São Paulo, quarta-feira, 13 de agosto de 2008

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Morales deve focar em diálogo com Congresso

DA ENVIADA A LA PAZ

No referendo de domingo na Bolívia governadores autonomistas mantiveram seus cargos, e permaneceu a queda-de-braço entre os pólos. Mas o presidente Evo Morales sai da votação com um trunfo: a ampla vitória -66,3% com 80% da apuração concluída- e sua votação expressiva no rico leste do país impedem seus adversários de questioná-lo como líder nacional, com autoridade sobre todo o território.
Não é pouco. O número dá a Morales argumentos contra os grupos radicais -aliados dos governadores- que o impediram de visitar regiões opositoras e receber os colegas Hugo Chávez (Venezuela) e Cristina Kirchner (Argentina) na semana passada. Os episódios levaram ao confinamento do presidente nas terras altas, aos gritos de que ele só governava parte do país, numa das cenas mais simbólicas da crise política.
A votação mostrou que o país está dividido entre a meia-lua (o bloco de quatro departamentos autonomistas) e o altiplano governista. Porém, o território governado pelos adversários mais ferrenhos do presidente tampouco rejeita categoricamente Morales. O presidente ganhou em Pando (52%), empatou em Tarija e alcançou cifras em torno de 40% em Beni e em Santa Cruz, o rico departamento cujo governador, Ruben Costas, lidera a oposição a Morales. Os quatro governadores opositores foram também amplamente ratificados. O cruzamento dos números indica que pelo menos parte dos eleitores ignorou o conflito nacional e votou tanto por Morales quanto por seus mais ferrenhos opositores.
O referendo mostrou ainda que, paradoxalmente, o presidente é fator de divisão mas também de unidade, num país que teve cinco presidentes desde 2001 -Morales, há mais de dois anos no cargo, superou a maioria dos seus antecessores.

Congresso em foco
Mas, se a leitura dos resultados impõe uma saída negociada, os principais atores do conflito, Morales e as lideranças de Santa Cruz, fingem até agora não ver. A discussão sobre diálogo entre oposição e Morales está parada no mesmo lugar desde novembro passado.
O governador cruzenho, Rubén Costas, diz que só conversa se o governo devolver parte do IDH, imposto sobre o gás cujo repasse às regiões foi cortado em 30% para financiar renda mínima a idosos. La Paz é irredutível quanto ao tema, já que o programa é um dos pilares do projeto de redistribuição de renda de Morales.
Enquanto a negociação não vem, o risco é Morales tentar usar a ampla vitória para avançar unilateralmente com a Constituição, aprovada pelos governistas e não pelos dois terços da Assembléia Constituinte. E vai ser pressionado internamente para fazê-lo, apesar do discurso de integração entre o texto estatista e pró-indigenismo e os estatutos autonômicos dos departamentos.
É que para avançar com o referendo da Carta o governo não precisa das regiões, mas do Congresso. A proposta de consulta tem de passar pelo Senado, dominado pelo partido opositor Podemos. Os líderes da legenda, que rejeitavam a Carta, apareceram mais dóceis nos últimos dias elogiando o chamado de Morales ao diálogo.
Os governadores vêem aí uma ameaça: a aliança tática entre o Podemos e o governo para isolá-los. (FM)


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