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Vermelhos de raiva
Proximidade das eleições de 26 de
setembro evidencia a censura
das classes média e alta
da Venezuela à cor, que foi
"sequestrada" pelos chavistas
Meridith Kohut/Folhapress
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Loja do estilista Scuttaro; comércio atende fobia contra "cor de Chávez"
FLÁVIA MARREIRO
DE CARACAS
Dibsi Suárez sai do provador para protestar: "Meu vestido não é vermelho. É vinho.
Eu jamais uso vermelho".
A dona da boutique em
Los Palos Grandes, bairro nobre de Caracas, Patricia Gómez, emenda que há anos
não compra nenhum artigo
vermelho para a loja porque
a cor foi "sequestrada" pelo
movimento de Hugo Chávez.
A censura cromática nas
classes média e alta venezuelanas já dura 11 anos e fica
mais evidente nos períodos
eleitorais. A dias das eleições
parlamentares, o exército
chavista "vermelho, vermelhinho" ganha as ruas e não
raro se impõe nas cadeias
obrigatórias de rádio e TV.
Já os opositores fazem sua
"cadeia" repassando em
seus BlackBerries: "Vamos
votar de branco. Vamos mostrar quem é maioria".
"Só uso vermelho fora da
Venezuela. É uma pena, porque fico bem", diz a loura Patrícia, 44 anos. Quando Dibsi
Suárez , 29, e a dona da loja
explicam os motivos, fica claro que o veto à cor é uma expressão simbólica do concreto mal-estar da classe média.
"Sou economista desempregada", diz Suárez. "O senhor Chávez resolveu acabar
com o mercado de capitais. A
corretora de câmbio em que
eu trabalhava foi fechada."
Em maio, o governo fechou as corretoras que negociavam o "dólar permuta"
-não oficial, mas legal-,
que chegou a valer o dobro
do maior câmbio oficial: oito
bolívares fortes por dólar.
Ao sistema recorria a classe média ávida por comprar
divisas para se proteger da
inflação de 30% anuais e lucrar com dólares trazidos do
exterior ou captados no sistema oficial. Agora, resta se arriscar no mercado negro.
Foi um duplo golpe. Com o
país em recessão há cinco trimestres, o dinheiro que patrocinou o consumo recorde
no boom petroleiro -nunca
se comprou tantos carros na
Venezuela- passou a secar.
A SAÍDA É O AEROPORTO
Se uma fatia da classe média acompanhou o início do
governo Chávez, a radicalização das medidas e a exclusão
do discurso do presidente deram força ao desembarque.
"Chávez oferece à Venezuela uma história que reconhece a profunda divisão da
sociedade: é para a maioria,
não para todos", escreveu o
antropólogo Fernando Coronil. "Para a classe média, a
virulência [da oposição] é explicada pela perda de identidade, o medo de que o futuro
não pertença a eles."
Não por acaso outra expressão do mal-estar é a migração. A demógrafa Anizta
Freitez, da Universidade Católica Andrés Bello, vê o peso
do fator Chávez, aliado à explosão da violência.
A petrolífera Venezuela inverteu o perfil de receber migrantes a partir de 1982, depois de uma crise. Mas o que
chama atenção, diz Freitez, é
o salto das cifras nos últimos
dez anos, apesar do boom petroleiro e do crescimento a taxas chinesas de 2005 a 2007.
De 2000 a 2009, 82 mil venezuelanos obtiveram visto
permanente dos EUA, alta de
133% ante os anos 90. "Ser jovem na Venezuela é uma calamidade. Se você é pobre,
sua vida não vale nada", diz.
"Se você é de classe média,
suas possibilidades de inserção são limitadas. O país não
vai usar seu potencial."
Daniela Zamolo, 23, acaba
de se formar em engenharia
química, uma das carreiras
promissoras no país. Mas se
queixa de que indústrias do
setor foram nacionalizadas e
têm critérios políticos de contratação. Ela e o namorado
planejam ir para o Brasil.
A família da dona da boutique vermelhofóbica está
prestes a engrossar as estatísticas. A filha vai estudar no
exterior. "Muitos colegas dela vão. Não há futuro aqui."
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