|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Estrangeiros criam Jerusalém fantasma
Judeus de outros países compram apartamentos e os mantêm vazios durante maior parte do ano, alimentando bolha imobiliária
Com 800 mil habitantes, cidade tem apenas 186 mil apartamentos; escassez vira justificativa para construções polêmicas na parte oriental
MARCELO NINIO
DE JERUSALÉM
O interesse crescente de estrangeiros em adquirir imóveis
em Jerusalém provocou um fenômeno inusitado: algumas
áreas da cidade mais disputada
do mundo ameaçam transformar-se em verdadeiros bairros-fantasma.
Preocupada com a tendência
e suas consequências socioeconômicas, a prefeitura da cidade
enviou recentemente cartas a
9.000 proprietários ausentes
pedindo que ocupem ou aluguem seus imóveis.
Além de inflar a bolha que catapultou os preços dos imóveis
em Jerusalém, a existência de
milhares de apartamentos vazios agrava a decadência econômica da cidade mais pobre de
Israel, reduzindo o consumo e a
coleta de impostos.
"Gostaria de parabenizá-los
por terem comprado imóveis
em Jerusalém, a capital eterna
do povo judeu", diz a carta assinada pelo prefeito de Jerusalém, Nir Barkat, antes de alertar para o impacto causado pelos residentes-fantasmas.
"Um apartamento vazio significa menos compradores nos
mercados, menos crianças nas
escolas, menos frequentadores
nos cafés e, mais importante,
menos imóveis para jovens casais e estudantes", diz Barkat,
que fez milhões no setor de tecnologia antes de ser eleito prefeito, no ano passado.
A maioria dos apartamentos
vazios pertence a judeus ortodoxos dos Estados Unidos, do
Reino Unido e da França, que
passam apenas alguns dias por
ano em Israel, geralmente em
festas religiosas ou familiares.
"É uma loucura", diz Kobi,
por trás do balcão de sua pequena mercearia, localizada a
poucos metros da residência
oficial do presidente de Israel,
uma das áreas mais valorizadas
de Jerusalém. "Enquanto tudo
em volta ficava mais caro, os
clientes foram sumindo."
O que motiva o investimento,
além do retorno garantido, é a
sensação de ter um refúgio no
caso de uma onda de antissemitismo em seus países de origem. O resultado: prédios inteiros nas áreas mais exclusivas de
Jerusalém ficam vazios boa
parte do ano, tornando a escassez de imóveis na cidade ainda
mais dramática.
"Para cada apartamento disponível, tenho pelo menos dez
interessados", conta o corretor
de imóveis Eliran Haviv. "Bairros inteiros ficaram supervalorizados, mas estão vazios. Os
donos não querem vender, porque esperam que os apartamentos valorizem ainda mais."
Nas áreas mais exclusivas da
cidade, como Talbiye, Rehavia
e Colônia Alemã, os preços triplicaram nos últimos dois anos,
e um apartamento de dois
quartos pode facilmente passar
de R$ 800 mil.
Os números confirmam o
fosso entre oferta e procura e
explicam a bolha imobiliária
que alguns temem (e muitos
torcem) estar perto de estourar: segundo a prefeitura, há
186 mil apartamentos em Jerusalém, para uma população de
quase 800 mil pessoas.
Os altos preços e os novos e
luxuosos projetos imobiliários
destinados a atrair investidores
estrangeiros contrastam com a
má situação econômica de 3 em
cada 10 moradores da cidade.
A grande concentração de ultraortodoxos e árabes, populações com altos índices de pobreza, faz de Jerusalém a cidade de menor renda em Israel.
De acordo com dados divulgados no mês passado pelo Instituto Nacional de Seguros,
32,3% dos residentes são considerados pobres.
A falta de acesso econômico
aos bairros mais centrais de Jerusalém força famílias de baixa
renda, estudantes e jovens casais a buscar um teto na periferia da cidade.
Esse êxodo acaba gerando
tensões não só de caráter social,
mas também políticas, pois dá
ao governo justificativa para
ampliar bairros na parte oriental da cidade, reivindicada pelos palestinos para ser a capital
de seu Estado independente.
Texto Anterior: Entrevista: "Concertação é origem de três candidaturas" Próximo Texto: Frases Índice
|