São Paulo, sábado, 13 de setembro de 2008

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La Paz decreta estado de sítio em Pando, palco de massacre

DA ENVIADA A VILLAMONTES

O governo da Bolívia declarou estado de sítio em Pando, no norte amazônico da Bolívia, um dia depois que enfrentamentos entre camponeses pró-Morales e opositores provocarem a morte de pelo menos oito pessoas -o total pode chegar a 14, segundo fontes locais. Duas outras pessoas, da radical união juvenil local, aliada do governador oposicionista Leopoldo Fernández, teriam morrido em novos confrontos ontem.
Antes do anúncio do decreto, as Forças Armadas retomaram o aeroporto de Cobija, capital do departamento, que havia sido tomado na semana passada por milícias opositoras.
O decreto da medida de exceção foi assinado pelo ministro da Defesa, Walker San Miguel, à noite, no mesmo momento em que estava prevista uma reunião entre o presidente Evo Morales e o governador de Tarija, Mario Cossío, representante dos cinco departamentos rebeldes do país, em uma frágil tentativa de estabelecer diálogo para resolver a crise.
Cossío já estava na sede de governo, em La Paz, quando o estado de sítio foi declarado.
A opção de declarar estado de sítio estava na mesa do governo Evo Morales desde o agudo recrudescimento da crise com as regiões, com ataques a aeroportos, na semana passada. Mas havia, pelo menos até o começo da semana, resistência nas próprias Forças Armadas, segundo uma fonte diplomática brasileira ouvida pela Folha.
Depois de uma quinta-feira dedicada a coletar dados e contar corpos do enfrentamento entre camponeses pró-Morales e apoiadores da oposição em Pando, Cossío anunciou que se reuniria com o presidente em local, data e hora marcados pelo governo para iniciar uma negociação. Morales topou e o encontro seguia na sede do governo, em La Paz, até o fechamento desta edição.
"Dialogar não quer dizer renunciar às nossas justas reivindicações", afirmou o governador de Tarija, que concentra 60% da produção de gás, a principal fonte de renda do país e central na disputa por recursos entre o governo federal e as regiões. "Assumirei esta tarefa com enorme responsabilidade, plenamente convencido de que esta é talvez a última oportunidade para que o país se encaminhe no processo de reconciliação."
Ainda que tenham declarado Cossío seu porta-voz, a desconfiança era a tônica de governos departamentais e grupos "cívicos" opositores. Ao menos em Santa Cruz, bastião da oposição, e na gasífera região do Chaco, em Tarija, a ordem era seguir com os protestos -incluindo as dezenas de bloqueios rodoviários que asfixiam metade do país.
A tensão ainda era grande em Villamontes, região do Chaco boliviano rica em gás e epicentro dos ataques que afetaram o envio do combustível ao Brasil nesta semana.
A agenda na mesa de Morales e Cossío é a mesma do final do ano passado, quando recrudesceu o conflito com a aprovação do texto da nova Carta pelos constituintes governistas, e na ausência dos principais representantes de oposição.
Os governadores de Pando, Beni, Tarija e Santa Cruz e a recém-eleita opositora de Chuquisaca exigem que o governo restitua parte de um imposto sobre o gás, o IDH, redirecionado por La Paz para pagar uma pensão a maiores de 60 anos. Alguns governistas dizem que esse tema pode, sim, ser negociado, mas ontem mesmo Morales voltou a dizer que quem pode decidir sobre o dinheiro são os próprios idosos.
O IDH é apenas a parte mais visível de profundas divergências entre La Paz e os governadores sobre modelo e tamanho de Estado, inclusão econômica e cultural da parcela mais pobre dos indígenas e a aplicação e controle dos recursos públicos, principalmente os gerados pela terra e pelo gás.
Todos esses temas, com base na visão governista, estão no texto constitucional, principal bandeira do governo de Morales, pendente de aprovação em referendos. A reação violenta coordenada nos cinco departamentos foi montada com o objetivo de barrar as consultas.


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