São Paulo, domingo, 14 de março de 2004

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ATENTADOS EM MADRI

Polícia detém suspeitos que podem ter ligação com o extremismo islâmico; Al Qaeda assume autoria do atentado em gravação

Prisões e vídeo reforçam pista islâmica

CLÓVIS ROSSI
Colunista da Folha, em Madri

A polícia espanhola prendeu ontem, em Madri, três marroquinos, dois indianos e dois espanhóis de origem também indiana, ação que inclina definitivamente a investigação sobre os atentados de quinta-feira para a chamada "pista árabe", ou seja, para a Al Qaeda ou grupos a ela ligados.
Em fita de vídeo encontrada perto de uma mesquita madrilena, um suposto porta-voz militar da Al Qaeda reivindica os ataques, conforme informação do ministro do Interior, Ángel Acebes, já no início da madrugada de hoje (0h40 em Madri, 20h40 pelo horário de Brasília).
Um anônimo avisou a polícia de que havia a fita, na qual um homem com roupas típicas árabes e sotaque marroquino diz: "Declaramos nossa responsabilidade pelo ocorrido en Madri. É uma resposta aos crimes no Afeganistão e no Iraque. Se não pararem com as injustiças, haverá mais".
Os sete presos não seriam os autores materiais dos atentados de quinta-feira, que mataram 200 pessoas (a 200ª vítima morreu ontem), mas responsáveis pelo telefone celular e pelo cartão pré-pago que funcionariam como "timer" de uma bomba que acabou não explodindo em um dos trens. Também ontem, as autoridades espanholas confirmaram a morte de um brasileiro (leia abaixo).
Os novos fatos ocorridos ontem virtualmente eliminam a hipótese de que os atentados tenham sido praticados pelo grupo terrorista basco ETA (Euskadi Ta Askatasuna ou Pátria Basca e Liberdade). O ETA tem um aparato interno próprio, o que dispensa a participação de estrangeiros em suas ações.
Ao anunciar as prisões, o ministro Acebes não descartou que os detidos possam ter relações com grupos extremistas marroquinos, mas disse que "é cedo para estabelecer esse tipo de conexão".
Os sete foram detidos por determinação judicial, o que significa que a polícia já tinha levantado indícios suficientes para requerer à Justiça a autorização para detê-los. Os presos estavam sendo interrogados no momento em que Acebes fez o anúncio das detenções aos jornalistas.
Antes, a rádio Ser atribuía ao CNI (Centro Nacional de Inteligência), o serviço secreto espanhol, a avaliação de que é "99% válida a hipótese que aponta a um atentado de orientação islâmica radical". A rádio acrescentava que o atentado teria sido praticado por um grupo de dez a 15 pessoas, que "pode já estar fora do país".
As fontes consultadas pela Ser diziam ainda que não cravavam que fosse a Al Qaeda, porque a organização de Osama bin Laden "conta com mais de cem grupos ou células afins que poderiam estar ligadas aos atentados".
Mas o diretor do CNI, Jorge Dezcallar, disse, em seguida que "não é certo e não tem sentido o noticiado pela Cadeia Ser, no sentido de que abandonamos totalmente uma linha de investigação em benefício de outra ou outras".

"A verdade, antes de votar"
Para as vítimas, pode não fazer diferença quem as atacou, se a Al Qaeda ou ao ETA. Mas para o jogo político e eventualmente eleitoral, é fundamental.
Se se confirmarem os indícios que apontam agora claramente para a "pista islâmica", o governo fica duplamente afetado. Primeiro, pela suspeita de que escondeu informações. Ontem, cerca de 5.000 pessoas reuniram-se diante da sede do PP (Partido Popular, no governo há oito anos) para exigir "la verdad, antes de votar".
Os protestos se espalharam por outras cidades, forçando o governo a reagir. "O governo desde o primeiro momento atuou e continua atuando com total transparência", disse o porta-voz do governo, Eduardo Zaplana.
Mas o estrago maior pode vir da insinuação contida em outro grito dos manifestantes: "Nuestros muertos, vuestra guerra".
Ou seja, o atentado teria sido cometido como represália pelo envolvimento do governo na Guerra do Iraque, contra a opinião majoritária dos espanhóis, e por seu apoio aos EUA.
Se a possível consolidação da "pista islâmica" terá ou não efeito na eleição, é impossível dizer. O anúncio das prisões foi feito pouco depois de 20h (16h em Brasília). Será certamente a manchete de todos os jornais de hoje, mas, se o eleitorado o traduzirá em intenção de votar contra o governo, é uma questão aberta, ainda mais que a sociedade espanhola continua claramente em compreensível estado de choque.
Além das prisões, outros elementos somaram-se ontem para afastar a pista basca.
Miren Azkarate, a porta-voz do governo basco, considerou crível o desmentido do ETA, feito em telefonemas ao jornal "Gara" e ao canal de TV basco. Na mesma linha foi Arnaldo Otegi, dirigente de Batasuna, partido político próximo ao ETA e que foi declarado ilegal pelo governo Aznar.
"A pessoa que telefonou ao "Gara" revelou certos fatos e detalhes que não posso repetir, mas que só podem conhecer os que conhecem bem o ETA e sua história", argumentou Otegi no jornal francês "Le Monde".



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