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Brasil lança com Bolívia estratégia regional antidroga
Acordo aceita produção de coca para consumo tradicional, condenado pela ONU
Projeto deve incluir também Argentina, Peru e Chile; governo boliviano expulsou neste ano agentes da DEA, agência antidroga dos EUA
IURI DANTAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O Brasil tentará competir
com os Estados Unidos pela liderança no combate à produção de cocaína na América do
Sul adotando abordagem criticada por Washington ou mesmo pela ONU: a que tolera o
plantio de coca que, em tese, é
totalmente destinado ao consumo tradicional nos Andes.
Para tal, o governo brasileiro
assina hoje um acordo com a
Bolívia lançando uma estratégia regional contra as drogas, da
qual também devem fazer parte Argentina, Peru e Chile.
A proposta brasileira acolhe
o lema do presidente cocaleiro
Evo Morales "cocaína zero,
mas não coca zero". Em vez da
erradicação total das plantações, como é da preferência dos
EUA, a ordem será controlar a
expansão das lavouras.
Desde 1988, a Bolívia já permite, por lei, o cultivo da coca
para mascar ou fazer infusões
em 12 mil hectares. A parcela
foi ampliada em 2004. O que
ultrapassa a área deve ser erradicado. Embora descontente e
pressionando por limites menores de cultivo, a Casa Branca
cedeu ao formato e continuou
enviando ajuda ao governo para ação antidrogas.
A cooperação, porém, foi
abalada com o veto a La Paz às
erradicações forçadas e está
por um fio desde que Morales
expulsou a DEA (agência de
combate às drogas americana),
acusando seus agentes de conspirar contra o governo.
Embora Washington siga dizendo que a aliança no tema
não acabou, é neste vácuo que o
governo brasileiro quer exercer
uma liderança efetiva na América do Sul em segurança. A Bolívia, com 3.400 km de fronteira com o Brasil, é o terceiro
maior produtor mundial de cocaína, após Colômbia e Peru.
Segundo apurou a Folha, a
idéia da diplomacia brasileira é
construir um caso de sucesso
na Bolívia para ganhar capital
político na região. Integrantes
do Ministério da Justiça vêem
o acordo como alternativa ao
Plano Colômbia, por meio do
qual Washington fornece dinheiro e armas a Bogotá.
A liderança brasileira no
combate às drogas não é apenas um objetivo, mas uma necessidade. Nos últimos anos, o
Brasil modificou o seu perfil:
deixou de ser mera rota de traficantes e passou a ser mais um
pólo consumidor de drogas,
com ênfase justamente nos derivados de coca, como cocaína e
merla.
O acordo será firmado pelo
ministro da Justiça, Tarso
Genro, e pelo ministro do Governo boliviano, Alfredo Rada,
e prevê ainda ações conjuntas
de polícias, localização e destruição de laboratórios e pistas
de pouso clandestinas, suporte
das Forças Armadas e troca de
informações sobre o tráfico.
A participação de Peru, Argentina e Chile na estratégia
vem sendo negociada há algumas semanas e deve ser confirmada publicamente na visita
de Rada a esses países, após sua
passagem pelo Brasil. Morales
já havia mencionado que tentaria articular a nova política no
âmbito da Unasul (União de
Nações Sul-Americanas).
Eleitorado e ONU
A idéia de controlar o plantio
em vez de eliminá-lo contraria
orientações da ONU. Em março, a Jife (Junta Internacional
de Fiscalização de Entorpecentes) exortou a Bolívia a abolir a
mastigação de folhas e o consumo do chá de coca. La Paz faz
campanha para mudar o entendimento da Jife sobre o tema,
sem sucesso até agora. A Jife
diz que o consumo dos itens pode afetar a saúde e cita desde
1961 a folha de coca entre as
substâncias entorpecentes
proibidas internacionalmente.
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