|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"Queremos levar os indígenas ao poder", diz líder aymará
DA ENVIADA ESPECIAL A LA PAZ
Um dos líderes indígenas da
Bolívia, Felipe Quispe, presidente
do Movimento Indígena Pachakuti, não disfarça o discurso radical quando diz querer "tomar de
assalto o poder". Mas justifica:
"Nesse país, somos uma maioria
governada por uma minoria e por
isso estamos nos mobilizando".
Conhecido como "El Mallku" (o
condor), Quispe comandou grande parte do grupo de camponeses
que deixou suas comunidades no
altiplano e invadiu La Paz com
marchas nas últimas semanas.
Ex-deputado e participante nos
anos 90 do Exército Guerrilheiro
Túpak Katari -o que o levou à
prisão por cinco anos, acusado de
terrorismo-, o líder aymará crê
que a Bolívia vive hoje o início de
uma nova revolta indígena. E
alerta: "Temos um braço debaixo
do poncho, atento para qualquer
ação". Eis a entrevista que deu à
Folha no último sábado.
(CV)
Folha - A Bolívia já viveu uma série de revoltas indígenas que foram
controladas pelas forças do Estado.
O sr. crê que o país está vivendo novamente um momento como assim, ou seja, uma revolta indígena?
Felipe Quispe - Eu assumi como
executivo da Confederação Sindical Única de Trabalhadores Camponeses da Bolívia em 1998, e,
desde 1999, estamos fazendo um
trabalho político para justamente
criar esse momento. Antes, o indígena era muito submisso. Éramos considerados uma espécie de
burro de carga dos patrões.
Saímos à luz pública com mobilizações em 2001, quando golpeamos Hugo Banzer, em 2003,
quando derrubamos Gonzalo
Sánchez de Lozada, e, agora em
2005, conseguimos fazer cair Carlos Mesa. Nesse tempo, as pessoas
se deram conta de que, nesse país,
somos uma maioria governada
por uma minoria, e por isso estamos nos mobilizando.
Folha - E qual o objetivo desse
movimento?
Quispe - Estamos mudando de
estratégia. Já não se pode lutar
mais pelos outros. Levamos Carlos Mesa nas costas e agora estamos levando Eduardo Rodríguez.
E, de verdade, o que eu quero é levar o meu país, meu povo, minha
nação indígena ao poder. O que
temos de estudar agora é como
capturar o poder político, como
tomar de assalto o poder.
Nenhum desses governos, nem
mesmo Evo Morales [líder cocaleiro do Movimento ao Socialismo], vai nacionalizar os hidrocarbonetos. Apenas nós podemos
nacionalizar, ainda que nos custe
nossas vidas, porque amamos
nossa pátria. Sánchez de Lozada
se foi aos EUA e lá vai encher os
bolsos. Agora Carlos Mesa vai à
Espanha e aí vai encher os bolsos.
E o pobre índio, aonde pode ir?
Por isso temos de lutar.
Folha - Que saída o sr. defende
para a crise boliviana?
Quispe - Pode ser Eduardo Rodríguez, Carlos Mesa, qualquer
um deles: para acalmar a raiva dos
habitantes desse país, a saída é nacionalizar os hidrocarbonetos. Aí
está o ponto central para acalmar
a população. Se nacionalizamos,
ganhamos 100%. Com isso, podemos ter trabalho, abrir fábricas.
Mas, se continuamos presenteando [gás] para Brasil, Argentina, Chile, EUA, multinacionais,
vamos continuar sendo pobres, e
o povo vai continuar se rebelando. E há outros recursos, como
água, eletricidade, empresas que
antes eram estatais e foram privatizadas. É preciso que retornem às
mãos do povo.
Folha - Como o sr. vê a sucessão
constitucional que fez de Eduardo
Rodríguez presidente?
Quispe - Foi bonito. Carlos Mesa
financiou Evo Morales para trazer
seus camponeses a La Paz, mas o
movimento pela nacionalização
dos hidrocarbonetos fugiu do
controle, e Mesa teve de renunciar. Foi um "autogolpe" de Mesa
à cabeça de Evo Morales.
Daí obrigaram Hormando Vaca
Díez e Mario Cossío [presidentes
do Congresso e da Câmara] a renunciar e colocaram Eduardo Rodríguez. É um governo muito fraco, não tem partido político, não
tem estrutura política. Por ser
muito débil, taticamente, pode ser
que se consiga alguma coisa. Mas
pode ser que caia também na primeira grande manifestação.
Folha - Que esperam os movimentos indígenas desse governo?
Quispe - Somente bala e gás lacrimogêneo, nada mais. Seria
uma realização política se desse
alguma coisa ao indígena. Não temos boas estradas, luz elétrica,
computadores, telefone, bons
hospitais. Não há tecnologia no
campo, não há revolução agrária,
continuamos trabalhando com os
equipamentos que nos deram os
incas. Como vamos competir
com outros países?
Os indígenas de origem vão
continuar pobres, miseráveis, e
nisso não pensa nenhum político.
Além disso, não se pode fazer mudanças em seis meses. Rodríguez
é um presidente por acidente, um
pára-quedista que caiu do céu e
vai dizer que somente pode convocar eleições e pronto.
Folha - O sr. é a favor da convocação de eleições gerais?
Quispe - O movimento indígena
tem dois braços, e um deles é o democrático, que é baseado nas leis
e manejado nos mesmos parâmetros dos nossos opressores. Então
vamos participar. Mas temos outro braço, que está debaixo do
poncho e está atento para qualquer ação, e são as mobilizações
que fazemos dentro das comunidades.
Folha - Até que ponto o sr. está
disposto a fazer uma trégua, como
os demais setores?
Quispe - Até o momento, decidimos manter os bloqueios. Não
suspendemos nada porque não
ganhamos nada, há um morto e
vários feridos, então, desta vez,
perdemos tudo. Mas, na segunda-feira [hoje], vamos consultar as
bases, e elas vão decidir.
Texto Anterior: América do Sul: Governo boliviano e El Alto selam trégua Próximo Texto: Panorâmica - Itália: Plebiscito tem baixo comparecimento Índice
|