São Paulo, quarta-feira, 13 de agosto de 2008

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EUA deixam de apontar culpado no Cáucaso

Reduzido a espectador, governo americano baixa tom, pulveriza discurso e lança ameaça velada à presença russa em órgãos internacionais

Sem falar em coro, Bush, chanceler, vice-presidente, embaixador na ONU e rivais à Presidência não se fazem ouvir através do Atlântico


DA EDITORA-ADJUNTA DE MUNDO

Amenizando o tom acusatório contra Moscou dos quatro dias anteriores, o governo americano disse ontem ser "irrelevante" apontar dedos na crise do Cáucaso e que o que importava era "encerrar o conflito".
A declaração é de um porta-voz da Casa Branca, Tony Fratto, e pode até estar um tanto fora de sincronia com seus superiores. Mas dá a medida da cacofonia em Washington nos seis dias de crise no Cáucaso.
"Não vou culpar ninguém. Acho que perguntar quem [é responsável] é irrelevante", disse Fratto. "A questão é que todas as partes devem recuar."
A frase, que ressoou só na agência France Presse, é uma mudança gritante em relação ao que vinham dizendo antes a Casa Branca, o Departamento de Estado, o embaixador dos EUA na ONU e o candidato situacionista à Presidência.
Sem discurso em uníssono e nenhuma ação de peso além da repatriação dos 2.000 soldados georgianos no Iraque, o resultado é o descrito em artigo do "Financial Times": os EUA viraram espectadores da crise.
É como se Washington desse de ombros a seu aliado Mikhail Saakashvili, na Geórgia, após tê-lo atiçado contra Moscou com uma relação estreita e o vislumbre de entrar na Otan.
A moderação também surgiu em nota da secretária de Estado, Condoleezza Rice, que voltou a pedir aos russos que cumprissem a suspensão das operações e a apoiar "a integridade territorial da Geórgia", cerne da posição dos EUA. Mas o tom foi notadamente otimista, com crédito à mediação européia.
A única insinuação de castigo a Moscou veio após a Geórgia, que iniciou o conflito, aceitar o cessar-fogo forjado por russos e europeus. E de forma apócrifa. "Autoridade em comércio" dos EUA disse a agências de notícias que a "Rússia terá de assegurar sua vaga na OMC, OCDE, G8 e organizações do tipo".
Mas para vetar a Rússia na Organização Mundial do Comércio e na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico e expulsá-la do clube que ambos compartem com canadenses, japoneses, alemães, franceses, britânicos e italianos, os EUA careceriam de apoio político dos demais sócios. Por ora, não há sinal disso.

Eco na campanha
As declarações de ontem são quase sussurros ante a estridência do vice-presidente e do embaixador americano na ONU no domingo, quando Dick Cheney disse que "a ação russa não poderia ficar sem resposta", e Zalmay Khalilzad acusou Moscou de visar derrubar Saakashvili, referindo-se à resposta militar como "agressão" que arriscava prejudicar a relação dos ex-rivais de Guerra Fria.
O presidente George W. Bush ecoaria parte das acusações só depois. Mas perderia em decibéis até para o candidato de seu partido a sucedê-lo.
Após ter dito que a Rússia estava "desrespeitando a soberania" georgiana, John McCain (cuja equipe de campanha emprega um lobista pró-Geórgia) voltou a acusar Moscou e disse ter telefonado a Saakashvili -"Misha", em suas palavras. "Disse a ele que falo por todos os americanos ao afirmar que, hoje, somos todos georgianos."
De férias no Havaí, o presidenciável democrata, Barack Obama, também frisou a "hora de agir e não de falar" e evocou a parcela de culpa da Geórgia, que deve "conter o uso da força" nas regiões separatistas.
Mas, na busca por conciliação, as declarações de Obama podem soar vagas ante o rival e pouco ajudar a percepção dos americanos sobre seu projeto de política externa -para o eleitor médio, leniente demais.
(LUCIANA COELHO)


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