São Paulo, segunda-feira, 13 de junho de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"Queremos levar os indígenas ao poder", diz líder aymará

DA ENVIADA ESPECIAL A LA PAZ

Um dos líderes indígenas da Bolívia, Felipe Quispe, presidente do Movimento Indígena Pachakuti, não disfarça o discurso radical quando diz querer "tomar de assalto o poder". Mas justifica: "Nesse país, somos uma maioria governada por uma minoria e por isso estamos nos mobilizando".
Conhecido como "El Mallku" (o condor), Quispe comandou grande parte do grupo de camponeses que deixou suas comunidades no altiplano e invadiu La Paz com marchas nas últimas semanas.
Ex-deputado e participante nos anos 90 do Exército Guerrilheiro Túpak Katari -o que o levou à prisão por cinco anos, acusado de terrorismo-, o líder aymará crê que a Bolívia vive hoje o início de uma nova revolta indígena. E alerta: "Temos um braço debaixo do poncho, atento para qualquer ação". Eis a entrevista que deu à Folha no último sábado. (CV)

 

Folha - A Bolívia já viveu uma série de revoltas indígenas que foram controladas pelas forças do Estado. O sr. crê que o país está vivendo novamente um momento como assim, ou seja, uma revolta indígena?
Felipe Quispe
- Eu assumi como executivo da Confederação Sindical Única de Trabalhadores Camponeses da Bolívia em 1998, e, desde 1999, estamos fazendo um trabalho político para justamente criar esse momento. Antes, o indígena era muito submisso. Éramos considerados uma espécie de burro de carga dos patrões.
Saímos à luz pública com mobilizações em 2001, quando golpeamos Hugo Banzer, em 2003, quando derrubamos Gonzalo Sánchez de Lozada, e, agora em 2005, conseguimos fazer cair Carlos Mesa. Nesse tempo, as pessoas se deram conta de que, nesse país, somos uma maioria governada por uma minoria, e por isso estamos nos mobilizando.

Folha - E qual o objetivo desse movimento?
Quispe
- Estamos mudando de estratégia. Já não se pode lutar mais pelos outros. Levamos Carlos Mesa nas costas e agora estamos levando Eduardo Rodríguez. E, de verdade, o que eu quero é levar o meu país, meu povo, minha nação indígena ao poder. O que temos de estudar agora é como capturar o poder político, como tomar de assalto o poder.
Nenhum desses governos, nem mesmo Evo Morales [líder cocaleiro do Movimento ao Socialismo], vai nacionalizar os hidrocarbonetos. Apenas nós podemos nacionalizar, ainda que nos custe nossas vidas, porque amamos nossa pátria. Sánchez de Lozada se foi aos EUA e lá vai encher os bolsos. Agora Carlos Mesa vai à Espanha e aí vai encher os bolsos. E o pobre índio, aonde pode ir? Por isso temos de lutar.

Folha - Que saída o sr. defende para a crise boliviana?
Quispe
- Pode ser Eduardo Rodríguez, Carlos Mesa, qualquer um deles: para acalmar a raiva dos habitantes desse país, a saída é nacionalizar os hidrocarbonetos. Aí está o ponto central para acalmar a população. Se nacionalizamos, ganhamos 100%. Com isso, podemos ter trabalho, abrir fábricas.
Mas, se continuamos presenteando [gás] para Brasil, Argentina, Chile, EUA, multinacionais, vamos continuar sendo pobres, e o povo vai continuar se rebelando. E há outros recursos, como água, eletricidade, empresas que antes eram estatais e foram privatizadas. É preciso que retornem às mãos do povo.

Folha - Como o sr. vê a sucessão constitucional que fez de Eduardo Rodríguez presidente?
Quispe
- Foi bonito. Carlos Mesa financiou Evo Morales para trazer seus camponeses a La Paz, mas o movimento pela nacionalização dos hidrocarbonetos fugiu do controle, e Mesa teve de renunciar. Foi um "autogolpe" de Mesa à cabeça de Evo Morales.
Daí obrigaram Hormando Vaca Díez e Mario Cossío [presidentes do Congresso e da Câmara] a renunciar e colocaram Eduardo Rodríguez. É um governo muito fraco, não tem partido político, não tem estrutura política. Por ser muito débil, taticamente, pode ser que se consiga alguma coisa. Mas pode ser que caia também na primeira grande manifestação.

Folha - Que esperam os movimentos indígenas desse governo?
Quispe
- Somente bala e gás lacrimogêneo, nada mais. Seria uma realização política se desse alguma coisa ao indígena. Não temos boas estradas, luz elétrica, computadores, telefone, bons hospitais. Não há tecnologia no campo, não há revolução agrária, continuamos trabalhando com os equipamentos que nos deram os incas. Como vamos competir com outros países?
Os indígenas de origem vão continuar pobres, miseráveis, e nisso não pensa nenhum político. Além disso, não se pode fazer mudanças em seis meses. Rodríguez é um presidente por acidente, um pára-quedista que caiu do céu e vai dizer que somente pode convocar eleições e pronto.

Folha - O sr. é a favor da convocação de eleições gerais?
Quispe
- O movimento indígena tem dois braços, e um deles é o democrático, que é baseado nas leis e manejado nos mesmos parâmetros dos nossos opressores. Então vamos participar. Mas temos outro braço, que está debaixo do poncho e está atento para qualquer ação, e são as mobilizações que fazemos dentro das comunidades.

Folha - Até que ponto o sr. está disposto a fazer uma trégua, como os demais setores?
Quispe
- Até o momento, decidimos manter os bloqueios. Não suspendemos nada porque não ganhamos nada, há um morto e vários feridos, então, desta vez, perdemos tudo. Mas, na segunda-feira [hoje], vamos consultar as bases, e elas vão decidir.


Texto Anterior: América do Sul: Governo boliviano e El Alto selam trégua
Próximo Texto: Panorâmica - Itália: Plebiscito tem baixo comparecimento
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.