocou para ela fitas em
que Gennifer Flowers, a amante de seu marido, se despedia
dele com um "tchau, querido",
ao que ele respondia com um
"tchau, nenê", a reação de Hillary foi: "Isso nunca aconteceu". "Não aconteceu?", pressionou o repórter. "Claro que
não", ela respondeu.
Hillary se vê há décadas como uma mulher predestinada.
Sua disposição de viver à sombra do marido, apesar das humilhações dos casos extraconjugais, vinha da convicção de
que chegaria sua vez de brilhar.
Já em 1974, Bill Clinton dizia
que ela um dia seria presidente.
Linda Bloodworth-Thomason,
uma das amigas mais próximas
do casal, muitas vezes afirmou
que, "quando acabar o tempo
dos Clinton neste mundo, ambos estarão enterrados ao lado
de um presidente dos EUA".
A sensação íntima de Hillary
de que ela tem direito à Presidência se expandiu e hoje parece ter se transformado em convicção de que o público lhe deve
o maior dos prêmios.
Hillary também se beneficia
de uma espécie de vodu político
que a faz parecer imbatível até
diante de analistas que não se
cansam de refazer as contas e
descobrir de novo que ela está
matematicamente derrotada.
O casal Clinton criou uma
máquina política temível, que
ataca inimigos e descarta aliados que, em sua opinião, os tenham traído. Uma peça vital
dessa mitologia é o fato de que
os Clinton não perdem: disputar cargos eletivos é o que a dupla "Billary" faz de melhor, é
aquilo que os mantém unidos.
Os dois passaram suas vidas
adultas burilando a campanha
perfeita, dominando as nebulosas artes das eleições mesmo
enquanto estavam no governo.
Hillary faz questão de dizer
que, "na vida, não há segunda
chance". Mas ela e o marido
buscam a maior das segundas
chances: mais um mandato ou
dois na Casa Branca. Ela por
querer realizar seu destino, e
ele para ter uma chance de lustrar o brilho do seu legado.
Mas, desta vez, a dinâmica é
diferente. Para vencer em
2008, os Clinton têm de reverter os papéis que tinham -Bill
como candidato e Hillary como
principal conselheira. As demandas de uma campanha
inesperadamente difícil fizeram aflorar o pior em ambos, e
a popularidade do casal despencou a pontos jamais vistos.
O político virtuose que se alimenta da adulação dos eleitores subitamente se vê forçado a
tocar o segundo violino e está
sempre fora do tom. A chefe de
campanha metódica e acostumada a operar nos bastidores
se vê subitamente no palanque,
e sua voz muitas vezes expõe
uma ponta de irritação, enquanto ela experimenta diferentes personalidades no esforço de convencer os eleitores.
A competência política de
Hillary jamais havia sido testada. Seu oponente em 2000 era
peso leve, e, em 2006, ela só encontrou oposição simbólica. A
candidatura dela à Presidência
se baseava na suposição de que
uma vez mais enfrentaria adversários fracos e sairia facilmente vitoriosa do processo.
Talvez o que tenha propelido
Hillary seja a determinação de
provar que pode ser tão boa
quanto o marido. Mas os meses
de campanha mostram que lhe
falta o talento político de Bill.
Em qualquer outro ano, provavelmente, teria bastado ser
Hillary Clinton. Mas desta vez
ela enfrenta um homem cujos
dotes políticos são, ironicamente, muitas vezes comparados aos de Bill Clinton.
SALLY BEDELL SMITH é autora de "For Love of
Politics: Inside the Clinton White House" (por
amor à política: dentro da Casa Branca dos Clinton, da Random House)
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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