São Paulo, segunda-feira, 13 de setembro de 2010

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Vermelhos de raiva

Proximidade das eleições de 26 de setembro evidencia a censura das classes média e alta da Venezuela à cor, que foi "sequestrada" pelos chavistas

Meridith Kohut/Folhapress
Loja do estilista Scuttaro; comércio atende fobia contra "cor de Chávez"

FLÁVIA MARREIRO
DE CARACAS

Dibsi Suárez sai do provador para protestar: "Meu vestido não é vermelho. É vinho. Eu jamais uso vermelho".
A dona da boutique em Los Palos Grandes, bairro nobre de Caracas, Patricia Gómez, emenda que há anos não compra nenhum artigo vermelho para a loja porque a cor foi "sequestrada" pelo movimento de Hugo Chávez.
A censura cromática nas classes média e alta venezuelanas já dura 11 anos e fica mais evidente nos períodos eleitorais. A dias das eleições parlamentares, o exército chavista "vermelho, vermelhinho" ganha as ruas e não raro se impõe nas cadeias obrigatórias de rádio e TV.
Já os opositores fazem sua "cadeia" repassando em seus BlackBerries: "Vamos votar de branco. Vamos mostrar quem é maioria".
"Só uso vermelho fora da Venezuela. É uma pena, porque fico bem", diz a loura Patrícia, 44 anos. Quando Dibsi Suárez , 29, e a dona da loja explicam os motivos, fica claro que o veto à cor é uma expressão simbólica do concreto mal-estar da classe média.
"Sou economista desempregada", diz Suárez. "O senhor Chávez resolveu acabar com o mercado de capitais. A corretora de câmbio em que eu trabalhava foi fechada."
Em maio, o governo fechou as corretoras que negociavam o "dólar permuta" -não oficial, mas legal-, que chegou a valer o dobro do maior câmbio oficial: oito bolívares fortes por dólar.
Ao sistema recorria a classe média ávida por comprar divisas para se proteger da inflação de 30% anuais e lucrar com dólares trazidos do exterior ou captados no sistema oficial. Agora, resta se arriscar no mercado negro.
Foi um duplo golpe. Com o país em recessão há cinco trimestres, o dinheiro que patrocinou o consumo recorde no boom petroleiro -nunca se comprou tantos carros na Venezuela- passou a secar.

A SAÍDA É O AEROPORTO
Se uma fatia da classe média acompanhou o início do governo Chávez, a radicalização das medidas e a exclusão do discurso do presidente deram força ao desembarque.
"Chávez oferece à Venezuela uma história que reconhece a profunda divisão da sociedade: é para a maioria, não para todos", escreveu o antropólogo Fernando Coronil. "Para a classe média, a virulência [da oposição] é explicada pela perda de identidade, o medo de que o futuro não pertença a eles."
Não por acaso outra expressão do mal-estar é a migração. A demógrafa Anizta Freitez, da Universidade Católica Andrés Bello, vê o peso do fator Chávez, aliado à explosão da violência.
A petrolífera Venezuela inverteu o perfil de receber migrantes a partir de 1982, depois de uma crise. Mas o que chama atenção, diz Freitez, é o salto das cifras nos últimos dez anos, apesar do boom petroleiro e do crescimento a taxas chinesas de 2005 a 2007.
De 2000 a 2009, 82 mil venezuelanos obtiveram visto permanente dos EUA, alta de 133% ante os anos 90. "Ser jovem na Venezuela é uma calamidade. Se você é pobre, sua vida não vale nada", diz. "Se você é de classe média, suas possibilidades de inserção são limitadas. O país não vai usar seu potencial."
Daniela Zamolo, 23, acaba de se formar em engenharia química, uma das carreiras promissoras no país. Mas se queixa de que indústrias do setor foram nacionalizadas e têm critérios políticos de contratação. Ela e o namorado planejam ir para o Brasil.
A família da dona da boutique vermelhofóbica está prestes a engrossar as estatísticas. A filha vai estudar no exterior. "Muitos colegas dela vão. Não há futuro aqui."


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