São Paulo, domingo, 13 de maio de 2007

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Para analista, Brasil tem visão errada da África

Segundo José Flávio Saraiva, China já percebeu a importância do continente

Professor da Universidade de Brasília diz que o país carece de estratégia para aproveitar "uma das últimas fronteiras do capitalismo"

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Diretor do Ibri (Instituto Brasileiro de Relações Internacionais) e professor da Universidade de Brasília, José Flávio Sombra Saraiva é um dos mais importantes especialistas brasileiros em África. Já publicou vários livros sobre o continente e as relações brasileiro-africanas e afirma que, no Brasil, acredita-se, erroneamente, que envolvimento com a África significa atraso. Leia a seguir trechos da sua entrevista à Folha. (AM)

 

FOLHA - Apesar de, em 2003, o governo Lula ter manifestado interesse em se aproximar da África, isso não refletiu na sociedade brasileira, inclusive na imprensa, que ignora aquele continente. Por quê?
JOSÉ FLÁVIO SOMBRA SARAIVA
- Creio que exista uma resistência histórica em se aproximar da África; sempre que há uma vontade de o Brasil se aproximar daquele continente ocorre uma reação profunda. Acho uma visão equivocada, principalmente dos setores liberais, que têm um olhar pessimista, segundo o qual não há o que trocar com a África. A idéia mais difundida é que envolver-se no continente africano seja sinônimo de atraso e não de desenvolvimento. Mas essa questão é mais complexa e inclui a imagem que o Brasil tem de si mesmo. Damos as costas para a África, vemo-nos como um país moderno e só identificamos na África um Brasil "alegre". Essa é uma imagem que ficou congelada na cultura; é a imagem do Brasil do samba, mas que não é associada ao desenvolvimento e ao crescimento. Estamos perdendo oportunidades com essa visão equivocada. A China, por exemplo, está investindo muito na África. É importante notar que a média de crescimento do PIB anual dos países africanos tem sido de 6% a 6,5% nos últimos anos e que os conflitos entre as nações do continente estão hoje reduzidos de 15 para cinco.

FOLHA - Por trás da recente visita do primeiro-ministro chinês, Wen Jiabao, a sete países africanos, há o interesse em conseguir uma fatia dos recursos naturais da África e em expandir o mercado para os produtos chineses. Essa investida da China no continente africano pode prejudicar os interesses do Brasil?
SARAIVA
- Os chineses estabeleceram um claro projeto estratégico para a África, com o objetivo de obter fontes energéticas, minerais estratégicos e importar produtos primários compensados com empréstimos, financiamentos e investimentos. O Brasil não tem o mesmo crescimento econômico da China, mas não pode assistir, de longe, ao movimento dos grandes interesses em torno da África. Hoje temos mais de 30 diplomatas no continente e contamos com a experiência acumulada nas relações africano-brasileiras para desenvolvermos uma estratégia. O continente africano é uma das últimas fronteiras do capitalismo mundial, mas essa partilha não requer um novo Congresso de Berlim. O mundo do pós-Guerra Fria é mais sutil, mas não menos pragmático.

FOLHA - O fim do regime do apartheid e a democratização da África do Sul podem exercer uma influência positiva no sul da África, considerando que esse país desponta como um líder regional?
SARAIVA
- Sim, a África do Sul vem se destacando como um exemplo a ser seguido na região.
Para ampliar seu raio de ação regional, o governo sul-africano não pode se restringir aos interesses econômicos e está pressionando pela democratização das instituições dos demais países.
No caso de Angola, por exemplo, houve um acordo de cooperação econômica e política.


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