São Paulo, terça-feira, 13 de abril de 2010

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Única sudanesa que disputa Presidência defende poligamia

Médica Fatima Mahmoud promete acabar com mutilação genital e lembra que prática é proibida por lei desde 1952

Candidata diz discordar do indiciamento do presidente Bashir por corte internacional e afirma que houve exagero de ONGs acerca de Darfur

FÁBIO ZANINI
ENVIADO ESPECIAL A CARTUM (SUDÃO)

Única mulher a disputar a Presidência do Sudão, a médica Fatima Abdul Mahmoud, 66, tem visões díspares sobre dois temas que aguçam as feministas ocidentais. Promete acabar com a mutilação genital, em que o clitóris de garotas é arrancado, um costume africano. Mas defende a poligamia.
"Na África, é um instrumento de desenvolvimento social", afirma ela, que foi ministra da Ação Social nos anos 70.

 

FOLHA - Por que é candidata?
FATIMA MAHMOUD
- Para aumentar o grau de autoconfiança das mulheres do Sudão. No passado, tivemos rainhas sudanesas. Mulheres foram importantes na independência. Nos anos 70, tornei-me ministra, e tivemos juízas e embaixadoras. Mas esses avanços pararam.

FOLHA - Como é a situação da mulher no Sudão hoje?
MAHMOUD
- Nas universidades, 60% dos estudantes são mulheres. Mas ocupamos 1% dos melhores empregos. Das posições médias, 20% são de mulheres. Somos maioria só em trabalhos básicos: professoras primárias, enfermeiras. Não há igualdade.

FOLHA - A sharia [lei islâmica] é responsável por isso?
MAHMOUD
- A sharia nunca foi obstáculo para mim. Alguns líderes religiosos tradicionais a utilizam para criar problemas. No islã, as mulheres sempre tiveram uma posição muito forte. Elas defenderam o profeta Maomé. Os que usam a sharia contra as mulheres são radicais. Deveriam se modernizar.

FOLHA - Duas situações comuns no Sudão incomodam feministas: a mutilação genital e a poligamia. Qual sua opinião?
MAHMOUD
- A poligamia está no Corão. Não é só costume islâmico, é africano também. Na África, a poligamia pode ser fonte de desenvolvimento social, se a mulher for sustentada pelo marido.

FOLHA - A mulher não vira uma cidadã de segunda categoria?
MAHMOUD
- Isso talvez tenha acontecido no passado, mas hoje é muito comum o próprio marido pedir que a mulher trabalhe para ajudar na renda doméstica. A crise econômica levou a isso. É possível reformar as leis de família. É difícil hoje para a mulher pedir divórcio, bem mais que para o homem.

FOLHA - E a mutilação genital?
MAHMOUD
- É proibida desde 1952. Mas as pessoas ignoram a lei. Essa prática traz complicações para a mulher na gravidez, causa doenças do aparelho reprodutor. É meu compromisso fazer a lei ser respeitada.

FOLHA - Qual sua opinião sobre o presidente Omar al Bashir?
MAHMOUD
- É um líder que respeita as tradições do povo. Mas governa um regime totalitário, baseado no Exército. Isso está um pouco fora de moda hoje.

FOLHA - Por que decidiu não boicotar a eleição?
MAHMOUD
- Embora eu concorde com várias das críticas da oposição, decidi manter a candidatura porque é importante ter uma mulher competindo.

FOLHA - Defende o indiciamento de Bashir pelos crimes em Darfur?
MAHMOUD
- Em princípio, rejeito o julgamento de qualquer sudanês por uma corte internacional. Deve ser feita justiça, mas por uma corte sudanesa.

FOLHA - Concorda que houve crimes em Darfur?
MAHMOUD
- Houve um certo exagero na divulgação dos problemas por algumas ONGs. Mas mesmo um pequeno crime ainda é um crime. A justiça deve ser feita.

FOLHA - A independência do sul pode gerar uma nova guerra?
MAHMOUD
- Sou defensora da união do Sudão. Se o sul se separar, vou trabalhar para que a decisão seja revertida. Não adianta termos dois países em estado de permanente conflito.


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