|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
opinião
O último silêncio do comunismo
RAÚL RIVERO
DO "MONDE"
Hugo Chávez se lamenta,
no Vietnã; Evo Morales saca
do poncho o seu lenço vermelho; o presidente chinês,
Hu Jintao, digita em seu
computador um telegrama
triste, como que ditado por
Mao Tsé-Tung; há manifestações e discursos em Miami;
homens e mulheres expressam suas opiniões na Cidade
do México, Madri, Buenos
Aires. Em Cuba, ninguém diz
coisa alguma. Lá reina um silêncio maior do que a noite,
e, nos canais oficiais de TV,
uma criança murmura: "Os
médicos vão conseguir curá-lo. Ele é um homem bom".
E isso é tudo. Sobre a superfície, escorre o xarope
tropical do triunfalismo e a
canção da eternidade. É o
momento exato no qual as
correntes que agrilhoam 11
milhões de cubanos se tornam inteiramente visíveis.
A transferência de poder
na ilha e a gravidade do estado de saúde de Fidel Castro
provocaram reações no
mundo inteiro. Exceto no
país que o suporta há quase
meio século, exceto nas casas
em que vivem membros remanescentes de famílias dispersas, exceto nos locais de
trabalho onde se labuta por
um salário de fome.
O governo controla a palavra, e o povo não tem direitos. O povo é uma sombra
que rasteja pela rua, tomado
pelo medo, e a quem se ordena que volte para casa, onde
o medo crescerá ainda mais.
A oposição pacífica, a imprensa independente, os militantes dos direitos humanos, os democratas que tiveram coragem de exibir seus
rostos descobertos? Trancafiados, perseguidos mesmo
em suas casas, com os telefones sob escuta, e sob constante patrulha de uma brigada paramilitar encarregada
de impedir caso decidam se
aventurar nas ruas.
Um país como esse parece
quase incrível, a menos que
essa tranqüilidade não venha
da repressão, a menos que as
pessoas saibam, por tê-lo vivido, que por trás do discurso
do amor há um tanque de
guerra. Da mesma forma que
por trás da obsessão por fabricar médicos e inventar
professores em apenas duas
semanas se oculta o desprezo
pela saúde e pela educação.
Até agora, é verdade, eles
foram capazes de manter vivo seu gosto pelo segredo,
seus mistérios, suas armadilhas, as manipulações possíveis em uma sociedade na
qual 70% dos cidadãos (nascidos depois de 1959) jamais
conheceram a democracia e
vivem sob propaganda.
Mas ao que parece talvez
estejamos vivendo a temporada final do mistério, das
máscaras, porque as ditaduras pessoais são o que são: ditaduras, e pessoais.
Elas não
são compartilhadas como
um maço de notas de dinheiro ou como o botim entre um
bando de piratas.
Escutem bem os últimos
silêncios do comunismo cubano, porque eles não retornarão. Escutem-nos bem,
agora, por sob o terror policial. Porque é sabido que um
caminho começa a se abrir
para os milhões de homens e
mulheres que continuam a
percorrer seus labirintos
com a filosofia dos velhos
prisioneiros: dar pequenos
passos e olhar ao longe.
RAÚL RIVERO é poeta e dissidente cubano.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
Texto Anterior: Frase Próximo Texto: Jornal oficial diz que Fidel "se levantou" e deu alguns passos Índice
|