São Paulo, domingo, 13 de agosto de 2006

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opinião

O último silêncio do comunismo

RAÚL RIVERO
DO "MONDE"

Hugo Chávez se lamenta, no Vietnã; Evo Morales saca do poncho o seu lenço vermelho; o presidente chinês, Hu Jintao, digita em seu computador um telegrama triste, como que ditado por Mao Tsé-Tung; há manifestações e discursos em Miami; homens e mulheres expressam suas opiniões na Cidade do México, Madri, Buenos Aires. Em Cuba, ninguém diz coisa alguma. Lá reina um silêncio maior do que a noite, e, nos canais oficiais de TV, uma criança murmura: "Os médicos vão conseguir curá-lo. Ele é um homem bom".
E isso é tudo. Sobre a superfície, escorre o xarope tropical do triunfalismo e a canção da eternidade. É o momento exato no qual as correntes que agrilhoam 11 milhões de cubanos se tornam inteiramente visíveis.
A transferência de poder na ilha e a gravidade do estado de saúde de Fidel Castro provocaram reações no mundo inteiro. Exceto no país que o suporta há quase meio século, exceto nas casas em que vivem membros remanescentes de famílias dispersas, exceto nos locais de trabalho onde se labuta por um salário de fome.
O governo controla a palavra, e o povo não tem direitos. O povo é uma sombra que rasteja pela rua, tomado pelo medo, e a quem se ordena que volte para casa, onde o medo crescerá ainda mais.
A oposição pacífica, a imprensa independente, os militantes dos direitos humanos, os democratas que tiveram coragem de exibir seus rostos descobertos? Trancafiados, perseguidos mesmo em suas casas, com os telefones sob escuta, e sob constante patrulha de uma brigada paramilitar encarregada de impedir caso decidam se aventurar nas ruas.
Um país como esse parece quase incrível, a menos que essa tranqüilidade não venha da repressão, a menos que as pessoas saibam, por tê-lo vivido, que por trás do discurso do amor há um tanque de guerra. Da mesma forma que por trás da obsessão por fabricar médicos e inventar professores em apenas duas semanas se oculta o desprezo pela saúde e pela educação.
Até agora, é verdade, eles foram capazes de manter vivo seu gosto pelo segredo, seus mistérios, suas armadilhas, as manipulações possíveis em uma sociedade na qual 70% dos cidadãos (nascidos depois de 1959) jamais conheceram a democracia e vivem sob propaganda.
Mas ao que parece talvez estejamos vivendo a temporada final do mistério, das máscaras, porque as ditaduras pessoais são o que são: ditaduras, e pessoais.
Elas não são compartilhadas como um maço de notas de dinheiro ou como o botim entre um bando de piratas.
Escutem bem os últimos silêncios do comunismo cubano, porque eles não retornarão. Escutem-nos bem, agora, por sob o terror policial. Porque é sabido que um caminho começa a se abrir para os milhões de homens e mulheres que continuam a percorrer seus labirintos com a filosofia dos velhos prisioneiros: dar pequenos passos e olhar ao longe.


RAÚL RIVERO é poeta e dissidente cubano.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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