São Paulo, domingo, 13 de maio de 2007

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Crescimento faz angolanos retornarem

Início de recuperação econômica e cinco anos de paz levam de volta ao país africano cidadãos que estavam refugiados

Guerra civil de 27 anos, encerrada há cinco, deixou 1 milhão de mortos, destruiu infra-estrutura e afetou ecossistema de Angola

ADRIANA MARCOLINI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Godwin Malichi é um dos 410 mil angolanos que voltaram para casa nos últimos quatro anos com o apoio da ONU. O número equivale a 90% de todos os que deixaram o país: 457 mil. Depois de se ver obrigado a morar 31 anos num campo de refugiados na vizinha Zâmbia, sua vontade de voltar era enorme. E a expectativa também.
Transcorridos cinco anos desde o fim da guerra civil, celebrados neste último mês de abril, o economista Malichi esperava achar trabalho e matricular os filhos numa escola. No entanto, apesar de a economia angolana estar se recuperando, ele tem encontrado exigências burocráticas que não esperava -entre as quais a necessidade de carteira de filiação ao MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), partido atualmente no poder, para conseguir emprego nas instituições públicas.
Uma herança dos 27 longos anos de um conflito que deixou 1 milhão de mortos, uma estimativa de 12 milhões de minas terrestres e cerca de 100 mil pessoas mutiladas, além de ter trazido prejuízos ao ambiente e arrasado a infra-estrutura do país -que já havia sido devastado pelos 14 anos da guerra pela independência contra Portugal (1961-1975).
"Volto em maio", afirma Alexandre João de Carvalho, refugiado angolano no Brasil, que aqui se especializou em informática. Vivendo no Rio de Janeiro desde 1993, ele será um dos primeiros, entre os 1.750 angolanos que foram acolhidos pelo país, a aceitar o apoio oferecido pelas Nações Unidas aos que desejam regressar voluntariamente.
"Vamos pagar o bilhete aéreo e daremos uma ajuda individual de US$ 200 para as despesas de viagem", conta o representante do Acnur (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados) no Brasil, Luis Varese. Em Angola, o Acnur desenvolve vários programas de apoio para os que voltam, procurando viabilizar a sua permanência.

Crescimento
O país que Carvalho encontrará será bem diferente daquele que deixou em 1993. Os bombardeios e explosões cederam lugar à retomada da economia. Responsável por 50% do PIB, a produção de petróleo já ocupa o segundo lugar na África e a exportação de diamantes é a segunda maior fonte de divisas. O PIB tem crescido em média 9% ao ano, e a inflação anual está por volta de 10%.
Apesar de exibir índices positivos, Angola carece de atividades econômicas expressivas fora desses setores e sofre de corrupção crônica. A má distribuição de renda talvez seja o maior obstáculo ao desenvolvimento: 70% dos angolanos vivem com menos de US$ 2 por dia, de acordo com o Banco Mundial.
O saneamento inadequado tem causado problemas graves de saúde pública, como a recente epidemia de cólera. Os dados são alarmantes: segundo a organização Médicos sem Fronteiras, desde o início deste ano, 63 pessoas já morreram de cólera e foram notificados cerca de 4.800 casos.
O secretário Daniel Nogueira Leitão, diplomata da embaixada brasileira em Luanda, capital angolana, observa que, embora o governo de Angola tenha muitos desafios pela frente, o país tem conseguido crédito financeiro internacional e está investindo na recuperação da infra-estrutura. "O Brasil ampliou em US$ 750 milhões a linha de crédito a Angola e está aumentando o apoio na área de cooperação técnica", conta.
O diplomata afirma que os angolanos confiam na retomada do processo democrático e salienta que o cadastramento dos eleitores, ora em curso, é um passo importante.
O governo do presidente José Eduardo dos Santos, do MPLA, fixou as eleições parlamentares para 2008 e as presidenciais para 2009 -a primeira vez que os angolanos vão votar desde 1992.
As eleições serão um teste para a paz e a democracia e uma ocasião para colocar à prova a frase do escritor angolano José Eduardo Agualusa: "O pessimismo é um luxo dos povos felizes".


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