São Paulo, domingo, 14 de fevereiro de 2010

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Com Chávez e petróleo, economia fica imprevisível

Analista afirma que, na Venezuela, "longo prazo" é intervalo de um ano

Presidente alterou, em 11 anos, o marco regulatório de quase todos os setores da economia -em inúmeros casos, mais de uma vez

FABIANO MAISONNAVE
DE CARACAS

Na semana passada, durante o programa de TV dominical, gravado na praça Bolívar, centro de Caracas, Hugo Chávez apontou o dedo para uma esquina e perguntou: "E esse edifício?". "Tem um comércio privado de joalheria", respondeu um assessor. "Exproprie-se", ordenou o presidente venezuelano, que agora quer montar ali o Museu Bolivariano.
Três dias depois, todos os 90 comerciantes de ouro e joias do edifício La Francia, alguns no mesmo local desde os anos 1950, já haviam esvaziado todas as vitrines e fechado as portas. Cerca de 2.000 pessoas trabalhavam no prédio.
"Isso foi intempestivo, nos pegou de surpresa", diz a comerciante Belinda Romero, 28. A família de seu marido mantinha a joalheria Arte Guyana no local havia 44 anos. Sentada diante da loja vazia, disse que estava ali para o caso de algum funcionário do governo aparecer, já que a única notificação havia sido do próprio Chávez.
Obrigada a viver com altos e baixos econômicos por causa da dependência quase total do petróleo (94% das exportações), a economia venezuelana também tem sido refém da volatilidade imposta pela "revolução socialista bolivariana" imposta por Chávez.
Desde 2007, ele promove uma agressiva e imprevisível onda de nacionalizações e expropriações, que incluiu os setores elétrico, de telecomunicações e até o maior shopping do país, o Sambil La Candelaria, que estava a semanas de ser inaugurado e tinha quase todas as lojas comercializadas.
Além disso, em 11 anos, Chávez alterou o marco regulatório de praticamente todos os setores da economia -em vários casos, mais de uma vez.
"Na Venezuela, há um fator determinante, o comportamento do preço do petróleo, que sempre vai afetar qualquer decisão econômica", diz José Saboin, da consultoria Ecoanalítica. "E, desde Chávez, está a ideologização, mantendo a economia rentista, mas adaptada à socialização dos setores produtivos. Basicamente, o país tem essas duas variáveis."
As constantes mudanças na economia e o ímpeto estatizante têm afastado investimentos estrangeiros. Segundo a Cepal (ONU), a Venezuela, quarta economia latino-americana, captou só US$ 5,8 bilhões entre 2004 e 2008. No mesmo período, a pequena República Dominicana, cerca de US$ 7 bilhões.
O desânimo atingiu inclusive a Petrobras, apesar da proximidade entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Chávez.
A estatal deixou de lado até o projeto Carabobo, numa das maiores reservas de petróleo do mundo, em parte pelo difícil convívio com a PDVSA -foi obrigada a ceder à estatal venezuelana o controle acionário de quatro empresas em 2006.
Sem investimento externo e com o preço do petróleo longe dos recordes de meados de 2008, a Venezuela passa por um momento difícil, com um cenário de recessão ao lado da inflação mais alta da América Latina -mistura batizada de estagflação pelos economistas.
Para este ano, a Ecoanalítica prevê um crescimento de 0,9%, movido principalmente pelo aumento do gasto público em ano eleitoral (o Congresso será renovado em setembro).
"Num país normal, o longo prazo é de cinco anos", afirma o economista Pavel Gómez, do Iesa (Instituto de Estudos Superiores de Administração). "Na Venezuela, é de um ano."


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