São Paulo, sábado, 13 de setembro de 2008

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Comandante militar rejeita "intromissão" de Chávez

David Mercado/Reuters
Morales participa de desfile militar em Cochabamba

DA ENVIADA A VILLAMONTES (BOLÍVIA)

O comandante-em-chefe das Forças Armadas da Bolívia, general Luis Trigo, dirigiu-se ontem ao presidente da Venezuela, Hugo Chávez, aliado estratégico de Evo Morales, para rejeitar "intromissões externas de qualquer índole" em assuntos do país. O venezuelano voltara a dizer que, em caso de golpe contra o governo boliviano, apoiaria "qualquer movimento armado" para defendê-lo.
O comunicado lido às câmeras de TV, no qual Trigo reafirmou a defesa do governo, parece ter pego de surpresa o Palacio Quemado, sede da Presidência, e provocou mal-estar pela advertência pública a Chávez. O anúncio foi feito de manhã, mas só no fim da tarde o site da agência oficial de notícias, ABI, o publicou -sem menção ao venezuelano.
"Ao presidente da Venezuela, senhor Hugo Chávez, e à comunidade internacional dizemos que as Forças Armadas rejeitam intromissões externas de qualquer índole, venham de onde vierem e não permitirão que nenhum, militar ou força estrangeira pise em território nacional", leu Trigo.
A declaração foi interpretada como mensagem principalmente ao público castrense, no qual uma ala -considerada minoritária pelos analistas, mas majoritária pelos opositores- mostra-se refratária à presença venezuelana na esfera militar do país. Caracas financiou boa parte da recuperação de equipamentos e até prédios militares bolivianos. São helicópteros cedidos por Chávez, também com militares venezuelanos, que transportam Morales.
Há também a ala militar que, embora não se oponha a Chávez, considera excessivo o engajamento dos militares no projeto de Morales, que integrou-os ao governo dando-lhes um papel de destaque na nacionalização dos hidrocarbonetos, em 2006, e os fez distribuir seu programa de transferência de renda para crianças em idade escolar. Mas até essa parcela pende para o lado do governo quando atitudes da oposição resvalam no separatismo.
De acordo com uma fonte ligada à cúpula da Polícia Nacional, a reação de Trigo era esperada por essas duas parcelas das Forças e visa mostrar independência e gerar coesão.
"É uma declaração claramente demagógica de Trigo. Ele sabe do descontentamento com o curso dados às Forças Armadas, principalmente nos postos médios da hierarquia do Exército", reagiu Javier Limpias, ex-parlamentar por Santa Cruz e ativo nas ações autonomistas do departamento do leste, em desafio a La Paz.

Crise e humilhação
Chávez já havia feito declarações semelhantes antes, causando incômodo, mas a conjuntura de aguda crise, com discussão do papel e dos limites de ação dos militares, provocou o comunicado, dizem analistas ouvidos pela Folha.
Havia desconforto pela escalação de soldados para a tarefa de proteger prédios públicos e instalações gasíferas sem que, como prevê um decreto do governo Carlos Mesa (2003-2005), o governo estabelecesse por escrito os limites da repressão. O decreto veio depois que, em 2003, o Exército reprimiu manifestantes na chamada "guerra do gás", contra a exportação do combustível aos EUA, que deixou 70 mortos. Militares, incluindo oficiais, foram ou estão sendo julgados na Justiça comum pelas mortes.
Nesta semana, nem as Forças Armadas nem a Polícia Nacional estavam autorizadas a usar armas de fogo e tinham a orientação de evitar mortes. A situação produziu cenas humilhantes para os soldados. Até Morales, em discurso ontem, responsabilizou-se pelos episódios. Em Santa Cruz, soldados apanharam. No campo gasífero de Volta Grande, em Chuquisaca, tiveram de negociar com os opositores para receber os fuzis de volta. Ontem, Trigo disse que os militares não atuarão contra o povo, mas contra "os delinqüentes". (FM)

NA INTERNET
www.folha.com.br/082563
A íntegra do comunicado



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