São Paulo, domingo, 14 de janeiro de 2007

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ARTIGO

A precária aposta de Bush

Há três desfechos possíveis para a nova estratégia dos EUA para o Iraque, e o pessimista é o mais provável legado do presidente americano a seu sucessor

JAMES HOGE
EDITOR DA "FOREIGN AFFAIRS"

A despeito de crescente oposição no Congresso por parte tanto dos democratas quanto de alguns republicanos, o presidente Bush decidiu enviar mais tropas para enfrentar os insurgentes, e fornecer mais verbas a fim de gerar empregos para os iraquianos naquele país devastado pela violência. Mas Bush terá de superar grandes obstáculos antes de obter sucesso.
No Congresso, os críticos estão correndo para determinar que haja limites para os recursos investidos na nova campanha, e para o prazo que ela terá para se provar bem sucedida. Quanto ao público, pesquisas de opinião demonstram que uma ampla maioria dos americanos duvida de que a maré possa ser revertida, ou que a segurança dos Estados Unidos requeira esse resultado.
Há três desfechos possíveis. Contrariando todas as expectativas, a escalada poderia impor controle à insurgência por tempo suficiente para permitir que o desenvolvimento político e econômico estabilize o Iraque. Ou os reforços poderiam representar o último e frustrado esforço antes da retirada das tropas americanas, deixando que o destino do Iraque seja decidido pelos iraquianos e por seus nervosos vizinhos. Ou o governo Bush poderia continuar combatendo, sem resultados perceptíveis, e legar a confusão ao vencedor da disputa presidencial americana em 2008.
Por diversos motivos, um desfecho pessimista é o mais provável. O plano de Bush não funcionará sem que o governo de Nuri al Maliki, no Iraque, aceite reprimir as milícias xiitas, e não apenas as sunitas, e acate os compromissos políticos e econômicos que os sunitas moderados desejam.
O premiê Maliki prometeu cooperar com o novo plano de Bush, mas seu comportamento no passado sugere fortemente que ele não quer ou não pode dar assistência mais que mínima. Maliki não agiu como líder de união nacional, mas sim como defensor da causa xiita, e expôs laços condenáveis com o Irã, o que não dá aos sunitas motivos para que confiem nele.
Um segundo motivo para ceticismo é que as 21.500 tropas adicionais solicitadas por Bush não formam contingente suficiente para pacificar Bagdá, na opinião dos especialistas no combate a insurgências. E, por fim, facções iraquianas enraivecidas e desiludidas estão reforçando as fileiras da insurgência a cada dia. Os insurgentes adotaram táticas mais efetivas e demonstraram capacidade de esperar até que contra-ataques percam o ímpeto, reaparecendo quando a área está livre. O novo plano de Bush prevê que o papel das tropas americanas seja reduzido de maneira significativa antes do fim dete ano. Com base no desempenho histórico, é duvidoso que o Exército iraquiano seja capaz de fornecer segurança confiável ao país, nesse prazo.

Derrocada política
A menos que as condições no Iraque melhorem de maneira perceptível, Bush perderá a influência que lhe resta, e concluirá seu segundo mandado presidencial isolado e deixado à margem. Com a aproximação da eleição de 2008, as cisões nas fileiras republicanas crescerão, entre os partidários e os inimigos do "impulso" no Iraque. E os candidatos democratas à Presidência serão pressionados pela base de seu partido a estipular um cronograma de retirada.
No Iraque, o plano de Bush talvez cause certa redução na violência sectária, mas só por algum tempo. A perspectiva mais realista é que o conflito civil entre sunitas e xiitas prossiga por alguns anos, até que surja um vencedor claro, um compromisso gerado pela exaustão ou uma divisão do país.
Entre os vizinhos do Iraque, há crescente preocupação quanto ao potencial de tumulto regional. Os governos sunitas do Egito, Arábia Saudita, Jordânia e dos países do Golfo Pérsico se preocupam acima de tudo com o esforço do Irã para desenvolver a bomba atômica, os recursos que o país fornece a grupos radicais e suas ambições de dominar a região.
Aos olhos deles, o Irã foi o maior beneficiário da guerra no Iraque, e os americanos sofreram a maior perda de poder e influência. Com o Iraque passando por uma crise sem prazo para terminar, Washington precisa trabalhar para conter as forças caóticas que ameaçam a estabilidade em toda essa região rica em petróleo. Um ingrediente essencial será uma diplomacia revigorada, começando pela retomada da mediação no conflito entre Israel e os palestinos. Assistência à defesa para os países do golfo Pérsico também é uma prioridade.
O problema mais perturbador é o esforço incessante do Irã para se equipar com armas atômicas, ao mesmo tempo em que desenvolve mísseis de longo alcance. Dado o fato de que o Irã é uma teocracia xiita radical, disposta a apoiar grupos terroristas de pendores semelhantes, os alarmes estão soando em toda a região.
Os EUA e Israel insistem, até agora sem sucesso, em que o Irã precisa ser impedido de adquirir os recursos necessários a produzir armas nucleares. E, de sua parte, Egito e Arábia Saudita contemplam programas nucleares próprios, em resposta à ameaça iraniana. É evidente que o fiasco no Iraque solapou os esforços liderados pelos EUA para conter as ambições nucleares do Irã e impedir a desestabilização da região. No ano que se inicia, não há crises mais importantes do que estas para os EUA.


Tradução de PAULO MIGLIACCI


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