São Paulo, segunda-feira, 13 de outubro de 2008

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China permite arrendamento de terras

Por primeira vez desde advento do comunismo, camponeses poderão usar propriedades rurais para obter compensações financeiras

Meta de Pequim é aumentar produtividade do campo e também fazer crescer o poder de compra de dois terços da população do país

David Gray - 08.out.2008/Reuters
Campônes observa plantação de milho em fazenda nos arredores de Pequim

RAUL JUSTE LORES
DE PEQUIM

Os camponeses chineses poderão arrendar, trocar e até usar suas terras como garantia para empréstimos, após a aprovação ontem da reforma rural pelo Comitê Central do Partido Comunista.
A mudança atinge 900 milhões de chineses. Segundo a mídia estatal, a reforma busca aumentar a renda dos camponeses, que vivem da subsistência em sua maioria.
Diante do temor de que uma recessão mundial atinja fortemente a indústria exportadora do país, o Partido Comunista quer estimular o consumo interno e espera que a medida aumente o poder de compra de dois terços da população.
Em nota, o Partido Comunista afirmou que a renda dos agricultores dobrará até 2020. Atualmente, é de 4.140 yuans por ano (equivalente a R$ 111 mensais), 3,3 vezes menor que a dos habitantes das cidades.
No mesmo comunicado, o partido promete criar uma moderna rede de financiamento à agricultura, investir mais no campo e equilibrar o desenvolvimento entre o interior e as grandes cidades.
Há exatos 30 anos, quando Deng Xiaoping começou a abrir a economia do país e deixar o comunismo de lado, os agricultores ganharam o direito de explorar individualmente pequenas parcelas de terra em concessões de 30 anos, mas não podiam passá-las adiante. Toda a terra do país ainda pertence ao Estado.
A partir de agora, os moradores da zona rural terão concessões de terra por 70 anos, e são essas propriedades (de 0,6 hectare em média, ou 6.000 metros quadrados), que eles poderão arrendar para outros produtores rurais.
O governo chinês diz que as propriedades fragmentadas e de poucos recursos são responsáveis pela baixa produtividade do campo e pela falta de investimentos no negócio agrícola. Quedas na produção levaram a aumento de preços na cesta básica chinesa e a inflação no ano passado.

Economia de escala
Esta é a terceira reforma agrária do país. Entre 1949 e 1978, Mao Tsé-tung forçou a criação de fazendas coletivas, abolindo qualquer propriedade privada. A produção entrou em colapso e o país passou por escassez alimentar em longos períodos -o pior deles, entre 1956 e 1959, quando morreram 30 milhões de pessoas.
Em 1978, o retorno a propriedades individuais produziu um grande aumento de produtividade, mas a subida se estagnou na última década. "A produção rural precisa ganhar economia de escala", disse o presidente Hu Jintao ao final da reunião do comitê.
O especialista em estudos do campo Dang Guoying, da Academia Chinesa de Ciências Sociais (ligada ao governo), diz que o desenvolvimento rural ficou para trás e que o país precisa de contratos mais livres e direitos de uso da terra mais flexíveis. Ele critica a excessiva fragmentação atual das terras.
"Agora os agricultores poderão negociar com suas terras, usá-las para gerar lucros, o que poderá ajudar sua instalação nas cidades", diz.

Na favela, sem terra
Mas há críticos da nova reforma, que dizem que os latifundiários, maiores vilões da China no início da Revolução Comunista, podem voltar.
O professor do Centro de Estudos das Vilas Rurais da Universidade de Huazhong, He Xuefeng, disse que a reforma é fruto das pressões "capitalistas" e que os camponeses podem ficar sem sua terra e sem futuro nas grandes cidades.
"Hoje em dia, quando um camponês não consegue trabalho na construção civil ou nas linhas de montagem, ele sabe que pode voltar a seu pedacinho de terra, que não vai passar fome", disse à Folha.
"Nessa nova estrutura, a China pode passar a ter vastas favelas ao redor das cidades, não estamos preparados para tal êxodo rural." Ele acha que a sobrevivência de milhões estará "em risco".



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