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EUA deixam de apontar culpado no Cáucaso
Reduzido a espectador, governo americano baixa tom, pulveriza discurso e lança ameaça velada à presença russa em órgãos internacionais
Sem falar em coro, Bush, chanceler, vice-presidente, embaixador na ONU e rivais à Presidência não se fazem ouvir através do Atlântico
DA EDITORA-ADJUNTA DE MUNDO
Amenizando o tom acusatório contra Moscou dos quatro
dias anteriores, o governo americano disse ontem ser "irrelevante" apontar dedos na crise
do Cáucaso e que o que importava era "encerrar o conflito".
A declaração é de um porta-voz da Casa Branca, Tony Fratto, e pode até estar um tanto fora de sincronia com seus superiores. Mas dá a medida da cacofonia em Washington nos
seis dias de crise no Cáucaso.
"Não vou culpar ninguém.
Acho que perguntar quem [é
responsável] é irrelevante",
disse Fratto. "A questão é que
todas as partes devem recuar."
A frase, que ressoou só na
agência France Presse, é uma
mudança gritante em relação
ao que vinham dizendo antes a
Casa Branca, o Departamento
de Estado, o embaixador dos
EUA na ONU e o candidato situacionista à Presidência.
Sem discurso em uníssono e
nenhuma ação de peso além da
repatriação dos 2.000 soldados
georgianos no Iraque, o resultado é o descrito em artigo do
"Financial Times": os EUA viraram espectadores da crise.
É como se Washington desse
de ombros a seu aliado Mikhail
Saakashvili, na Geórgia, após
tê-lo atiçado contra Moscou
com uma relação estreita e o
vislumbre de entrar na Otan.
A moderação também surgiu
em nota da secretária de Estado, Condoleezza Rice, que voltou a pedir aos russos que cumprissem a suspensão das operações e a apoiar "a integridade
territorial da Geórgia", cerne
da posição dos EUA. Mas o tom
foi notadamente otimista, com
crédito à mediação européia.
A única insinuação de castigo
a Moscou veio após a Geórgia,
que iniciou o conflito, aceitar o
cessar-fogo forjado por russos e
europeus. E de forma apócrifa.
"Autoridade em comércio" dos
EUA disse a agências de notícias que a "Rússia terá de assegurar sua vaga na OMC, OCDE,
G8 e organizações do tipo".
Mas para vetar a Rússia na
Organização Mundial do Comércio e na Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico e expulsá-la do
clube que ambos compartem
com canadenses, japoneses,
alemães, franceses, britânicos e
italianos, os EUA careceriam
de apoio político dos demais sócios. Por ora, não há sinal disso.
Eco na campanha
As declarações de ontem são
quase sussurros ante a estridência do vice-presidente e do
embaixador americano na
ONU no domingo, quando Dick
Cheney disse que "a ação russa
não poderia ficar sem resposta", e Zalmay Khalilzad acusou
Moscou de visar derrubar Saakashvili, referindo-se à resposta militar como "agressão" que
arriscava prejudicar a relação
dos ex-rivais de Guerra Fria.
O presidente George W.
Bush ecoaria parte das acusações só depois. Mas perderia
em decibéis até para o candidato de seu partido a sucedê-lo.
Após ter dito que a Rússia estava "desrespeitando a soberania" georgiana, John McCain
(cuja equipe de campanha emprega um lobista pró-Geórgia)
voltou a acusar Moscou e disse
ter telefonado a Saakashvili
-"Misha", em suas palavras.
"Disse a ele que falo por todos
os americanos ao afirmar que,
hoje, somos todos georgianos."
De férias no Havaí, o presidenciável democrata, Barack
Obama, também frisou a "hora
de agir e não de falar" e evocou
a parcela de culpa da Geórgia,
que deve "conter o uso da força" nas regiões separatistas.
Mas, na busca por conciliação, as declarações de Obama
podem soar vagas ante o rival e
pouco ajudar a percepção dos
americanos sobre seu projeto
de política externa -para o
eleitor médio, leniente demais.
(LUCIANA COELHO)
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