São Paulo, sábado, 13 de setembro de 2008

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Morales impõe estado de sítio regional

Medida atinge Pando, na fronteira com o Acre, onde governo responsabilizou governador pela morte de camponeses

Militares usam força para retomar aeroporto ocupado por opositores; ação produziu um morto, que segundo rádio é soldado


FLAVIA MARREIRO
ENVIADA ESPECIAL A VILLAMONTES

O governo da Bolívia declarou estado de sítio em Pando, departamento no norte do país, na fronteira com o Acre, um dia depois que enfrentamentos na região entre camponeses pró-Evo Morales e opositores causaram a morte de ao menos nove pessoas.
A medida de exceção foi anunciada no começo da noite, no momento em que chegavam, por rádios locais, os primeiros relatos sobre a retomada militar do aeroporto da capital do departamento, Cobija, controlado desde 5 de setembro por grupos ligados ao governador Leopoldo Fernández, um opositor do presidente Morales. Segundo as mesmas rádios, a ação causou a morte de um soldado e deixou três feridos, incluindo um militar.
O decreto do estado de sítio foi assinado pelo ministro da Defesa, Walker San Miguel.
Horas antes, as Forças Armadas haviam divulgado um comunicado no qual se comprometeram a defender o governo e a Constituição, anunciaram o deslocamento de mais soldados e armamentos para as áreas de conflito e advertiram que não tolerariam novas ações de "vandalismo" de grupos opositores violentos, que ocuparam dezenas de prédios públicos federais e duas estações energéticas nos últimos dias.
"O governo analisou a situação excepcional de Cobija nas últimas horas e vimos que põe em perigo não só a convivência dos cidadãos, mas a própria vida", disse Alfredo Rada, ministro de Governo, responsável pela Polícia Nacional.

Diálogo ofuscado
A medida ofuscou a frágil tentativa de diálogo entre o presidente Evo Morales e o governador de Tarija, Mario Cossío, representante dos cinco departamentos rebeldes do país -além de Tarija, Santa Cruz, Pando, Beni e Chuquisaca são governados por opositores. Cossío mantinha encontro com Morales em La Paz quando o estado de sítio foi anunciado.
Pelo decreto, fica proibida a circulação entre meia-noite e 6h, o porte de armas e de explosivos. Também são vetados eventos políticos e o governo pode ordenar a prisão de quem considerar responsável pela perturbação da ordem pública.
Durante todo o dia, o governo acusou o governador de Pando de ter contratado pistoleiros para atacar os camponeses na quinta-feira, incluindo menções à presença de brasileiros (leia box nesta página). Não havia declarações de Fernández até o fechamento desta edição.
A opção de declarar estado de sítio -no país ou nas regiões governadas por opositores onde ocorrem os conflitos- estava na mesa do governo de Evo Morales desde a semana passada, quando se intensificaram as ocupações de aeroportos.
Mas havia, pelo menos até o começo da semana, resistência nas próprias Forças Armadas, segundo uma fonte diplomática brasileira ouvida pela Folha.

Versões díspares
Ontem à noite, havia divergências entre as versões do governo, dos meios de comunicação e da oposição sobre o episódio no aeroporto de Cobija.
Segundo o vice-ministro para os Movimentos Sociais, Sacha Llorenti, um avião que levava militares à cidade foi recebido "a rajadas de metralhadoras" no local, onde líderes "cívicos" e integrantes da União Juvenil Pandina -grupos de apoio ao governador- participavam da ocupação. Mas, segundo a rádio Erbol, o avião militar atirou do ar para dispersar os ocupantes da pista.
As primeiras reações da oposição foram negativas. O presidente do Senado, Óscar Ortiz, do partido Podemos (direita), disse que Morales quis usar o estado de sítio em Pando, de apenas 70 mil habitantes, como espécie de "castigo exemplar" e alerta às regiões opositoras.
"Infelizmente, tanto o presidente como seus ministros estão equivocados. Isso não nos vai levar à uma solução", disse.
Em Santa Cruz, o presidente do Comitê Cívico local, Branko Marinkovich, criticou a medida e pediu intervenção da ONU. Jovens aliados aos opositores invadiram e controlaram o escritório da representante oficial de Morales em Santa Cruz.
Os protestos nos departamentos governados pela oposição a Morales têm o objetivo estratégico de impedir que o presidente, fortalecido pelo referendo do dia 10 de agosto em que foi confirmado no cargo, realize a votação para aprovar a nova Carta do país, rejeitada pelos opositores. A exigência imediata é a restituição às regiões de parte de um imposto sobre o gás redirecionado para pagar pensões a idosos.


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