São Paulo, domingo, 13 de julho de 2008

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Exposição reúne quadros em busca de proprietários

Mostra em Paris traz arte roubada por nazistas de donos até hoje desconhecidos

Obras de pintores europeus consagrados servem à reconstituição da pilhagem ocorrida durante a ocupação da França, na 2ª Guerra


Reprodução
"La Beveuse" (a bebedora), do holandês Pieter de Hooch

LENEIDE DUARTE-PLON
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE PARIS

A mostra de pintura que o Museu de Arte e História do Judaísmo inaugurou em Paris é mais que uma exposição de arte. É de política e de história que falam os quadros de pintores consagrados como Utrillo, Degas, Delacroix, Monet, Vlaminck, Ingres, Fragonard, Cézanne, Courbet, Matisse, Marx Ernst e Seurat. Entre os 53 quadros da exposição, há ainda obras de grandes mestres da pintura holandesa, além de algumas obras anônimas.
O nazismo e a espoliação de bens de colecionadores judeus, durante a ocupação da França pelos alemães, são o centro de interesse da exposição, que tem como título: "A quem pertenciam esses quadros?". O subtítulo explica a pergunta: "Espoliações, restituições e pesquisa de origem: o destino das obras de arte trazidas da Alemanha após a guerra".

Abaixo do mercado
Nem todos os quadros enviados à Alemanha durante a guerra foram fruto de pilhagem. E nem todos pertenciam a judeus. Os alemães compraram muito no mercado francês, tirando proveito das leis raciais decretadas pelo governo fantoche do marechal Pétain. Puderam se apropriar de obras pertencentes a judeus que fugiam, mas também compraram obras de grande valor por preços muito abaixo do mercado.
A exposição chegou a Paris, onde fica até 26 de outubro, depois de ter sido mostrada no Museu de Israel, em Jerusalém. Ela é o resultado da Missão Mattéoli, nomeada por Lionel Jospin em 1999 para estudar a espoliação dos judeus franceses. Essa missão concluiu que 10% do fundo chamado Musées Nationaux Récupération (MNR), que contém 2.000 obras, deve ser de pinturas espoliadas a famílias judias.
A exposição mostra os diferentes processos de apropriação praticados pelos nazistas durante a Segunda Guerra, desde as primeiras pilhagens feitas em julho de 1940 até as conseqüências das leis raciais do governo de Vichy (dirigido por Pétain). Através de textos didáticos, também mostra como foram feitas as restituições no pós-guerra, seja aos grandes colecionadores, como a família Rothschild, seja a outras famílias que puderam comprovar a origem das obras.
Mesmo após o trabalho de historiadores de arte dos dois países, ainda restam as 2.000 obras classificadas MNR (Musées Nationaux Récupération). Elas estão sob a guarda permanente de museus franceses.
Através de vídeos, de textos e de documentos, o visitante pode entender como foram feitas as pesquisas para encontrar a origem dos quadros, possibilitando a restituição aos proprietários ou a descendentes.

Oficial alemão
Cem mil obras de arte repertoriadas depois da guerra na Alemanha saíram da França, de seis maneiras diferentes. Foram confiscadas pelos diversos serviços nazistas, compradas ou trocadas.
Entre elas, algumas pertenceram a um oficial alemão. Essa história rocambolesca de um tesouro perdido foi contada por um arcebispo que devolveu os quadros aos museus estatais de Berlim. Eram 28 pinturas e desenhos de Delacroix, Corot, Millet, Manet, Renoir e Seurat, adquiridos por um oficial alemão e entregues a um soldado que voltou à Alemanha.
Como o oficial não apareceu depois da guerra para reclamar seu tesouro, o soldado o confiou, sob o segredo da confissão, a monsenhor Heinrich Solbach, arcebispo de Magdebourg. Este o entregou ao organismo central dos museus alemães. Essas obras foram devolvidas a François Mitterrand, em 1994, e foram expostas no Musée d'Orsay no mesmo ano.
Fazendo desapropriações de bens de judeus, os nazistas contavam com a Einsatzstab Rechsleiter Rosenberg (ERR), criada por Hitler sob a autoridade de Alfred Rosenberg, ideólogo do partido nazista e teórico do anti-semitismo. Entre abril de 1941 e julho de 1944, esse serviço enviou para a Alemanha 138 vagões contendo 4.174 caixas, correspondendo a 22 mil objetos ou lotes de objetos. Segundo um relatório de julho de 1944, 38 mil apartamentos parisienses foram pilhados e os objetos de valor encaminhados à ERR.

Picasso x holandeses
Hitler e Goering adquiriram obras de pintores flamengos através de operações de trocas de obras de pintores modernos como Picasso e Matisse, confiscadas a colecionadores como Paul Rosenberg, o marchand de Picasso. As obras desses pintores, consideradas "arte degenerada", serviam de moeda de troca para aquisição de obras de pintores holandeses, que os dirigentes nazistas admiravam.
Depois da guerra, autoridades aliadas estabeleceram comissões para resolver o verdadeiro quebra-cabeças das obras de arte estocadas na Alemanha, provenientes de diversos países europeus. Das 100 mil mil obras de arte que, calcula-se, deixaram o território francês durante a guerra, 60 mil retornaram à França em 1945, das quais 45 mil foram restituídas aos proprietários até 1949. Entre as 15 mil restantes, 13 mil foram vendidas pela organização que administra os museus franceses, entre 1950 e 1953.
As outras 2.000 estão espalhadas pelos museus nacionais com o selo MNR, de onde saíram as 53 obras expostas atualmente no Museu de Arte e de História do Judaísmo.
Nos dias 14 e 15 de setembro, haverá um colóquio internacional no próprio museu, intitulado Espoliações, restituições, indenizações e pesquisa de origem: o destino das obras de arte encontradas depois da Segunda Guerra Mundial.


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