São Paulo, quinta-feira, 13 de novembro de 2008

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Brasil lança com Bolívia estratégia regional antidroga

Acordo aceita produção de coca para consumo tradicional, condenado pela ONU

Projeto deve incluir também Argentina, Peru e Chile; governo boliviano expulsou neste ano agentes da DEA, agência antidroga dos EUA

IURI DANTAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O Brasil tentará competir com os Estados Unidos pela liderança no combate à produção de cocaína na América do Sul adotando abordagem criticada por Washington ou mesmo pela ONU: a que tolera o plantio de coca que, em tese, é totalmente destinado ao consumo tradicional nos Andes. Para tal, o governo brasileiro assina hoje um acordo com a Bolívia lançando uma estratégia regional contra as drogas, da qual também devem fazer parte Argentina, Peru e Chile.
A proposta brasileira acolhe o lema do presidente cocaleiro Evo Morales "cocaína zero, mas não coca zero". Em vez da erradicação total das plantações, como é da preferência dos EUA, a ordem será controlar a expansão das lavouras.
Desde 1988, a Bolívia já permite, por lei, o cultivo da coca para mascar ou fazer infusões em 12 mil hectares. A parcela foi ampliada em 2004. O que ultrapassa a área deve ser erradicado. Embora descontente e pressionando por limites menores de cultivo, a Casa Branca cedeu ao formato e continuou enviando ajuda ao governo para ação antidrogas.
A cooperação, porém, foi abalada com o veto a La Paz às erradicações forçadas e está por um fio desde que Morales expulsou a DEA (agência de combate às drogas americana), acusando seus agentes de conspirar contra o governo.
Embora Washington siga dizendo que a aliança no tema não acabou, é neste vácuo que o governo brasileiro quer exercer uma liderança efetiva na América do Sul em segurança. A Bolívia, com 3.400 km de fronteira com o Brasil, é o terceiro maior produtor mundial de cocaína, após Colômbia e Peru.
Segundo apurou a Folha, a idéia da diplomacia brasileira é construir um caso de sucesso na Bolívia para ganhar capital político na região. Integrantes do Ministério da Justiça vêem o acordo como alternativa ao Plano Colômbia, por meio do qual Washington fornece dinheiro e armas a Bogotá.
A liderança brasileira no combate às drogas não é apenas um objetivo, mas uma necessidade. Nos últimos anos, o Brasil modificou o seu perfil: deixou de ser mera rota de traficantes e passou a ser mais um pólo consumidor de drogas, com ênfase justamente nos derivados de coca, como cocaína e merla.
O acordo será firmado pelo ministro da Justiça, Tarso Genro, e pelo ministro do Governo boliviano, Alfredo Rada, e prevê ainda ações conjuntas de polícias, localização e destruição de laboratórios e pistas de pouso clandestinas, suporte das Forças Armadas e troca de informações sobre o tráfico.
A participação de Peru, Argentina e Chile na estratégia vem sendo negociada há algumas semanas e deve ser confirmada publicamente na visita de Rada a esses países, após sua passagem pelo Brasil. Morales já havia mencionado que tentaria articular a nova política no âmbito da Unasul (União de Nações Sul-Americanas).

Eleitorado e ONU
A idéia de controlar o plantio em vez de eliminá-lo contraria orientações da ONU. Em março, a Jife (Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes) exortou a Bolívia a abolir a mastigação de folhas e o consumo do chá de coca. La Paz faz campanha para mudar o entendimento da Jife sobre o tema, sem sucesso até agora. A Jife diz que o consumo dos itens pode afetar a saúde e cita desde 1961 a folha de coca entre as substâncias entorpecentes proibidas internacionalmente.


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