São Paulo, domingo, 13 de julho de 2008

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Conflito fratura base de Cristina

Crise prolongada com o campo ameaça aliança do peronismo com radicais e racha central sindical

Desgaste tem reflexos no Congresso; mesmo com maioria, presidente suou para aprovar na Câmara o aumento de impostos


ADRIANA KÜCHLER
DE BUENOS AIRES

De 2003 a 2007, o presidente Néstor Kirchner governou com tranqüila maioria no Congresso, apoio de grande parte de governadores e prefeitos e sustentação da maior central de trabalhadores do país. No fim do ano passado, transferiu a faixa presidencial e toda a base de apoio para a mulher, a atual mandatária Cristina Kirchner.
Tudo parecia perfeito até março, quando Cristina determinou um aumento dos impostos sobre as exportações de grãos, gerando quatro locautes agropecuários, bloqueios de estradas e desabastecimento.
O conflito trouxe seqüelas: fraturou a base de apoio parlamentar, dividiu o partido oficial, o Justicialista (peronista), rachou a principal central sindical e uniu setores do campo e da cidade contra o governo.
A base de apoio começou a se dissolver no campo. O interior e a periferia de Buenos Aires foram os principais eleitores de Cristina, que não tinha apoio nas grandes cidades. Hoje, essa base de votos se perdeu.
Em março, Cristina tinha 64% de imagem positiva em duas das principais Províncias agrícolas do país, Entre Ríos e Corrientes. Em junho, esse índice caiu para 17%. "Antes do conflito, sua imagem no campo estava acima da média nacional. Hoje, está abaixo da média", afirma o analista Fabián Perechodnik, da consultoria Poliarquía, autora do estudo.
O descontentamento no interior se refletiu na "rebeldia" de prefeitos e governadores peronistas, que preferiram ficar ao lado de suas bases no campo do que de um governo impopular. Para evitar um desgaste ainda maior, a presidente enviou o projeto de lei que determinava o aumento de impostos ao Congresso. A aprovação parecia óbvia, já que o governo tem maioria qualificada no Legislativo. No entanto, a vitória na Câmara, há uma semana, foi suada, após 19 horas de sessão.
A chamada Concertação Plural formada por Kirchner para as últimas eleições, com o apoio de membros da União Cívica Radical e de outros partidos, se dispersou durante a crise. Kirchner, hoje presidente do Partido Justicialista, ligou para cada deputado da base de apoio para garantir a aprovação.
Para a votação no Senado, nesta quarta, convocou uma marcha até o Congresso para pressionar os legisladores.
O analista Julio Burdman, do Centro de Estudos Nova Maioria, acredita que o governo deve aprovar o projeto, apesar das dissidências. "O problema é que essa dissidência pode crescer se os Kirchner não mantiverem uma equilíbrio com a própria tropa", diz.

Senso comum
Outro personagem que ganhou protagonismo e voz própria em meio ao conflito foi o vice-presidente, Julio Cobos, um dos radicais que se associaram ao governo. No auge da crise, Cobos convocou reuniões com líderes ruralistas e governadores, falou em buscar consensos e foi o primeiro a sugerir que o projeto de aumento dos impostos deveria ser enviado ao Congresso. "Com o discurso do senso comum, dizendo o que a maioria das pessoas pensa diante de um governo que não aceita dissidência, Cobos recuperou o protagonismo da função", diz Perechodnik.
O episódio mais recente da fratura da base de apoio do governo foi a divisão, na semana passada, da Confederação Geral do Trabalho, a CGT, maior e mais importante central sindical da Argentina e garantia de público nos atos oficiais.
Outra ameaça ao futuro político dos Kirchner é o ressurgimento de dissidências dentro do peronismo. "Na América Latina, a perda de popularidade e de apoios internos constitui um coquetel explosivo para qualquer governante", diz Burdman.


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