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Para analista, Brasil tem visão errada da África
Segundo José Flávio Saraiva, China já percebeu a importância do continente
Professor da Universidade de Brasília diz que o país carece de estratégia para aproveitar "uma das últimas fronteiras do capitalismo"
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Diretor do Ibri (Instituto
Brasileiro de Relações Internacionais) e professor da Universidade de Brasília, José Flávio
Sombra Saraiva é um dos mais
importantes especialistas brasileiros em África. Já publicou
vários livros sobre o continente
e as relações brasileiro-africanas e afirma que, no Brasil,
acredita-se, erroneamente, que
envolvimento com a África significa atraso.
Leia a seguir trechos da sua
entrevista à Folha.
(AM)
FOLHA - Apesar de, em 2003, o governo Lula ter manifestado interesse em se aproximar da África, isso
não refletiu na sociedade brasileira,
inclusive na imprensa, que ignora
aquele continente. Por quê?
JOSÉ FLÁVIO SOMBRA SARAIVA -
Creio que exista uma resistência histórica em se aproximar
da África; sempre que há uma
vontade de o Brasil se aproximar daquele continente ocorre
uma reação profunda. Acho
uma visão equivocada, principalmente dos setores liberais,
que têm um olhar pessimista,
segundo o qual não há o que
trocar com a África. A idéia
mais difundida é que envolver-se no continente africano seja
sinônimo de atraso e não de desenvolvimento.
Mas essa questão é mais
complexa e inclui a imagem
que o Brasil tem de si mesmo.
Damos as costas para a África,
vemo-nos como um país moderno e só identificamos na
África um Brasil "alegre". Essa
é uma imagem que ficou congelada na cultura; é a imagem do
Brasil do samba, mas que não é
associada ao desenvolvimento
e ao crescimento. Estamos perdendo oportunidades com essa
visão equivocada.
A China, por exemplo, está
investindo muito na África. É
importante notar que a média
de crescimento do PIB anual
dos países africanos tem sido
de 6% a 6,5% nos últimos anos
e que os conflitos entre as nações do continente estão hoje
reduzidos de 15 para cinco.
FOLHA - Por trás da recente visita
do primeiro-ministro chinês, Wen
Jiabao, a sete países africanos, há o
interesse em conseguir uma fatia
dos recursos naturais da África e em
expandir o mercado para os produtos chineses. Essa investida da China
no continente africano pode prejudicar os interesses do Brasil?
SARAIVA - Os chineses estabeleceram um claro projeto estratégico para a África, com o objetivo de obter fontes energéticas, minerais estratégicos e importar produtos primários
compensados com empréstimos, financiamentos e investimentos. O Brasil não tem o
mesmo crescimento econômico da China, mas não pode assistir, de longe, ao movimento
dos grandes interesses em torno da África.
Hoje temos mais de 30 diplomatas no continente e contamos com a experiência acumulada nas relações africano-brasileiras para desenvolvermos
uma estratégia. O continente
africano é uma das últimas
fronteiras do capitalismo mundial, mas essa partilha não requer um novo Congresso de
Berlim. O mundo do pós-Guerra Fria é mais sutil, mas não
menos pragmático.
FOLHA - O fim do regime do apartheid e a democratização da África
do Sul podem exercer uma influência positiva no sul da África, considerando que esse país desponta como
um líder regional?
SARAIVA - Sim, a África do Sul
vem se destacando como um
exemplo a ser seguido na região.
Para ampliar seu raio de ação
regional, o governo sul-africano não pode se restringir aos
interesses econômicos e está
pressionando pela democratização das instituições dos demais países.
No caso de Angola, por exemplo, houve um acordo de cooperação econômica e política.
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